Pesquisadores relacionam o aumento deste fenômeno com o aquecimento global
Após o grande ciclone que atingiu o sul do Brasil no final do mês de junho, diversos alarmes de instabilidade climática surgiram na região. Um novo ciclone bomba atingiu o litoral do Rio Grande do Sul, no dia 3 de setembro, causando instabilidade marítima no porto local. Apesar ter uma intensidade mais baixa que o ciclone ocorrido em junho, os climatologistas alertam que eventos como este tem a possibilidade de surgir novamente com maior intensidade em toda a região Sul.
O professor Francisco Eliseu Aquino, coordenador da divisão de Climatologia Polar e Subtropical da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), apresentou, em um Webinar à comunidade, promovida pelo ClimaInfo, portal de notícias sobre o clima, dados que evidenciam o quanto esses eventos extremos estão ligados com o aquecimento global. Ele explica que o ciclone bomba é uma área de baixa pressão desce muito rápido contra a pressão atmosférica. Suas pesquisas apontam que, o aumento de 1ºC na temperatura média do Brasil de norte a sul tem influenciado toda a circulação atmosférica do continente, contrastando com a massa de ar frio vinda da região Sul Polar.
Na tarde do dia 30 de junho, a combinação das nuvens convectivas mais rigorosas que avançaram rápido por Santa Catarina, com o contraste de ar frio ‒ um campo de pressão atmosférica baixo e o ar quente e úmido ‒ fez com que o ciclone bomba tivesse mais intensidade. “Algo que incrementa esse sistema é a entrada de ar frio da região Sul Polar, especialmente do mar de Wandel, que vem sido trazida graças ao aquecimento global”, explica Aquino.
O professor do departamento de geociências da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Lindberg Nascimento Júnior, tem uma análise parecida sobre o caso. Segundo ele, a região sul é constantemente atingida, justamente porque uma parte da circulação atmosférica tende a se formar no Oceano Atlântico Sul, que é o ponto de encontro preferencial de grandes processos de baixas pressões. O que assusta os pesquisadores é o aquecimento que esta região tem sofrido nos últimos cinco anos.
“A base do aquecimento global é a queima do combustível fóssil, a principal forma de energia para gerar motores, e gerar indústria para construir energia”, explica o professor. “Enquanto não houver um desaceleramento, a situação tende a piorar.” A possibilidade é que eventos como o ciclone bomba possam acontecer mais vezes porque com o oceano mais quente, a pressão atmosférica fica mais dinâmica e pode prover mais evaporação.
Conforme explica Lindberg, é evidente que o capitalismo e o consumo desenfreado são altamente desiguais. Para ele, além de pensar na origem natural dos processos dos eventos climáticos, é preciso pensar como estes tendem a atingir desigualmente as populações. E nesse caso, não só os estudos do pesquisador, mas uma grande parte de pesquisadores ‒ que trabalham com o tema do risco de vulnerabilidade ‒ apontam que existe uma seletividade no impacto desses eventos climáticos.
Segundo ele, não é apenas a questão de que haverá outros ciclones bomba. “Isso vai acontecer porque dentro de um princípio de aquecimento global, de uma atmosfera mais instável e mais aquecida, eles tendem a acontecer. O mais perigoso é que não há um território, um espaço que ofereça segurança e proteção para essas populações.”
A partir das observações feitas na capital de Santa Catarina, Florianópolis, o professor percebeu que algumas famílias ainda não tiveram suas casas reconstruídas. A desigualdade social ainda é mais impactante do que o evento ocorrido. “Antes de levantarmos a bandeira verde, devemos resolver os nossos problemas de classe. A desigualdade reforça a concepção racista da relação dos povos com a natureza – dos negros, indígenas, quilombolas – povos que são muito mais próximos da natureza do que os centros urbanizados”, relata.
Repórter: Maria Fernanda Uller
Foto: Arquivo Wikimedia Commons
Conteúdo produzido para o Primeira Pauta Digital | Disciplina Jornal Laboratório I, 4ª fase/2020.