Criterioso processo e regras mantém a história da cidade viva em imóveis tombados

Por: Elisa Scherer

Ao caminhar pela Duque de Caxias é possível notar um contraste estético que compõe a história daquele trecho. Ao lado esquerdo observam-se casas padronizadas, que pertencem ao batalhão e abrigam oficiais do exército. No lado direito da estrada, nota-se uma mescla entre novas construções, que abrigam comércios, como uma clínica de saúde e um banco. Mais alguns passos à frente a atenção é fisgada por um prédio de 12 andares, o mais alto da rua. Entretanto, não é a altura que chama a atenção: o diferencial está no estilo da casa, dos anos 20, que foi incorporado ao residencial. 

A casa foi tombada no dia 20 de novembro de 2009 e comprada pela construtora Fontana posteriormente. Hoje, ela abriga a área comum, sala de jogos e salão de festas, do Edifício Tiratore. A revitalização seguiu os critérios exigidos para patrimônios tombados, como uso de tintas à base d’água e recuperação de materiais existentes. “A casa traz um ar histórico da cidade, mostrando como o patrimônio pode ser conservado de forma adequada”, afirma Érico Bez Fontana, vice-presidente da construtora.

A estrutura mantinha-se inteira, porém, Érico conta que a casa estava bem comprometida, desde assoalho danificado, janelas, além de apresentar problemas graves no telhado. O patrimônio de estilo teuto-brasileiro foi construído por Frederico Koehntopp em 1924 e pertenceu a descendentes da família por muitos anos.

Casa tombada incorporada ao residencial Tiratore. Foto: Elisa Scherer

Leis de tombamento

Qualquer pessoa física ou jurídica pode solicitar o tombamento de um imóvel, e não precisa ser o proprietário do local, pois o interesse é da sociedade, para preservação da história e identidade cultural. Em Joinville, são 171 imóveis tombados, mas apenas 61 foram iniciados pelo município. O órgão da Coordenação de patrimônio cultural,  dentro da Secretaria de Cultura e Turismo (Secult), é responsável por fazer o inventário dos imóveis culturais da cidade, assim como o tombo e as análises de aprovação das intervenções em bens que já estão tombados ou com o inventário em andamento. 

No Brasil, as diretrizes de tombamento funcionam em três esferas: nacional, estadual e municipal. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) atende as solicitações nacionais. Já a denúncia do bem de importância pública pode ser feita na  superintendência estadual correspondente à localidade do bem. A instrução acerca do tombo no âmbito nacional tem sua base no Decreto-Lei nº 25 de 30 de novembro de  1937, que estabelece a legislação dos quatro livros de tombos para classificar os registros:  o livro do tombo das Belas Artes; do tombo Histórico; das Artes Aplicadas e o do tombo arqueológico, etnográfico e paisagístico. Nesses livros são registrados os tombos de acordo com a sua natureza, sejam eles propriedades ou  peças de artes como pinturas e esculturas, por exemplo.  

Boa parte dessas propriedades que se tornam públicas são de responsabilidade privada, ou seja, estão em posse de pessoas físicas que herdaram ou compraram em determinado momento. A compra e a venda funcionam como em qualquer outro móvel ou imóvel, mas as reformas não são permitidas, apenas a revitalização. Qualquer mudança ou alteração deve ser comunicada e acompanhada pelos órgãos competentes. Roberta Meyer Miranda da Veiga, gerente de Patrimônio e Museus, na Secult, explica quais são os recursos que podem ser utilizados para ajudar no custo que um imóvel tombado exige. “Existem alguns mecanismos em leis culturais que eles podem recorrer, como a lei Rouanet, o edital Elisabete Anderle e o Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor – Sindec, que agora vai retornar com as modalidades de patrimônio”, informou. “Existe a possibilidade de apresentar os projetos de restauro para o mecenato, incentivo destinado à produção cultural, ou tentar o prêmio do edital de cultura”.

Os projetos de incentivo envolvem abono de imposto para patrocinadores ou doadores, no caso da lei Rouanet, da verba estadual para os projetos aprovados, do Edital Elisabete e  a opção da modalidade do Sindec (Secretaria Nacional do Consumidor Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor). Ao nível municipal existem outros mecanismos que os proprietários podem tentar, como isenção de IPTU e transferência do direito de construir.

Processo de Revitalização:

A classificação correta quanto a requalificação do patrimônio histórico é a revitalização, pois mudanças como em uma reforma não são permitidas. O objetivo do processo é manter ao máximo a originalidade dos imóveis.

 A arquiteta Roberta Cristina Silva, especialista em Conservação e Restauração do Patrimônio Histórico e Cultural e membra do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Cultural, Arqueológico, Artístico e Natural (Comphaan), explica quais são os procedimentos em um projeto. “Nesta área, costumamos dizer que cada caso é um caso, uma vez que todas as ações são individualizadas e estudadas a partir de todo o levantamento histórico, tipológico, estrutural, métrico, diagnósticos, prospecções e, principalmente, entendimento aprofundado do bem.” De acordo com a arquiteta, a partir dessas análises o profissional estrutura um projeto que reflete em um cuidado com manutenção do imóvel e com a utilidade atualizada do bem. 

Os donos de propriedades tombadas não precisam se preocupar em relação ao uso dessas casas, ou casarões. Os critérios para a manutenção e revitalização estão descritos nas Cartas Patrimoniais e em nenhum momento essas regras comprometem a utilização pessoal do senhorio. “Ao contrário do que se imagina, é possível fazer adaptações e atualizações do imóvel a partir de novas inserções de elementos contemporâneos e atuais, desde que se respeitem os critérios de reversibilidade e não descaracterize sua ambiência”, afirma a arquiteta.

O acompanhamento do profissional de restauro é fundamental neste processo, pois ele irá planejar a obra dentro das exigências e com os cuidados necessários. Um projeto completo e detalhado é a parte vital para que não haja falhas na execução. Roberta Cristina defende que cada vez mais os patrimônios antigos são valorizados por este caráter único. Ela afirma que dentro da arquitetura esse é um nicho que vem crescendo bastante, mas principalmente, carrega a importância de preservar a história do povo, dos antepassados e das pessoas que construíram o local.