OPINIÃO – Quem vai dar a notícia sobre o fim da pandemia?
Refletir sobre o jornalismo na pandemia de coronavírus é uma tarefa duplamente complexa. Ninguém sabe o que vai ser da profissão nos próximos tempos e ninguém faz ideia das marcas que o coronavírus vai deixar na humanidade. Estamos vendados e no escuro, com as mãos amarradas, e alguém acabou de nos rodopiar. Então, antes de dar o próximo passo, vamos tentar entender onde estamos.
Fazer jornalismo já é um caos em uma situação de normalidade. Todos nós andamos meio perdidos há algum tempo, sem saber o que vai ser da profissão.
O jornalismo local, meu campo de atuação, é ainda mais caótico. Um dos fatores é que as pessoas têm parâmetros nacionais, como o Jornal Nacional, o Intercept e a Folha de S.Paulo, além de uma ideia da atividade formada pelo cinema. Isso eleva a exigência sobre o local, que, na prática, tem redações microscópicas, recursos ínfimos e segurança mínima. As tarefas e as cobranças, por outro lado, são gigantes e inúmeras.
O cenário que já era apavorante foi bombardeado com a pandemia de coronavírus, que tornou todas as áreas da vida pior. Se algum coach quiser te convencer que há um lado bom, não acredite. Não há! Vejamos como ficou o cenário para jornalistas:
Se a disputa pela atenção do público já era brutal (serviços de streaming, Youtube, TV aberta e fechada, redes sociais, podcasts, videogame, transmissões esportivas, etc), a concorrência durante a pandemia foi elevada à enésima potência, já que todo mundo passou a fazer lives e reuniões de trabalho online. Tudo é mediado pela telinha e ninguém aguenta essa vida. Todo mundo está saturado. Assim, além da audiência pulverizada, o consumo de notícias fica em segundo plano.
Esse excesso de telas também atrapalha a produção jornalística. As apurações, que já eram feitas por internet e por telefone pela falta de recursos, ficaram ainda mais complicadas, já que não é possível sair de casa para apurar as histórias in loco. Uma parte dos jornalistas nem lembra como é essa coisa de se encontrar com a fonte, mas, de vez em quando, era bom. Acompanhar uma sessão na Câmara de Vereadores, entrevistar um artista, acompanhar um treino. Há detalhes que só se observa no local.
E, se não sair de casa é ruim, sair por obrigação é ainda pior. Qualquer pessoa que entende a gravidade da doença (e jornalistas entendem bem, porque a explicam para a sociedade) tem medo de se expor ao vírus. Isso bagunça as ideias, assim como noticiar morte e sofrimento todos os dias. Soma-se a solidão, a falta de abraços e a impossibilidade de uma cerveja no fim de semana. Não tem cabeça que fique legal.
Por fim, no resumo das dificuldades, há ameaça de desemprego e perda de renda. Assinantes e apoiadores perderam seus empregos. Empresas anunciantes quebraram ou vão quebrar. Jornais, revistas e outros veículos têm fechado as portas. Milhões de desamparados precisam de ajuda, aumentando o número de iniciativas solidárias prioritárias, de modo que não dá para contar muito com campanhas de financiamento coletivo nos próximos tempos.
O coronavírus transformou tudo e não nos deixou de fora. Do meu ponto de vista, de maneira trágica, sem muito espaço para otimismos vazios. Mas nosso trabalho é justamente esse, falar dos problemas, das transformações, explicar o que acontece a cada momento. É com essa informação que a sociedade se reconstrói, se recupera e encontra saídas.
A pandemia vai passar e nós daremos a notícia.
A criação da vacina, a volta das aulas presenciais, as novas contratações na economia, a queda de um genocida… Vamos voltar a narrar gols e fotografar a festa das torcidas. Vamos ver shows incríveis e entrevistar artistas sobre músicas, filmes, livros e peças. Vamos explicar para as pessoas a complexidade das descobertas científicas e reportar estudos sociais que transformarão o mundo. Talvez o Galvão chame um de nós, na final da Copa do Mundo, para saber como está o Olodum.
E, como exceção que confirma a regra, o maior momento do jornalismo será, em algum momento, aquilo que todo mundo quer que se publique: o fim da pandemia.
Foto de capa: Filip Mishevski_Unsplash
Imagem de apresentação do autor: Bruna Coelho
Conteúdo produzido para o Primeira Pauta Digital | Disciplina Jornal Laboratório II, 7ª fase/2020.