
Migração interna em Joinville gera tensão política e reação social
Após falas polêmicas de um vereador, cidade vive conflito entre discurso de controle migratório e valorização da contribuição de trabalhadores do Norte e Nordeste
Nos últimos dias, Joinville se tornou o centro de uma polêmica nacional ao protagonizar debates acalorados sobre migração interna. O estopim foi a fala do vereador Mateus Batista (União Brasil) que, durante sessão na Câmara Municipal, se referiu ao estado do Pará como “um lixo” e defendeu um projeto de controle migratório mais rígido em Santa Catarina, alegando que o estado “não pode virar um favelão”.
A proposta apresentada pelo parlamentar sugere que novos moradores em Joinville precisem comprovar residência em até 14 dias para permanecerem na cidade, o que gerou forte reação social e política. O caso chegou ao Ministério Público de Santa Catarina, por meio de uma denúncia protocolada pelo Partido dos Trabalhadores de Joinville. O próprio União Brasil aplicou punições internas, suspendendo seus direitos partidários e sua participação em decisões da bancada.
Diante da repercussão negativa, a Câmara Municipal aprovou, em contraponto, uma moção de reconhecimento à contribuição das comunidades nordestina e nortista no desenvolvimento econômico, social e cultural da cidade. A iniciativa partiu do vereador Lucas Souza (Republicanos), que destacou a importância da diversidade e da história migratória de Joinville.
O episódio repercutiu também fora do estado. Um vereador de Belém (PA) respondeu às declarações de Batista, classificando-as como “racistas, xenofóbicas e preconceituosas”.
Mas por trás da crise política estão as histórias reais de milhares de trabalhadores que ajudaram a construir Joinville.
A técnica de enfermagem Maria Oliveira, vinda de Pernambuco, vive há seis anos em Joinville e relata a dor de ouvir declarações como a do vereador. “A gente veio para trabalhar, para cuidar das pessoas, para fazer nossa vida. Ouvir que nosso estado é ‘lixo’ machuca. Isso não representa a cidade que eu conheci aqui”, afirma.
Já o operador de máquinas João Batista, natural de Paragominas (PA), está em Joinville desde 2017. Ele trabalha no setor industrial e diz que nunca enfrentou discriminação direta, mas teme os efeitos desses discursos. “Quando um político fala isso, ele está dando aval para quem pensa igual agir com preconceito. A gente não quer privilégio, só respeito”, diz.
Na visão do empresário do setor metalúrgico Ricardo Silva, as falas contra migrantes não representam o que se vê nas fábricas. “A maioria dos meus funcionários vem do Norte e Nordeste. São trabalhadores comprometidos, que ajudam a manter a indústria de pé. Fico preocupado com o impacto desse tipo de proposta no ambiente de trabalho”, relata.
A Constituição Federal assegura o direito de ir e vir em todo o território nacional, além de proibir qualquer tipo de distinção entre brasileiros com base em origem regional. Juristas apontam que o projeto apresentado pelo vereador é inconstitucional e alimenta um discurso discriminatório.
Joinville vive um momento de contraste: de um lado, discursos que reforçam divisões e preconceitos; de outro, ações que reconhecem a pluralidade como parte essencial da identidade da cidade. Em meio a esse cenário, trabalhadores seguem suas rotinas, enfrentando preconceitos velados e lutando por dignidade em uma terra que, para muitos, representa a chance de um novo começo.