Câmara de Joinville aprova restrição e reacende debate ao proibir crianças em eventos como a parada LGBTQIA+
Projeto segue para análise do prefeito Adriano Silva enquanto movimentos sociais pressionam por veto e citam decisões judiciais que já consideraram medidas semelhantes inconstitucionais
A aprovação gerou reação imediata de coletivos e lideranças LGBTQIA+. Kika Salomão, integrante da organização da Semana e Parada da Diversidade de Joinville, afirma que o processo ocorreu sem diálogo.
“Recebemos a notícia com surpresa e indignação. Não fomos consultados, o que reforça a tentativa de silenciamento das nossas pautas”, diz. Segundo Kika, a medida envia um recado negativo às famílias LGBTQIA+. “Diz que nossas identidades não pertencem ao espaço público, que devem se esconder. Para jovens já vulneráveis, isso é cruel”, afirma.
Segundo ela, a Parada do Orgulho tem caráter cultural e político, e o projeto ignora que esses eventos são manifestações democráticas garantidas pela Constituição. Ela aponta que restringir a presença de famílias fere o direito de convivência e contraria a legislação municipal que reconhece famílias LGBTQIA+. Kika também afirma que o movimento está preparado para contestar a lei e que, caso haja tentativa de implementação, deve acionar o Ministério Público, lembrando que uma medida semelhante em Chapecó já foi considerada inconstitucional.
A discussão também mobiliza jovens da comunidade. Karolina Galvão dos Santos, 26 anos, pansexual, afirma que a lei reforça estigmas e amplia a repressão.
“Esperamos muito para ter uma parada na cidade e agora que tivemos, inicia-se a discussão absurda de uma lei que sequer é constitucional. Esse tipo de lei reforça repressão, falta de visibilidade e viola os direitos da comunidade”, avalia.
“Tentar esconder as pessoas LGBT+ como se fosse um crime elas existirem ou como se nossas crianças não pudessem conviver conosco é apagamento. É sufocar ainda mais a comunidade que só pede um pouco de espaço”, completa.
Karolina rebate o argumento de “sexualização precoce”, afirmando que esse tipo de discurso representa uma forma velada de homofobia, baseada na falsa ideia de que pessoas LGBT+ estariam sexualizando crianças, algo que ela considera absurdo e covarde. Ela também defende que a comunidade tenha uma reação firme, enfatizando que aceitar a lei significaria permitir repressão e violência, algo que, segundo ela, não pode ser tolerado.
Especialistas contestam associação entre diversidade e sexualização
A pesquisadora e educadora Larissa Stephanie Pereira afirma que a associação entre diversidade e erotização é incorreta. “Diversidade não tem nada a ver com erotização. Ensinar que famílias podem ter duas mães ou dois pais é ensinar cidadania”, explica.
Larissa alerta para os impactos que a medida pode ter na formação das crianças, apontando que a censura à diversidade contribui para a ideia de que pessoas LGBTQIA+ seriam imorais, o que reforça violências que começam ainda no ambiente escolar. Ela também relata sua experiência na Parada de Joinville, lembrando que o evento contava com feirinha, música e brincadeiras em um ambiente familiar. Segundo ela, festas onde o consumo de álcool é liberado recebem crianças sem qualquer restrição, o que evidencia a incoerência do projeto.
A psicóloga Camila Paola Baier reforça que não há fundamentos científicos para a tese defendida pelo projeto. “Não existe qualquer evidência científica de que conviver com pessoas LGBTQIA+ cause sexualização precoce. Se isso fosse verdade, conviver com heterossexuais também causaria”, afirmou ela.
Para Camila, a verdadeira ameaça está na invisibilidade. Ela afirma que, quando a diversidade é tratada como algo impróprio, o sofrimento psicológico se intensifica e crianças LGBTQIA+ podem se sentir invalidadas em ambientes que negam sua existência.
A historiadora Valdete Daufemback, professora e integrante do Centro de Direitos Humanos de Joinville, avalia que a medida se insere em uma tendência conservadora em crescimento. Ela afirma que a cultura é dinâmica e que cada geração impulsiona mudanças, enquanto reações conservadoras surgem como contratendências. Valdete também aponta que discursos moralistas têm ganhado força em Santa Catarina e que grupos conservadores utilizam a infância como pretexto para ocultar interesses políticos.
Para a historiadora, impedir crianças de participarem de eventos LGBTQIA+ não oferece proteção real.
“Se a preocupação fosse com a infância, haveria investimento em educação, saúde e moradia. Restringir direitos reforça contradições e hipocrisias”, explica.
Movimentos sociais, especialistas e entidades defendem o veto ao projeto e classificam a medida como censura. Parte de grupos conservadores considera a proposta uma forma de proteção à infância. Entre disputas morais, análises jurídicas e tensão política, o debate segue aberto em Joinville. Para Kika Salomão, a mobilização continua. “A Parada vai acontecer. Seguimos firmes na defesa dos nossos direitos”, afirma.
Como são eventos LGBTQIA+?
Segundo a ILGA World, eventos LGBTQIA+ ao redor do mundo têm caráter cultural, político e educativo, reunindo famílias, coletivos e organizações sociais. A ILGA destaca que Paradas do Orgulho são espaços abertos e público, com feiras, música, oficinas e ações sociais, onde a presença de crianças acompanhadas é prática habitual em diversos países.
Organizações como a American Psychological Association (APA) afirmam que a convivência com pessoas LGBTQIA+ não causa sexualização precoce nem qualquer risco adicional ao desenvolvimento infantil. Para a ILGA, essas manifestações fortalecem direitos humanos, visibilidade e convivência democrática, além de promoverem ambientes seguros de acolhimento para jovens e famílias diversas.
Sofreu discriminação por ser LGBTQIA+?
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