Corte no orçamento limita produção cultural
Neste ano de 2019 foram implantadas novas definições na Lei que geram pontos positivos e negativos
A Lei Rouanet é uma lei de incentivo fiscal. Nela, o governo abre mão de uma parcela do imposto recebido e o dinheiro desta parcela é utilizado em um projeto cultural autorizado. Esta lei tornou-se um assunto em pauta no país principalmente a partir das eleições de 2018. O motivo? Ela estava nas promessas do atual presidente da República, Jair Bolsonaro. O presidente, na época ainda candidato, afirmava que haveria modificações na lei. Recentemente, mudanças foram anunciadas pelo Ministério da Cidadania: a captação de recursos anteriormente beirava os R$ 60 milhões, neste ano terá o valor máximo R$ 1 milhão por cada projeto. As alterações não foram apenas nos números: seu nome também foi mudado para “Lei Federal de Incentivo à Cultura”.
A escola de Música Arte Maior de Joinville já teve um projeto aprovado e executado com recursos provenientes da Lei Rouanet. Fábio Martins, diretor da instituição, explica que na primeira vez que captaram um valor, eles buscaram ajuda de um profissional com experiência no assunto, para fazer o planejamento, escrevê-lo e dar assistência durante o processo.
De acordo com Fábio, o maior desafio é observar todos os requisitos legais no momento da execução e na prestação de contas. Ele explica que o executor é responsável pelos recursos financeiros. O diretor da escola relata que é difícil encontrar instruções claras ou explicações de como executar alguns procedimentos.
Fábio destaca a necessidade da lei para a execução de determinados espetáculos musicais e sua importância como forma de difundir a arte e gerar renda para os artistas. Para o diretor, o meio artístico não é muito valorizado no Brasil e iniciativas como a Lei Rouanet incentivam o desenvolvimento de artistas.
“A incrível viagem de Noel pelo Brasil” foi o nome do projeto da escola de música Arte Maior, executado em novembro de 2018, na categoria de música.
Em 2014, uma pesquisa no relatório do Panorama Setorial da Cultura Brasileira divulgou que 42% da população não consumia cultura no país. Em Joinville, apenas 30% das pessoas entrevistadas através de um formulário acreditam que as opções de cultura na região sejam boas. A mesma quantidade afirma que o maior motivo para não consumir cultura seria a falta de hábito. O segundo maior motivo seria a falta de recursos financeiros, o terceiro seria falta de interesse e, por último, falta de incentivo.
Para Enio Spaniol, sociólogo, existem duas formas de enxergar a Lei Rouanet: uma delas é ver pelo lado positivo, sendo uma ajuda para a produção artística, por meio da qual empresas ou pessoas são incentivadas, e normalmente são grupos que não têm a visibilidade que a mídia oferece. A outra forma de enxergar é negativa, que são os problemas da Lei, em que os recursos são direcionados para pessoas ou grupos que estão ligados com a formação política vigente. O dinheiro público, neste caso, seria usado para aqueles que defendem um viés e a ideologia do partido que está no poder. Enio ressalta que usar a Lei Rouanet para fins eleitorais significa usá-la em benefício privado, indo contra as características centrais do que é a política, e isso precisa ser corrigido.
De acordo com o sociólogo, recentemente a imprensa divulgou matérias sobre grupos que foram denunciados, de artistas já consagrados, que receberam valores da Lei. “Isso é um equívoco, a lei não deve ser utilizada para esses fins”, comenta.
Marisa Toledo, beneficiada pela Lei Rouanet, conta que o processo para conseguir a aprovação de um programa cultural é trabalhoso e muito exigente. É necessário cadastrar um proponente (indivíduo que esteja propondo receber o benefício) o qual deve ser uma pessoa física ou jurídica, sem pendências com o governo, e alinhado à ideia do projeto. Nem toda proposta é enquadrada na lei. Por exemplo, não é permitido financiar bandas musicais se o evento no qual pretendem se apresentar for particular.
Na hora de descrever o projeto nos campos-padrão do formulário do Ministério da Cultura, existem algumas questões que precisam ser preenchidas obrigatoriamente. Depois disso, ocorre uma série de avaliações. A primeira análise é documental. Se nela o projeto for barrado, ele volta para o beneficiado com uma diligência, e uma orientação para que ele corrija e inscreva o projeto novamente. O beneficiado tem 20 dias para poder reenviá-lo, se não, o seu trabalho é perdido.
Depois da parte documental corrigida, eles começam a fazer adequações.
Marisa tem uma agência cultural que administra as “roanets”, forma como ela se refere aos projetos dos beneficiados. A ideia surgiu de uma brincadeira: ela foi uma das pioneiras a participar do projeto em sua cidade. Ela começou a escrever planejamentos para si mesma, para o seu grupo, e para o seu marido, que é músico. Esse processo tornou-se mais simples, considerando sua facilidade de compreender juridicamente o que a lei exige. Vários amigos começaram a pedir que elas os ajudassem na inscrição. Com o passar do tempo, cada vez mais essas atividades consumiam a sua rotina, até que ela começou a cobrar pelo trabalho.
“A prestação de contas sempre é muito exigente, você tem que comprovar que usou corretamente o dinheiro que foi recebido, apresentar notas fiscais, comprovantes de transferência ou de débito do cartão”, conta.
Após sete anos trabalhando neste segmento, em 2015 Marisa abriu uma agência e tornou-se MEI (Microempreendedor Individual). Hoje, a maioria das pessoas procuram a agência para a elaboração do projeto, execução e a prestação de contas.
Lei Rouanet sob o olhar da economia
A economista Anemarie Dalchau analisa a Lei Rouanet, economicamente, sob dois aspectos: a renúncia do governo e os benefícios econômicos dos projetos. Ela ressalta que a renúncia fiscal do governo é um problema por significar menos recursos em caixa. Entretanto, olhando para o lado do beneficiário, não se pode desconsiderar os benefícios para a economia em geral. Segundo Ane, são gerados empregos diretos e indiretos, aumento de renda, consumo de bens e serviços, arrecadação de impostos e novos investimentos.
Segundo dados do Ministério da Cultura, a economia criativa representa quase 3% do PIB e gera mais de um milhão de empregos diretos. Além de vários setores se beneficiarem com o incremento na área cultural, como a área do transporte, restaurantes, hotéis, aluguéis, segurança e outras áreas.
A economista analisa: “ é preciso analisar o processo e comparar o custo benefício da renúncia do governo com o custo de oportunidade de incremento da economia.”
A Lei Rouanet teve um impacto de R$49,8 bilhões na economia brasileira desde 1993. “A cada R$ 1,00 investido em projetos culturais R$ 1,59 voltam à economia por meio da movimentação financeira que geram”, segundo o estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que analisou o impacto econômico da lei.
Os bilhões que foram movimentados condizem, de acordo com a pesquisa, à soma do valor arrecadado a partir de projetos financiados pela lei (impacto direto) no valor de R$ 31,2 bilhões do patrocínio total captado no período, e dos empregos gerados, transporte, restaurantes, hotéis, aluguéis, e segurança (impactos indiretos) no valor de R$ 18,5 bilhões. Para alcançar esses dados foram analisadas as seis áreas culturais contempladas pela Rouanet separadamente. As que geram maior impacto econômico são as de Patrimônio Cultural (museus e memória), com R$ 12 bilhões, Artes Cênicas (R$ 11,9 bilhões) e Música (R$ 10,4 bilhões). As três restantes, artes visuais, audiovisual e humanidades, chegaram a cerca de R$ 5 bilhões cada.
A economista analisa as mudanças na lei, justificando que são ajustes que o governo precisa fazer para melhorar o crescimento da economia. Porém, no seu ponto de vista, quando o governo limita valores, ele também limita o acesso aos grandes projetos, o que pode limitar o crescimento da economia criativa. Ela conclui dizendo que é preciso observar os projetos que serão aprovados e avaliar os aspectos positivos e negativos das novas regras.
Realizamos uma enquete com os moradores de Joinville para descobrir a opinião deles sobre a cultura na região e o que pode ser feito para melhorar. Confira no vídeo abaixo:
Reportagem: Milena Costa
Conteúdo original do Primeira Pauta Impresso, edição 145|Disciplina Jornal Laboratório, 7ª fase/2019