Intervenção militar é a solução?
O fervoroso pedido para que as forças armadas assumam o governo federal deixou visível a falta de conhecimento dos brasileiros acerca da Constituição de 1988. A frase “Intervenção militar já!” circulou pelo país durante a greve dos caminhoneiros e trouxe diferentes visões sobre o período ditatorial que aconteceu entre 1964 e 1985.
O primeiro protesto em Joinville ocorreu no dia 27 de maio. Os manifestantes se concentraram na Praça da Bandeira e, em seguida, dirigiram- -se para a rua em frente ao 62º Batalhão de Infantaria. Lá, os participantes que são a favor de um regime militar pediam para que o exército assuma o governo e traga ordem e progresso para o país.
A semana seguinte contou com mais manifestações, como a do dia 30 de maio, por exemplo. Durante a tarde, pessoas circulavam na Praça da Bandeira, todas devidamente trajadas com camisetas da Seleção Brasileira ou com cores que remetessem à bandeira nacional. Ao anoitecer, mais manifestantes juntaram-se ao grupo. Em torno de 50 estavam ali em apoio aos caminhoneiros.
Emerson Antunes era um desses manifestantes. Para ele, não basta derrubar um único político, é preciso derrubar o sistema. “E para isso, intervenção militar já”, defende. Antunes conta que acompanhou o Diretas Já! – movimento civil de reivindicação por eleições presidenciais diretas -, Tancredo Neves e os “caras pintadas”. “Nós fomos caras pintadas para sermos saqueados. O que aconteceu nesses últimos 20 anos foi a morte da democracia”, alega.
Para o advogado Rodrigo Limas, que também estava no protesto, a população não pode sair das ruas. Limas ainda relata a tentativa dos partidos políticos em tirar proveito das manifestações. “O tempo todo tem gente querendo se infiltrar”, afirma.
A estudante Vitória Cristina e sua tia Raquel de Sá também participaram de todas as manifestações. Vitória, 16, tem sua opinião bem marcada. A estudante é a favor da intervenção militar e acredita que o regime resultaria em melhorias ao país. “Queremos um Brasil melhor, com uma gasolina e um transporte mais barato, um país justo”, diz.
Alguns acreditam que não houve a Ditadura Militar e há quem apoie uma intervenção militar constitucional. Assim, após pouco tempo de governo, os militares “devolveriam” o poder nas mãos da população para haver uma eleição direta. Em 1964 foi exatamente isso o que aconteceu. Quando Castelo Branco tornou-se presidente, a promessa era a de que, em um ano, haveria a volta da democracia com uma eleição. O que era para ser um rápido governo para reerguer o país, durou 21 anos. Desde então, a democracia sofre para se recuperar.
Grupo joinvilense pró-Bolsonaro se manifesta
Assim como membros da igreja, grupos políticos também se posicionaram sobre a greve dos caminhoneiros e as manifestações populares de rua. Um deles foi o Bolsonaro Joinville, formado no início de 2018 e que contém mais de 8.700 curtidas na página do Facebook e grupos de informação via WhatsApp, ficando atrás somente do Movimento Brasil Livre – Joinville.
Segundo o fisioterapeuta Sipiani Allievi, uma das pessoas que está à frente do grupo, o apoio aos caminhoneiros aconteceu porque eles avaliaram que essa era uma greve legítima. “Alguns de nós fomos até onde estavam os caminhoneiros, conversamos com eles e até levamos mantimentos”, explica. Além disso, ele também afirma que muitas pessoas das redes sociais pró-Bolsonaro ou são caminhoneiros ou são familiares dos manifestantes.
Eles também estiveram presentes na organização do ato principal nas ruas de Joinville, no dia 27 de maio, domingo. “Quando nos perguntavam se tínhamos algum partido, falamos que fazemos parte do Bolsonaro Joinville, mas naquele momento nós éramos apenas a favor do povo”, explica. “Nós apoiamos, divulgamos, mas quando começarmos a perceber que grupos políticos começaram a se infiltrar e se beneficiar, decidimos recuar”, finaliza. O revés da equipe se deu quando eles começaram a não divulgar e nem participar das manifestações de rua.
A intervenção militar também se tornou pauta do Bolsonaro Joinville, já que em muitos atos foi pedido a volta dos militares. De acordo com o professor Mário Pereira, a equipe que apoia o candidato no Sul sabe que é quase impossível acontecer. “Um dos motivos é que os militares são mandados pelos poderes e não querem se incomodar como em 1964”, afirma ele, e acrescenta que sabe que, mesmo sem essa possibilidade, falar em intervenção é algo que dá medo ao Congresso.
A posição deles é clara, gostariam dos militares no poder se fosse até o final deste ano, quando um novo presidente para o país será escolhido. “Só se fosse para solucionar o caos, mas assumir para sempre não dá”, afirma o fisioterapeuta.
Limpar o congresso, tirar todos e fazer com que só entrem candidatos “ficha limpa” na próxima eleição é a ideia defendida pela equipe, que acredita ser essa a solução que a maioria da população procura nas situações políticas atuais.
“O brasileiro é patriarcal”, afirma cientista social
Quando uma criança nasce ela é incentivada a projetar no pai um papel de herói. É esse pai, ou herói, que vai proteger ela de todo perigo e mal. Quando ela cresce e o pai envelhece isso muda, e o salvador acaba se tornando o governante que ela escolheu, através do voto. A economia não está indo bem? Troca o presidente. A educação precisa de mais atenção? Troca o governante. Nenhum dos políticos têm o perfil que queremos? Pede intervenção!
O cientista social Belini Meurer acredita que o problema do Brasil não é a política, mas sim os setores social, intelectual, é saber o que de fato se quer para o país. “Rodamos e sempre caímos na educação, afinal, quantos de nós aprendemos sobre o Estado brasileiro? Quantos de nós entendemos de política partidária e economia? Quem conhece a Constituição, as leis trabalhistas e o código de defesa do consumidor?”, questiona.
De acordo com a reflexão feita pelo cientista social, manifestações como estas que vemos nas ruas junto à greve dos caminhoneiros, mostram a cara do brasileiro. “Esse problema e essa falha não são de hoje, nós costumamos colocar a culpa das nossas fragilidades nos outros”, explica. “Falamos dos corruptos do Congresso como se eles não tivessem vindo da mesma sociedade que nós, mas e aí, o que estamos fazendo para mudar essa situação? Onde estamos errando? Como podemos mudar essa situação? Será que as urnas vão responder isso em outubro?.”
Igreja apoia caminhoneiros
O engajamento da sociedade foi tanto que nem mesmo os caminhoneiros mais otimistas esperavam tanto apoio como receberam desde o dia em que começaram a greve. Lideranças religiosas e pessoas de diferentes comunidades levaram sua solidariedade aos profissionais que estavam realizando o protesto. Em São Bento do Sul, por exemplo, os padres das paróquias Nossa Senhora Aparecida e São José se uniram para celebrar uma missa para mais de 3 mil pessoas, em especial, caminhoneiros, no trevo do lençol, no dia 26 de maio.
Já em Joinville, Dom Ezequiel, bispo da igreja Anglicana da cidade, não estava apenas apoiando os caminhoneiros, mas também os manifestantes que foram para a rua. “Nós estamos aqui por um bem comum e como igreja não podemos silenciar, temos que aderir e ficar junto do povo.” Mesmo o Brasil sendo um estado laico, ele acredita que a igreja tem que se impor em momentos como estes. Segundo ele, isso só funciona na constituição, pois em época de eleição o corrupto oferece dinheiro para que a igreja fique de mão dada com ele.
O bispo também destaca que estar do lado da população não é defender tudo que ela quer, como a intervenção militar. “As pessoas desconhecem a história do Brasil no que diz respeito à ditadura”, acrescenta. Dom Ezequiel também afirma que os manifestantes que pedem pela volta dos militares acreditam que isso fará a corrupção do país acabar, assim como a criminalização. “Na época também tinha isso, só não era falado como hoje, porque era uma ditadura”.
Reportagem: Letícia Demori e Mariana Costa
Foto: Mariana Costa
Conteúdo original do Primeira Pauta Impresso, Edição 139