Sociólogo avalia cenário político após paralisação dos caminhoneiros
A greve dos caminhoneiros estremeceu várias áreas da política. Grande parte dos pedidos dos manifestantes eram por mudanças que iam desde o impeachment do presidente interino Michel Temer, até uma intervenção das forças armadas.
Quem saiu na rua na última semana pôde observar que havia bandeiras de diferentes lutas. Na Praça da Bandeira, em Joinville, Lauro Limas, 77, pedia por uma intervenção militar. Para o aposentado a intervenção é a saída para o país. “Os militares deveriam tomar o poder, limpar tudo, deveriam ficar até ter novas eleições”, afirma.
A intervenção militar que foi pedida por cerca de 20 pessoas que estavam no centro de Joinville na quinta-feira, dia 31 de maio, é algo que está fora da lei. Na atual Constituição, o acionamento do poder militar existe, mas deve-se manter a ordem democrática do país. É o que explica o doutor em filosofia e advogado, Leandro Hoffstätter: ”a CRFB/1988 é uma constituição cidadã e tem como pressuposto o Estado Democrático de Direito, onde os militares exercem sua função dentro dos poderes estabelecidos democraticamente e não sob intervenção anômala”.
Os pedidos de intervenção têm dois pontos distintos. É o que acredita o doutor em sociologia Dauto Silveira. Para ele, os pedidos de intervenção são divididos em, pelo menos, dois pontos.
O primeiro é formado por um elemento de nosso tempo, que seria a irrupção da burrice, da brutalidade, da degradação moral. Para Dauto, isso produz pessoas que acreditam em forças repressivas e antidemocráticas enquanto forma de superar os dramas existenciais.
O segundo é formado por pessoas que não acreditam mais nas formas de governança liberal-democrata. Segundo ele, o clamor por uma intervenção é ligado diretamente a como as coisas estão acontecendo atualmente, desde a corrupção até a impunidade política.
O problema desse grupo, de acordo com Dauto, vem desde o governo petista. “Houve falta de diálogo do governo anterior com as classes mais baixas. A dificuldade de viver de forma assalariada e a falta de senso crítico político fez com que houvesse o clamor por intervenção”, sustenta.
Por fim, ele afirma que é necessário frisar que parte da elite também foi conivente com o discurso. “Houve setores empresariais, latifundiários, de classe média que engrossaram o couro da intervenção porquanto era mais interessante aos seus negócios”, afirmou.
Outra bandeira levantada pelos manifestantes Brasil afora era a do impeachment de Michel Temer. Leandro afirmou que o processo de impedimento existe na Constituição e poderia ser discutido no Palácio do Planalto, mas levaria certo tempo para ser aprovado. Nesse caso quem assumiria o governo provisoriamente seria o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Porém Leandro questiona a necessidade de um processo de impedimento hoje. Para ele, retirar o presidente agora poderia ser um “tiro no pé”, já que os atuais mandatários poderiam usar o discurso de perseguição.
Leandro ainda afirma que as decisões do último impeachment poderiam se repetir, deixando resoluções jurídicas de lado. “Retirar o presidente não seria salutar, assim como não o foi o processo de impedimento da presidente então eleita, Dilma Rousseff, que ficou caracterizado como golpe, já que os argumentos jurídicos foram colocados de lado e o que pesou foi o julgamento político do Congresso Nacional”, pontua.
As queixas do governo atual têm vários motivos, como os preços dos combustíveis ou o cenário de corrupção na política do país. Para Dauto, um dos principais pontos é a atual política de preços da Petrobras, que está privilegiando uma classe social. “Essa nova matriz de preços atende exclusivamente aos interesses de meia dúzia de acionistas de bancos, fundos de pensão e investimentos, e lança no vale de lágrimas grande parte da população que vive dos derivados do petróleo”, afirma.
Ainda para o sociólogo, a atual democracia liberal existente no Brasil já não conversa de forma justa com todas as alas da nossa sociedade. “Penso que ela não representa mais a maioria da população. Ela se apresenta incapaz de se conectar com os grandes problemas do povo”, reitera.
Para alguns cidadãos ainda existe o medo de uma ruptura democrática, o que poderia acabar com as eleições que acontecem em outubro deste ano. Para Silveira, na política liberal democrática sempre há o receio de uma ruptura democrática, principalmente quando as elites se veem ameaçadas de alguma forma. Mas levando em consideração a importância das eleições na política brasileira, ele acha difícil que isso aconteça. “Ocorre, que no Brasil as eleições têm um peso expressivo, são quase que o farol da nossa política. Serve como elemento de harmonia e legitimidade política. Dessa forma, a não realização teria um efeito negativo para os reitores da economia e do governo”, avalia.
Para o sociólogo, outro ponto a frisar é que não há ameaças políticas às grandes elites. Por esse motivo, eles não têm anseio algum em atrapalhar o processo eleitoral. “Os candidatos mais fortes eleitoralmente estão em sintonia com o novo projeto de acumulação capitalista em curso no país e no mundo. Não vejo ninguém propondo romper as regras do jogo”, comenta.
Ele ainda acredita que as grandes elites não escolhem quem vão apoiar. “É verdade que os grandes bancos, latifundiários, grandes comerciantes, multinacionais ainda não definiram o seu candidato, mas não é menos verdade que a maioria deles não oferecem risco aos interesses desse grupos”, alega.
Com o final da greve ainda se discutiu se algum discurso político se sobressaiu nas manifestações. Para Silveira, alguns candidatos até tentaram se apropriar da greve, mas incoerências políticas e falta de engajamento fizeram esses protestos serem praticamente apartidários. Na opinião dele essa paralisação foi importante do ponto de vista político-social, já que o ponto alto foi a divulgação da nova política de preços da Petrobras feita por intelectuais, movimentos sociais e pelos próprios sindicatos dos petroleiros durante a paralisação.
Reportagem: Diego Mahs
Foto: Alan Santos/PR
Conteúdo original do Primeira Pauta Impresso, Edição 139