Governo propõe mudanças no programa Bolsa Atleta
Especialistas abordam os benefícios do governo federal investir no esporte de base para o desenvolvimento de novos atletas, para as próximas competições
O Bolsa Atleta é um programa do governo federal que incentiva a prática esportiva no país. Através do benefício, os atletas recebem valores mensais para ajudar nos custos do esporte. Em Joinville, a iniciativa atende jovens que praticam modalidades como atletismo, karatê, salto com vara, entre outras. A maior cidade do estado tem uma base forte no esporte e uma prova disso é a quantidade de premiações que os esportistas joinvilenses trazem para a cidade. Muitos esportistas daqui são campeões brasileiros e estaduais.
Segundo a ex-nadadora olímpica Joanna Maranhão, o programa surgiu como uma forma do governo brasileiro auxiliar na promoção do esporte do país, visto que, no Brasil a forma de treino do esporte de alto rendimento é clubístico e não seria eficaz a construção de muitos centros de treinamentos estatais.
Joanna conta que existem diversos estudos comprovando que o programa Bolsa atleta é eficaz para o desenvolvimento de novos atletas. A nadadora reconhece que o Brasil está em crise, mas condena qualquer tipo de corte na iniciativa. “Na minha opinião o programa deve ser revisado, mantendo essas bolsas da base, e revisar as bolsas mais altas dos atletas pódio. Se antes o benefício atendia aos 20 melhores atletas, apenas aqueles que ficassem no top 10 receberiam”, explica. Outra solução para não prejudicar as bolsas da base, que são de R$ 370 era limitar que os atletas pódio e os olímpicos só recebam um tipo de recurso, e não acumulem bolsa atleta, bolsa militar e bolsa estadual. Segundo a nadadora, essa medida faria com que mais atletas de base pudessem ser contemplados no programa.
Para o secretário de esporte de Joinville, Estevan Cattoni, esse incentivo do governo federal é primordial para o desenvolvimento da base do esporte olímpico brasileiro. “O Bolsa Atleta é fundamental para o atleta tanto no momento da iniciação esportiva, quanto no esporte de alto rendimento”, conta. O esporte exige muitos custos, como por exemplo, o material esportivo, deslocamento, alimentação, inscrição para as competições, hospedagem, passagens áreas, além de outros gastos do dia a dia do treinamento. “Esse recurso é muito importante para o Brasil formar atletas olímpicos para representar o país mundo afora”, explica.
O presidente da Associação Corville de Atletismo e treinador de atletismo, Flávio Sérgio Pscheidt, afirma que o auxílio é essencial para quem frequenta o clube Corville de atletismo. “É de suma importância essa colaboração para os atletas que estão começando, haja visto que, a maioria deles dependem dos pais para transporte, material esportivo, não só no atletismo, mas em todas as modalidades”, explica. “Esse incentivo faz com que cada um vá em busca dos melhores resultados nos campeonatos a serem disputados”, conclui.
Em 2018, o ex presidente Michel Temer (MDB) fez um corte de 60% no programa o que reduziu a iniciativa de R$ 79,3 milhões para R$ 53,6 milhões, diminuindo o benefício da base e do estudantil, categorias fundamentais para a formação do esporte olímpico brasileiro. O técnico da seleção catarinense de Karatê, Sidnei Maciel, afirma que essa retirada promovida pelo ex presidente Michel Temer prejudicou bastante. “Foi um balde de água fria, muitos atletas pensaram em desistir depois dessa ação”, conta. Estevan também avaliou essa mudança no programa como algo negativo. “Essa redução de investimento na base seria extremamente prejudicial para o desporto brasileiro, pois ele impactaria e impediria a formação de atletas olímpicos”, explica.
Sidnei Maciel conta que quando o corte de Michel Temer foi anunciado houve um choque muito grande, visto que a equipe de Karatê dele é uma equipe de alto rendimento que representa Joinville, o estado de Santa Catarina e o Brasil, tanto em competições nacionais, quanto internacionais. “Muitos atletas da nossa equipe recebem o Bolsa Atleta Federal, por isso estão com a gente viajando para as competições, já sem essa ajuda não tem condições”, explica.
Na vivência diária como treinador de atletismo e presidente do clube Corville, Flávio Pscheidt analisa sobre como o corte realizado no último dia do governo Michel Temer influência na formação de novos atletas brasileiros. “Esse corte é algo descabido, a base é justamente o que vai levar o atleta para o alto rendimento, então se você corta a raiz você nunca vai ter frutos”, sinaliza.
Durante a marca de 100 dias de governo, o presidente Jair Bolsonaro assinou um ato que devolveu o benefício aos esportistas que haviam sido cortados do programa pelo ex-presidente Michel Temer. Com a medida, 3.142 esportistas terão o recurso novamente, totalizando 6.200 integrantes. Através da revisão do orçamento pelo presidente, passam a integrar a iniciativa 2.491 atletas da categoria nacional, 381 da estudantil e 257 da base, além de oito bolsas olímpicas e paralímpicas e cinco bolsas internacionais. O governo informou que com as medidas o orçamento do Bolsa Atleta vai aumentar para R$ 70 milhões, com um acréscimo de 10% no valor das bolsas.
O projeto também passou por mudanças. A bolsa pódio, que hoje oferece o benefício aos atletas que integram o top 20 do mundo, passa a oferecer a bolsa apenas para o top 10. Outra mudança é a junção das categorias de base e estudantil, que passam a receber R$ 740. De acordo com o governo, a mudança serve para fortalecer o esporte brasileiro nos jogos de Tóquio 2020. Já a junção das categorias é para nivelar a categoria infantil com a juvenil para investir nas categorias de base que são o futuro do esporte olímpico brasileiro. Para que as novas medidas entrem em vigor elas precisam da aprovação do Congresso.
Uma das atitudes sugeridas pela ex-nadadora Joanna Maranhão já foi realizada. A partir de agora só os atletas top 10 do mundo vão receber o Bolsa Pódio e não os top 20 como antes. Já a sugestão de limitar para que os atletas Pódio recebam apenas um tipo de bolsa, não foi colocada nessas mudanças. Resta saber se as novas mudanças vão trazer os resultados desejados pelo governo.
Segundo Pscheidt, foi importante que o atual governo tenha voltado atrás nesses pontos, afinal a categoria de base é fundamental para ter um bom resultado a médio e longo prazo. Sidnei conta que na sua equipe de Karatê os atletas que não têm esse benefício fazem pedágio e eventos para arrecadar o orçamento necessário para a prática da modalidade.
Neste ano o ministro da cidadania, Osmar Terra, responsável pela pasta do esporte no governo Bolsonaro, afirmou que a caixa vai cortar o patrocínio a times de futebol como Flamengo e Corinthians para fazer uma recomposição no programa, totalizando um investimento de R$ 100 milhões.
De acordo com o Secretário de esporte de Joinville, Estevan Cattoni, essa medida é importante para consertar o corte do governo Michel Temer. “Os times de futebol têm mais facilidade de captar recursos da iniciativa privada, já o esporte amador não. Essa transferência de recursos a médio e longo prazo traz benefícios para o esporte amador e, consequentemente pode trazer futuramente bons resultados no esporte olímpico”, conclui.
Assim como Estevan, Flávio Pscheidt aprova o corte da Caixa no patrocínio de times de futebol. “Os clubes de futebol devem correr atrás de suas próprias receitas e o dinheiro federal deve ser investido no esporte amador, visto que o futebol é um caso a parte de esporte no Brasil”, disse. Para o presidente do clube Corville de atletismo, investir no esporte amador é investir na base da sociedade, porque a maioria dos atletas brasileiros praticam outras modalidades, e quem pratica o futebol geralmente paga escolinha. “Aqui no nosso clube todos os atletas têm acesso a excelentes profissionais de graça”, finaliza.
Já a nadadora Joanna Maranhão fez críticas a essa atitude do governo. “A gente tem que parar com isso de tirar de um lado para colocar no outro, uma coisa não justifica a outra. Esse governo tem um olhar muito de privatização, que o esporte tem que se autossustentar, mas as empresas não entendem isso, acho que esse governo tem muita falácia e pouca ação”, crítica.
Recentemente, o governo anunciou a nomeação do ex jogador de vôlei de Praia, Emanuel Rego, para a Secretaria Nacional de Alto Rendimento da Secretaria Especial de Esporte do governo federal. O nome do multicampeão foi bem recebido por outros nomes do esporte como Hortência, Lars Grael e Thiago Pereira. Na função, Emanuel fica responsável por projetos importantes para o esporte brasileiro, entre eles o programa Bolsa Atleta. A ex nadadora Joanna Maranhão aprovou o nome de Emanuel para o cargo, mas não confia que o ex jogador de vôlei terá autonomia para desenvolver a função, pois segundo ela a Secretaria do governo está uma bagunça.
Campeã brasileira do salto em distância sub 18 em 2017, Rafaela Iavorski, 17, recebe o Bolsa Atleta Nacional para representar Joinville nos campeonatos brasileiros das modalidades de salto em distância e cem metros com barreira. “A importância do programa para mim é poder ter continuidade no meu futuro como atleta, para conseguir evoluir e ter condições de me manter no esporte”, afirma. No início do ano, Rafaela teve seu benefício cortado, porém, a decisão foi revista e ela recebeu uma notificação informando que continuaria recebendo. “No início foi um baque bem grande, pensei: como vou me virar agora? Será que eu continuo ou não?”, conta.
Assim como Rafaela, Samara Furtado, 21, também recebe o Bolsa Atleta Nacional. Ela representa Joinville nos campeonatos brasileiros das modalidades de lançamento de martelo e lançamento de disco, inclusive é recordista brasileira do lançamento de martelo na categoria mirim, marca alcançada em 2013. “O Bolsa Atleta é muito importante, tanto na época da base, quanto no profissional”, disse. “Na época da base é importante porque dependemos dos nossos pais, além de nos ajudar com o esporte tem os custos de casa”, fala.
Segundo Samara, muitas viagens para as competições têm que ser bancadas do próprio bolso, por isso o recurso é fundamental. O programa também é importante, pois além de custear as viagens e os demais gastos com o esporte, o incentivo faz com que as crianças consigam ajudar os pais nas despesas de casa, visto que, a grande maioria dos que fazem parte da modalidade do atletismo são crianças mais carentes. “Agora o benefício voltou com critérios diferentes e com um valor um pouco maior, para buscar atender mais pessoas”, conta.
De acordo com Samara, quando o atleta chega perto da fase adulta, o benefício continua importante, pois faz com que os atletas consigam se dedicar exclusivamente ao treino e aos estudos, sem precisar trabalhar. Os jovens que não têm essa oportunidade tem que se dividir entre estudar, trabalhar e treinar, o que torna tudo mais difícil. “O Brasil é um país que tem muitos talentos, e muitos acabam sendo perdidos para as drogas e o esporte é uma ferramenta de transformação social, então a partir do momento que você encontra um local que você faça boas amizades, que te ampare e dê a oportunidade de conhecer novos lugares, outros países e ainda ter uma renda é bem legal. O Bolsa Atleta é muito importante também na inclusão social.”, pontua.
O treinador Sidnei Maciel também enxerga o programa como uma forma de inclusão social, visto que, o esporte é uma ferramenta transformadora que ajuda as crianças e os adolescentes a socializarem e terem disciplina, fazendo assim com que se concentrem na modalidade e não tenham tempo para se envolver com as drogas e o mundo do crime.
Atletas da Seleção Brasileira Feminina recebem o Bolsa Atleta do Governo Federal
O Bolsa atleta além de ajudar os atletas de esporte de base, amador e olímpico, também contribui com o futebol feminino das 23 jogadoras convocadas para a copa do mundo de futebol feminino de 2019 na França, 17 recebem o benefício.
O programa é importante para ajudar nos custos das atletas da modalidade, visto que o futebol feminino não recebe os mesmos investimentos que o futebol masculino e que a maioria das atletas são amadoras, pois não possuem vínculo com os clubes no regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), recebendo assim apenas uma ajuda de custo na modalidade, desse modo a bolsa completa o orçamento necessário.
Apenas 6 jogadoras convocadas não recebem o auxílio entre elas: Debinha, Daiane, Kathellen, Luana, Ludmilla e Formiga. Já as atacantes Marta e Cristiane, as jogadoras mais importantes do elenco, recebem o benefício, assim como o restante.
De acordo com as jogadoras o auxílio é essencial para comprar as chuteiras, caneleiras e outros materiais necessários para a prática do esporte. A maioria das atletas que recebem o benefício atuam no Brasil, como é o caso da atacante Cristiane, e da zagueira Érika, assim como a atacante Marta.
Reportagem: Camila Campos e Vinícius Leonardo
Conteúdo original do Primeira Pauta Impresso, Edição 145 | Disciplina de Jornal Laboratório, 7ª fase/2019.