País vira recordista em liberação de agrotóxicos
Nos primeiros seis meses, governo permitiu que 169 defensivos chegassem às plantações
O Brasil está batendo os próprios recordes em liberação de agrotóxicos. Desde janeiro de 2019, 169 tipos diferentes desses químicos entraram no cardápio brasileiro — praticamente um por dia. Para combater que o corpo ingira essas substâncias, o consumo de alimentos orgânicos é uma alternativa. As plantações de orgânicos passam longe do uso de venenos e muitas vezes produzem os próprios meios para fugir das pragas, buscando a sustentabilidade.
Para começo de comparação, só em 2018 o país liberou 450 tipos de agrotóxicos: 45 a mais do que em 2017, tornando-se, até agora, o ano recorde em liberação. Esse aumento é efeito de uma mudança estrutural no Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento. A implantação do Sistema Eletrônico de Informações (SEI) facilitou o cadastro e também a liberação desses produtos.
Para fugir dos alimentos contaminados, algumas pessoas optam pelo consumo de alimentos livres de venenos. Para um produto ser considerado orgânico não basta o produtor não usar o agrotóxico, ele precisa seguir uma série de regras, como tratar o próprio esgoto, manter o equilíbrio do ecossistema tendo além da plantação a mata nativa, sempre priorizando a sustentabilidade social.
No distrito de Pirabeiraba, Nilsa Gramkow é uma das produtoras que não usam os pesticidas, fungicidas e herbicidas. A agricultora começou a plantar orgânicos em 1991, com a ajuda do marido, após receber o sítio da família como herança pela morte do pai. Apesar de hoje ministrar palestras sobre o assunto, no começo dona Nilsa conhecia pouco sobre agricultura limpa. “A gente nem sabia que o nome desse processo sem veneno era orgânico”, afirma.
A fazenda de dona Nilsa pode parecer pacata, mas a agricultora já sofreu com vários problemas nesses 28 anos de trabalho, além de ter parte do maquinário roubado, ladrões já queimaram suas caixas de abelhas e levaram parte da plantação. “Uma vez roubaram oito mil palmitos, que já estavam quase bons para serem colhidos”, lembra. “Desde que eu comecei a produção, eu não saio do vermelho.”
O alto custo de produção é um problema recorrente para quem trabalha com orgânicos. Como é livre dos químicos, essas fazendas usam soluções biológicas que têm o valor mais alto. “Esses produtos custam mais de R$ 200 o litro, isso equivale a 100 quilos de bananas”, exemplificou Nilsa. Outro ponto é a certificação. Para um produto ser certificado como orgânico a propriedade precisa ser filiada a uma empresa que faça os testes necessários, inspecione regularmente e que esteja de acordo com as regras do governo brasileiro. A fazenda de dona Nilsa tem certificação IBD. Para obter a certificação todos os funcionários precisam trabalhar em regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e todo o esgoto precisa passar por um tratamento próprio.
Além das dificuldades em manter a certificação, dona Nilsa reclama de vantagens que a agricultura moderna tem. A proposta da Revolução Verde, em 1950, era de aumentar a produção de comida, mas junto com ela veio o uso excessivo de agrotóxico. Nilsa contou que, para financiar sementes, o produtor tinha que se submeter ao pacote “completo”, onde vinham sementes hibridas, maquinário e o próprio pesticida. “Se fosse pedir financiamento só para um trator, eles não aceitavam”, conta.
Conheça a plantação de orgânicos da dona Nilsa Gramkow
Natureza em equilíbrio
Nutricionista, vegana, vendedora e consumidora de orgânicos, Sheila Wehling acredita que para diminuir o uso de químicos é necessário observar a forma e o equilíbrio da natureza e usar técnicas naturais de cultivo. Proprietária de uma venda de produtos sem venenos, ela diz que a certificação do produtor é essencial para garantir a origem e o cuidado com os alimentos. Questões como maus-tratos aos animais e desmatamento de terra, por exemplo, são observadas para receber a certificação. “Quando compramos um orgânico estamos participando de algo muito maior do que só o benefício à saúde”, considera.
Detalhes como o sabor do fruto, a aparência menos inchada e a maior quantidade de nutrientes podem não ser notados pelos consumidores, por isso é importante que o produto seja embalado com a identificação e certificação do produtor. Um alerta para quem compra orgânicos em mercados que também vendem frutas e verduras convencionais. É necessário observar com atenção, porque, às vezes, pode acontecer uma mistura dos alimentos.
Conforme a nutricionista, quando uma pessoa ingere um veneno, o corpo precisa lidar com a substância, pois ela entra no organismo de forma agressiva. Pode entrar em receptores celulares, interferindo no metabolismo – que deveria funcionar adequadamente. “Esses nutrientes que poderiam ser utilizados para nutrir o organismo vão servir como força para fazer uma desintoxicação, atividade que o corpo faz diariamente para colocar expulsar o que está errado”, considera. Para ela, os agrotóxicos são um químico que não deveriam estar no cardápio.
A feira de orgânicos de Sheila abre aos sábados de manhã e a aceitação do local está crescendo cada vez mais. Por conta dos processos de certificação, do grande cuidado com o plantio e da mão de obra registrada, os produtos possuem um preço mais alto do que os alimentos convencionais. Mas Sheila entende que a compra desses alimentos tem a ver com a consciência, não com o preço. “Não é uma questão aquisitiva. Tem muita gente com dinheiro que poderia comprar, mas não vê importância. Temos clientes que compram só um pouquinho, mas que vão toda semana”, conclui a nutricionista.
Abelhas: morte por intoxicação pode causar danos ambientais
Não apenas os humanos são alvos da contaminação causada pela aplicação de agrotóxicos nas plantações. As abelhas também são afetadas diretamente pelos químicos usados para combater as chamadas pragas agrícolas, organismos que prejudicam a produção nas lavouras. A morte desses insetos vem sendo registrada com mais frequência desde janeiro de 2019 em Santa Catarina. De acordo com o relatório divulgado pelo Ministério Público e produzido pela Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc), os químicos usados em plantações de soja e milho são os responsáveis pela morte desses insetos.
O biólogo Enderlei Dec explica que a abelha é uma vítima indireta, pois quando visita as flores para coletar o néctar e o pólen, a flor já está contaminada pelo produto. Os químicos afetam o sistema nervoso desse animal, que fica desorientado. As consequências dependem do nível da intoxicação e do tipo de veneno usado. “Não tem como evitar a ida desses animais às plantas. Elas (abelhas) não têm intenção de prejudicar e os próprios cultivadores sabem disso. Isso é como se eu pegasse um copo de veneno e tomasse”, afirma o biólogo.
“Se as abelhas desaparecerem da face da terra, a humanidade terá apenas mais quatro anos de existência. Sem abelhas não há polinização, não há reprodução da flora, sem flora não há animais, sem animais não haverá raça humana”. A frase do físico Albert Einstein é importante para lembrar a relevância desse grupo para o equilíbrio dos ecossistemas.
Para tentar diminuir as consequências dos agrotóxicos nas lavouras, Enderlei comenta sobre duas formas que podem ajudar a combater a intoxicação desses polinizadores. A primeira delas é por meio da comunicação. O produtor rural avisa aos apicultores dias antes de aplicar a substância. Assim, os apicultores podem fechar as caixas onde as abelhas ficam. Passando alguns dias, quando o químico estiver mais diluído os animais podem ser liberados. “Trancar as abelhas também não é interessante, pois é um organismo feito para voar. Mas é uma forma de proteção”, explica. A segunda maneira é a escolha do pesticida, já que existem produtos que atingem a um inseto específico. Com essa conscientização, o impacto seria menor. “Outro problema é que no Brasil, especialmente, agrotóxicos bastante agressivos são liberados pela Anvisa. Em outros países as mesmas substâncias já foram banidas, enquanto aqui não há essa restrição”, relata.
Como consequência, o mel também pode ter, no final, resquícios dessas substâncias químicas. Para que o produto seja comercializado, é necessário que tenha o selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF), um controle do Ministério da Agricultura. Mas os testes realizados antes que a produção chegue às prateleiras não detectam a presença dos pesticidas. “Então é possível que as pessoas estejam consumindo o mel com um certo grau de agrotóxicos. A partir do momento que você aplica uma substância em uma planta, ele é incorporado em um ciclo. Esse ciclo se renova sempre”, conclui o biólogo.
O ambiente ideal para as abelhas são os ocos de árvores localizadas mais ao sol e com a vegetação de estatura média. Para o cultivo de abelhas, a mata secundária é o melhor local, onde há vegetação rasteira. Nirio Andriolli, apicultor e presidente da Associação de Apicultores de Joinville (Apiville), reforça que o apiário deve estar montado ao sol, contenha água e esteja protegido das formigas, longe de culturas e de defensivos agrícolas. Quinze apicultores da associação recolhem as colmeias da cidade para que aquele enxame passe por um acompanhamento técnico. Depois, as colmeias são distribuídas na área de produção de mel apiário.
Mas a Apiville passa por um problema. A equipe não tem espaço para mais de duas famílias (de abelhas). Já houve períodos em que receberam mais de dez solicitações por dia e durante um ano já atingiram 500 famílias. “Estamos acompanhando a homologação de um projeto na Câmara de Vereadores que nos auxilia nesse sentido”, afirma o presidente da entidade. A associação é uma entidade sem fins lucrativos e existe desde 1984, contando com 80 sócios. “Uma das nossas funções é dar apoio, suporte técnico e prático àqueles que querem exercer a atividade”, assegurou Andriolli.
Agrotóxicos nas águas joinvilenses
Um levantamento realizado pelo Ministério Público de Santa Catarina, divulgado no Dia Mundial da Água, 22 de março, circulou pelos grandes jornais nacionais e regionais e preocupou os moradores de Santa Catarina. O estudo comprovou a presença de resíduos de agrotóxicos na água de 22 municípios do estado. Em Joinville, os tipos diuron e tiametoxam foram registrados.
O primeiro deles é um herbicida classificado como produto muito perigoso. Na bula desse químico, o alerta é que pode causar aumento do tamanho do fígado, do baço e atacar o sistema nervoso. Além disso, em casos de intoxicação, podem ocorrer irritações na pele, olhos e mucosas. Depois de contato prolongado, a pessoa pode ter vômitos, náusea, diarreia e danos nas vias respiratórias. As consequências são parecidas em casos de ingestão do segundo agrotóxico, tiametoxam. Esse é um inseticida que age diretamente no estômago dos insetos. Nos humanos, os efeitos são de delírio e agitação severa depois de longa inalação.
Em contrapartida, a Companhia Águas de Joinville diz que não é possível confirmar a presença dos químicos com apenas uma amostra. A empresa faz as análises recomendadas pelo Ministério da Saúde e afirma que os limites quantitativos dos ensaios nunca acusaram positivo para nenhum dos parâmetros analisados. A Companhia também ressalta que a amostragem feita pelo Ministério Público (MP) está muito abaixo do que é controlado pela legislação vigente. Ou seja, a quantidade de agrotóxico presente no estudo do MP também está dentro do permitido pela portaria do Ministério da Saúde. Agora, a empresa está começando uma campanha de amostras mensais que verifica a água desde a nascente dos rios até a distribuição para fazer um diagnóstico e dar um parecer da situação.
Reportagem, fotos e vídeo: Diego Mahs e Liandra Tank
Conteúdo original do Primeira Pauta Impresso, Edição 145 | Disciplina de Jornal Laboratório, 7ª fase/2019.