Efeito Covid-19: países isolam população para conter o vírus
Novo coronavírus atingiu milhões de pessoas em menos de quatro meses. Com pouco conhecimento sobre a doença, países decidem os primeiros passos para o enfrentamento
Uma “pneumonia viral” foi o primeiro termo utilizado para se referir à Covid-19, quando infectou as primeiras pessoas em Wuhan, capital da província de Hubei, localizada na China, em 31 de dezembro de 2019. Enquanto o mundo se preparava para as festividades de virada de ano, 27 pessoas apresentaram os sintomas do novo vírus e foram colocadas em quarentena. Em três dias, o número de casos saltou para 44, o que colocou a Organização Mundial da Saúde (OMS) em alerta.
Parte desse grupo infectado trabalhava em um mercado de frutos do mar e animais frescos da cidade, que possui mais de 11 milhões de habitantes. Até hoje, não existe a comprovação da origem do vírus, mas especialistas acreditam que ele pode ter se desenvolvido através de hospedeiros humanos ou de animais, como o morcego e o pangolim, um mamífero asiático.
Já na segunda semana de janeiro, as autoridades chinesas confirmaram que a doença fazia parte da família dos coronavírus, sendo cientificamente chamada de SARS-CoV-2, o vírus causador da Covid-19. Os coronavírus causam infecções respiratórias em humanos, cachorros, morcegos, porcos e outros animais. Os sintomas mais comuns são coriza, febre, tosse e dores, principalmente na garganta. O primeiro coronavírus humano foi encontrado na década de 1960 e, desde então, ele sofreu diversas mutações, sendo responsável por outras epidemias como a Sars, em 2002, e a Mers, em 2012.
Um homem de 61 anos foi a primeira vítima fatal em 9 de janeiro. A partir daí, o vírus foi detectado também no Japão, Tailândia, Hong Kong, Macau, Singapura, Coreia do Sul, Taiwan, Vietnã, Nepal, França e EUA, a maioria dos confirmados vindos de Wuhan.
Com o aumento do número de casos, as medidas de segurança foram reforçadas. No dia 22 de janeiro, a cidade origem da doença foi isolada com 400 casos registrados e 17 mortes. Transportes coletivos foram suspensos. Aeroportos e estações de trens, fechados. A recomendação era suspender as viagens para a cidade e quem já estava por lá, que não saísse.
Em Pequim, a popular semana de comemorações ao Ano-Novo chinês foi cancelada devido a grande circulação de turistas na região. Os demais aeroportos contavam com uma equipe preparada para verificar a temperatura das pessoas. Em caso de febre, o paciente recebia uma máscara e era encaminhado para um hospital. Até aquele momento, não existia a certeza que o vírus era transmitido de pessoa para pessoa. Mas com os casos se espalhando em vários países do mundo, as evidências indicavam o contágio por humanos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a situação como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) no dia 30 de janeiro. Segundo a entidade, até o final do mês, eram 9.847 casos confirmados e 213 mortes em todo o mundo.
O principal motivo dessa declaração não diz respeito ao que está acontecendo na China, mas o que está acontecendo em outros países. Nossa maior preocupação é o potencial do vírus para se espalhar por países com sistemas de saúde mais fracos e mal preparados para lidar com ele.
Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS
A primeira morte registrada fora da China aconteceu no dia 1º de fevereiro. O chinês, de 44 anos, estava internado em um hospital de Manila, Filipinas. No dia 2, o país ampliou a restrição de entrada de chineses ou estrangeiros que estiveram na China, Hong Kong ou Macau nos 14 dias anteriores. Previamente, a proibição se aplicava apenas às pessoas vindas do epicentro da doença, a província de Hubei.
Indonésia, Cingapura, Vietnã, Austrália, Nova Zelândia e EUA também seguiram o veto de entrada de visitantes com passagens na China. Mongólia e Rússia fecharam suas fronteiras terrestres. A OMS criticou a restrição afirmando que a medida poderia influenciar no aumento de casos, fazendo com que as pessoas entrassem ilegalmente nos países e não passassem por nenhum tipo de triagem. No entanto, a recomendação era que as viagens à China fossem feitas apenas em casos de extrema necessidade.
O cientista político João Hack Kamradt explica que, por ser um país organizado por um único partido, o governo chinês coloca o poder na mão de poucos, dificultando a atuação de grupos opositores, jornalistas e ONGs. O Partido Comunista comanda o país desde 1949. “Entretanto, é essa mesma organização centralizada que permitiu um lockdown completo de centenas de milhões de pessoas durante semanas. O mesmo possibilitou um rápido aprendizado sobre o vírus e tornou possível que os outros países planejassem, de forma mais adequada, o que fazer quando o vírus chegasse a seu território”, declara.
Ainda no epicentro da epidemia, o médico chinês Li Wenliang ficou conhecido após morrer infectado pela Covid-19 no dia 6. O homem de 34 anos teve os sintomas no início de janeiro e ficou internado no Hospital Central de Wuhan. Ele foi um dos primeiros a falar sobre a doença ainda em dezembro, quando alertou alguns colegas de trabalho após perceber o aumento de pessoas no hospital com sintomas parecidos ao da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARs-CoV). Quatro dias depois, Wenliang foi chamado pelo Departamento de Segurança Pública para assinar um documento que o acusava de estar produzindo comentários falsos. A notícia gerou revolta nas redes sociais e em frente ao hospital onde o médico morreu.
A China também determinou o funcionamento dos funerais e enterros durante esse período. Os restos mortais dos infectados seriam cremados em funerárias próximas. As tradicionais cerimônias de despedidas foram proibidas para evitar a permanência de muitas pessoas no local.
O país chamou a atenção também pela rápida construção e entrega de hospitais. O primeiro, chamado Huoshenshan, foi construído em 10 dias e possui 1.000 leitos. Os pacientes começaram a ser atendidos no dia 3. O Hospital Leishenshan iniciou suas obras no dia 27 de janeiro e após uma semana já estava pronto com mais 1,6 mil leitos. As pessoas tiveram atendimento a partir do dia 8.
Uma mudança de metodologia, para detectar os infectados pela Covid-19 em Hubei, fez o número de confirmados saltar para 63.932 em 14 de fevereiro. Os casos fatais somavam 1381. O método foi alterado pela maior velocidade de identificar os pacientes com uma radiografia pulmonar e não mais o exame laboratorial.
Oriente Médio
O Irã teve dois casos fatais no dia 19 de fevereiro, onde não existia nenhum caso registrado até a data. Com a confirmação, o país se tornava o segundo em fatalidades, atrás apenas da China. E os números aumentaram. Em um mês, eram 18.407 pessoas infectadas e 1.284 mortos.
Escolas, teatros, cinemas e centros culturais foram fechados em várias províncias. As eleições legislativas também foram afetadas com a menor participação popular desde 1979. Fato que fez o líder supremo iraniano, Ali Khamenei, acusar a imprensa estrangeira de utilizar o surto do novo coronavírus para dispersar a votação.
Países como Afeganistão e Paquistão tomaram medidas de prevenção para tentar conter o avanço da doença. Fronteiras com o Irã foram fechadas, bem como viagens aéreas e terrestres.
Europa
Até a primeira semana de fevereiro, Alemanha, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Itália, Reino Unido e Suécia possuíam casos confirmados de Covid-19. A primeira morte foi registrada na França no dia 15. O chinês, de 80 anos, estava internado no Hospital Bichat desde 25 de janeiro. Mesmo com cada vez mais infectados surgindo no continente e os números fatais crescendo pelo mundo, alguns governos de países europeus adotaram medidas restritivas.
A Itália foi o primeiro país da Europa a suspender os voos de origem e destino à China. A primeira morte foi registrada em Pádua, no dia 20 de fevereiro. A região da Lombardia, ao norte, tinha 15 casos confirmados e foi decretado toque de recolher juntamente a outras áreas onde há focos da doença. As pessoas estavam proibidas de saírem ou entrarem nos locais infectados. Aulas, viagens, atividades em locais abertos ou fechados e eventos públicos foram suspensos. Quem descumprisse a ordem, estava sujeito a multa e até três meses de prisão. Eventos de moda e futebol também foram afetados.
Enquanto isso, o prefeito de Milão, Giuseppe Sala, apoiava a volta das atividades com a campanha “Milão não para”, afirmando que a população não tinha medo do vírus. Na ocasião, o país registrava 14 mortes. Um mês depois, em 27 de março, a Itália somava 9.134 casos fatais, ultrapassando a China e tornando-se epicentro do surto do novo coronavírus. Durante um programa de tv, Sala pediu desculpas e considerou a atitude um erro.
Amara da Trindade Miquelute, 41, foi morar em Bernareggio, município italiano da região da Lombardia, em novembro de 2019. Ela conta que até março a vida estava normal. A partir do dia 8, o isolamento se tornou obrigatório, bem como o uso de máscaras, luvas, álcool em gel, e a necessidade de manter a distância de um metro em relação às outras pessoas. Os mercados ficaram com prateleiras vazias, porque muitos quiseram estocar comida com medo que faltasse. Ela explica que agora a lei determina que apenas uma pessoa por residência pode sair para comprar mercadorias nos estabelecimentos mais próximos. Eles recebem um ticket, do governo italiano, no valor de 480 euros. Quem precisa ficar isolado, os policiais deixam a comida na porta.
A saída só é permitida em caso de emergência. Além disso, é necessário levar uma declaração com as informações do local aonde vai e o que irá fazer. Caso contrário, é multado. “Fui retirar máscaras no comune (prefeitura), a polícia me parou e mandou para casa. Meu esposo foi caminhar na segunda-feira, depois da Páscoa, não andou nem 200 metros, e teve a mesma abordagem”, relata a brasileira. A quarentena no país está prevista para acabar em 3 de maio, mas o prazo pode ser estendido.
Em 11 de março, a OMS definiu a situação como pandemia, ou seja, a doença já havia se espalhado por grande parte do mundo. Essa determinação auxilia os países a tomarem melhores atitudes na tentativa de combater o problema e ligar o alerta a países que ainda não se preocuparam.
A Espanha, por exemplo, só tornou o isolamento obrigatório quando eram 5.753 infectados e 136 mortos em 14 de março. A demora fez com que, ao chegar no dia 21, o 50º após o primeiro caso confirmado, os números saltaram, chegando a 25.374 infectados e 1.375 casos fatais.
Estados Unidos
O país norte-americano recebeu a presença da Covid-19 ainda no primeiro mês do ano. Conforme estrangeiros chegavam de Wuhan, eles eram colocados em quarentena até a confirmação de estarem saudáveis. Donald Trump, presidente dos EUA, chegou a determinar a restrição de viagens à China, em fevereiro, mesmo com poucos casos confirmados.
Com o avanço do novo coronavírus, a preocupação de especialistas era com o sistema de saúde do país. Caso os sintomas aparecessem, a recomendação era procurar um hospital. Contudo, muitos estadunidenses evitam de ir ao médico por conta dos altos custos, além de precisarem escolher entre trabalhar ou perder o emprego, pois a legislação não prevê a obrigatoriedade de licença médica.
Em uma rede social, Trump chegou a comparar o vírus com uma gripe comum, dizendo que milhares morrem todos os anos, e a vida e a economia seguem normalmente. Quando a situação foi decretada como pandemia, o tom mudou. O país suspendeu as viagens da Europa e, no dia 13 de março, o presidente declarou emergência nacional. A medida liberou US$50 bilhões para os estados investirem no controle da doença e acelerarem o diagnóstico através dos testes. Na data, o registro era de 1.264 casos confirmados e 36 mortes. Em um mês, os EUA passaram rapidamente China e Itália, com 524.514 pessoas infectadas e 20.444 óbitos decorrentes da Covid-19.
Mesmo com a seriedade da situação, muitos cidadãos desrespeitaram o isolamento determinado em algumas regiões do país. Com medo de faltar alimento, as pessoas começaram a estocar comida e os mercados tiveram prateleiras esvaziadas.
América Latina
O Brasil foi o primeiro país da América Latina a confirmar um caso do novo coronavírus. Em 26 de fevereiro, o Ministério da Saúde afirmou que o homem, de 61 anos, com histórico de viagem à Itália, deu entrada no Hospital Israelita Albert Einstein no dia anterior.
O alerta aumentou com o registro. Países como Chile, Peru, Colômbia, Paraguai, Cuba, El Salvador e Bolívia passaram a reforçar o controle de entradas de estrangeiros. Após o primeiro óbito registrado na Argentina (um homem de 64 anos, também com viagens à Europa), o país tomou medidas restritivas, fechando escolas, fronteiras, cancelando voos e eventos. Até a primeira semana de abril, eram 1.265 pessoas diagnosticadas com Covid-19 e 132 mortas.
Quase um mês depois da primeira confirmação, o Brasil recomendava que apenas as pessoas com sintomas da doença se isolassem. As fronteiras foram fechadas, e alguns governadores, contrariando o presidente Jair Bolsonaro, suspenderam aulas e eventos para evitar aglomerações. O transporte público também foi afetado, fazendo muitas empresas adotarem o home-office.
Santa Catarina foi um dos primeiros estados do país a decretar situação de emergência, após a confirmação de transmissão comunitária na região sul. A medida limitou a circulação das pessoas a partir do dia 18 de março, mesmo sem nenhum registro de falecimento em razão do novo vírus. Farmácias, postos de combustíveis, supermercados, hospitais, segurança, imprensa e outros serviços considerados essenciais continuaram funcionando.
Em uma coletiva de imprensa realizada no dia 11 de abril, o governador Carlos Moisés liberou a retomada do comércio de rua, hotéis e o atendimento de estabelecimentos em balcão. No dia 20, igrejas e templos religiosos foram autorizados a abrirem. Shoppings, centros e galerias comerciais, academias e restaurantes voltaram à normalidade dois dias depois. Até o final do mês, o transporte coletivo municipal, intermunicipal, interestadual e internacional seguem suspensos. Aulas presenciais de qualquer nível poderão retornar após 31 de maio. As medidas são válidas para todo o estado.
As empresas Gidion e Transtusa, responsáveis pelo transporte coletivo da cidade de Joinville, até conseguiram uma liminar que autorizava a circulação dos ônibus pelo município, mas o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a pedido do governo do estado, suspendeu a decisão.
Até o fechamento desta reportagem, Joinville registrava 114 casos confirmados e dois óbitos pela Covid-19. Santa Catarina possui 1.170 infectados e 42 casos fatais.
As informações presentes aqui foram retiradas dos sites: Agência Brasil, BBC, Correio Braziliense, El Pais, Estadão, Folha de SP, Governo de SC, G1, Ministério da Saúde, OCP News, O Município Joinville, Organização Mundial da Saúde, Prefeitura de Joinville e UOL.
Reportagem: Mariane Machado
Infográfico: Mariane Machado
Foto de capa: Liu Chan/Xinhua
Conteúdo produzido para o Primeira Pauta Digital | Disciplina Jornal Laboratório II, 7ª fase/2020.