Professores sofrem com a troca de aulas presenciais para híbridas
Problemas vão de despreparo das instituições até ignorância de diretores, pais e alunos
A pandemia de Covid-19 trouxe diversos desafios para os professores. Mudanças bruscas para se adaptar ao ensino a distância, falta de infraestrutura, trabalhos além das carga horárias, problemas com a saúde mental e até assédios afetaram a vida desses profissionais. Além disso, cerca de 36 mil profissionais da área da educação perderam os seus empregos no Brasil. Os docentes de escolas públicas e estaduais tiveram algumas dificuldades a mais, com alunos sem acesso às aulas remotas e instituições sem condições de oferecer suporte tecnológico.
Escolas particulares saíram na frente quando o assunto foi readaptação, pois, na maioria da vezes, contam com uma melhor infraestrutura tecnológica. “A equipe mostrou-se muito engajada desde o primeiro dia que recebemos a orientação para que as escolas não abrissem. Desde então, nos mobilizamos para oferecer a melhor tecnologia possível e contribuir para a qualidade do ensino”, compartilha Fábio Hobold, 52 anos, coordenador de uma escola particular de Joinville.
Nas escolas estaduais, os professores receberam um treinamento online para aprender a usar a plataforma que está sendo utilizada nas aulas. Alguns membros da Secretaria da Educação e professores que já dominavam a ferramenta repassaram o conhecimento para os profissionais que não tinham domínio. Com a nova metodologia de trabalho, muitos professores se descobriram e disponibilizaram aulas criativas; como em canais no YouTube, se fantasiando para contar histórias ou trazendo convidados de outras cidades para compartilhar experiências. O assessor de direção da Escola de Educação Básica Doutor Paulo Medeiros, Loreno Thiago Pereira da Costa, 55 anos, conta que muitos dos professores não alcançaram o êxito esperado por conta dos alunos, que não cumpriram com as obrigações de participarem das aulas e entregarem atividades.
“Temos uma equipe que busca o aluno que não realiza atividades ou está com pendências nas disciplinas”, explica Loreno. Essa é uma das maneiras que a escola encontrou para dar oportunidade e auxiliar os estudantes. Além disso, o assessor de direção ressalta que todos os professores da escola disponibilizaram seus contatos para que o aluno pudesse tirar as dúvidas durante os dias úteis da semana.
Fernanda Rasveiler Blau, 36 anos, é professora na rede municipal e particular. Ela destaca que a maior diferença, de uma instituição para outra, foi a participação dos estudantes. “Nas escolas particulares a maioria dos alunos estavam conectados nas aulas, as avaliações são agendadas e o calendário escolar sendo cumprido. Já nas escolas municipais, a adesão aos encontros online não é tão grande e o envio das atividades é feito para os alunos e entregue dias depois para correção”, explica Fernanda.
A educação infantil necessitou de um engajamento entre escola e ambiente familiar. “As organizações dos encaminhamentos de atividades são pensados com muita cautela”, assegura Mikaella Caroline Capraro Soares, 26 anos, pedagoga. Com as aulas online, o auxílio e acompanhamento que eram de responsabilidade dos professores, nas aulas presenciais, tornaram-se uma responsabilidade dos pais.
Saúde Mental
A pandemia trouxe consequências ruins para alguns professores de Joinville. Assédios vindo de diretores, pais e alunos marcaram a rotina dos docentes. Um exemplo de assédio ocorreu em uma escola estadual da cidade, onde o diretor obrigou o professor a comparecer na instituição presencialmente durante a pandemia ameaçando que se não fosse iria receber falta injustificada.
Izequiel José Ferreira da Costa, 44 anos, coordenador do Sindicato dos trabalhadores e educação do estado de Santa Catarina (Sinte), relata que com o passar dos meses, os casos de assédio foram diminuindo. Um canal fundamental para a resolução desses problemas é o sindicato. “Quando a denúncia chega é feita uma verificação. Quando confirmado algum abuso, o sindicato faz uma mediação de um possível diálogo”, resume Izequiel.
O começo do processo de adaptação com a tecnologia também afetou os professores. Muitos não sabiam como funcionavam algumas plataformas e então se desdobraram para aprender o mais rápido possível. Com isso, a fadiga mental apareceu inúmeras vezes, pois a carga horária de trabalho aumentou.
Turmas fecharam, cursos não foram abertos e vários professores perderam seus empregos. “Recebi informações de professores que tentaram suicídio ou agravaram ainda mais o quadro de depressão”, revela Izequiel. As professoras Fernanda e Mikaella comentam que também sofreram instabilidades emocionais, porém tiveram amparo das escolas, famílias e alunos.
Ano perdido?
O ano de 2020 está sendo repleto de incertezas. Muitas pessoas se perguntam se as aulas remotas deveriam estar acontecendo mesmo ou se o calendário escolar conseguiria ser cumprido como o planejado.
A coordenadora do Sindicato das instituições de ensino particulares (Sinpronorte), Marta Regina Heinzelmann, 64 anos, faz uma reflexão sobre os métodos avaliativos do ano:
Professores e equipes pedagógicas não mediram esforços para atender todos os estudantes. Até aqueles que não tinham acesso à internet, buscavam atividades impressas nas instituições, faziam e retornavam para correção dos professores. “Todos devem se adaptar a esse novo modelo de ensino. Futuramente ele deverá continuar como uma forma de reforço, revisão ou até mesmo uma aula diferenciada”, acredita Loreno.
“2020 é, acima de tudo, uma quebra de paradigmas”
Fernanda Rasveiler Blau
“Precisamos estar adaptados para mudanças repentinas”, observa a professora Fernanda. Durante a pandemia, diversos alunos e professores tiveram dificuldades para se adaptar aos novos métodos escolares. “O ano de 2020 é, acima de tudo, uma quebra de paradigmas”, completa.
Objetivo atingido
O calendário escolar está sendo cumprido em todas as instituições. “O ideal seria o contato direto entre aluno e professor”, compartilha Izequiel. Ele explica que nas aulas remotas o contato para resolução de dúvidas é demorado, mas estão conseguindo se adaptar da melhor maneira possível. “90% do que foi planejado está sendo feito, os alunos entenderam a importância de entregar as atividades”, afirma.
Mikaella conta que se sentiu receosa com a nova modalidade de ensino, mas como conhecia a turma e suas necessidades, fez uma parceria com outra professora e planejaram encontros online juntamente com as famílias. “Fiquei feliz com o retorno e reconhecimento pelo trabalho realizado”, enfatiza a professora. Já a professora Fernanda sentiu-se insegura durante alguns momentos em relação ao seu próprio trabalho. “Foi difícil até me reconhecer em certos momentos”, desabafa a professora do ensino fundamental.
Retorno das aulas presenciais
Após as quedas de casos de coronavírus nos últimos três meses, as escolas começaram a se organizar para o retorno das aulas presenciais. Porém, em novembro, o número de contaminados voltou a subir significativamente. Além disso, é perceptível a baixa adesão de alunos ao retorno presencial. Em pesquisa realizada com os acadêmicos da Faculdade Ielusc em Joinville, apenas 8% dos estudantes voltariam para as aulas presenciais se elas fossem retomadas. Resultado que motivou a instituição a continuar com as aulas remotas até o final do semestre.
“Nós somos absolutamente contra o retorno das aulas presenciais, é preciso garantir a vida e a saúde física e emocional dos trabalhadores e das famílias”, afirma a coordenadora do Sinpronorte, Marta Regina.
O coordenador do Sinte, Izequiel, compartilha sua opinião sobre o retorno das aulas presenciais:
Reportagem: Gabriel Hellmann
Conteúdo produzido para o Primeira Pauta Digital | Disciplinas de Jornal Laboratório I e Jornalismo Digital, 4ª fase/2020