Tempo em redes sociais aumenta 40% na pandemia
Especialistas falam sobre malefícios das redes à população
O Brasil é o segundo país que passa mais tempo nas redes sociais. Os brasileiros perdem apenas para as Filipinas, que tem uma média diária de 241 minutos por dia, enquanto aqui é de 225. Esse foi o dado levantado pela GlobalWebIndex em 2019. Neste ano, com a pandemia da covid-19, uma pesquisa feita pela consultoria Kantar apontou que o uso do WhatsApp, Facebook e Instagram aumentou 40%.
Com as crianças em casa, a necessidade de criar atrativos para entretê-las aumentou. “As telas acabam sendo um recurso que os pais têm utilizado muito para distrair as crianças” avaliou a psicóloga e professora Elaine Cristina Luiz. Para a ela, os pequenos têm sido expostos cada vez mais cedo a telas e redes sociais e alguns deles têm um apelo grande para jovens, o que as sujeita a uma constante comparação a outros jovens.
Os pais não conseguem acompanhar o tempo todo o conteúdo que os filhos estão acessando. Isso compromete até mesmo a segurança dos pequenos, já que quem está do outro lado da tela nem sempre são quem dizem ser. Em 2018, por exemplo, o Facebook desativou cerca de 583 milhões de contas falsas. A rede social estima ainda que 3% a 4% das contas que não foram deletadas naquele período ainda eram falsas.
Elaine aponta que a pré-adolescência é a fase que merece mais atenção. “É onde as crianças estão muito suscetíveis a formarem vínculos. Elas desejam pertencer e se sentir incluídas.” Vínculos familiares e escolares devem ser fortalecidos nesse período.
Mãe de um pré-adolescente, de 12 anos, Andreia Quandt preza pelo diálogo sobre o uso da internet. Ela acompanha o filho nas redes sociais e já interveio em uma postagem quando não achou o conteúdo adequado. Ela conta que o filho criou um meme com a foto de um amigo e disse que ele não se importaria com a brincadeira.
“Fiz ele entender que hoje é uma brincadeira inocente que depois pode virar um hábito feio e desnecessário, podendo até se tornar bullying”, contou.
Diferente de Andreia, Andrea Patrícia, mãe do Victor, de 17 anos, contou que nunca sentiu necessidade de intervir nas publicações do filho. “Sempre tivemos uma conversa franca sobre bullying, palavrões, respeito pelas mulheres, idosos, pessoas com relações homoafetivas.”
Adultos e redes sociais
Apesar do protagonismo dos adolescentes sobre o assunto, o perfil do internauta brasileiro é diferente. Mulher entre 25 e 34 anos, classe C, morador de área urbana e com ensino médio completo. Isso é o que aponta a Pesquisa Sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos Domicílios Brasileiros de 2017. Para a pesquisa, foram entrevistadas 10.320 pessoas. Além disso, 90% de todos os usuários fazem acesso pelo celular.
PERFIL DEMOGRÁFICO DO INTERNAUTA BRASILEIRO
N | % | |
Área Geográfica | ||
Urbano | 9.806 | 95 |
Rural | 514 | 5 |
Faixa Etária | ||
De 10 a 15 anos | 1.067 | 10,3 |
De 16 a 24 anos | 2558 | 24,8 |
De 25 a 34 anos | 2.929 | 28,4 |
De 34 a 44 anos | 1.659 | 16,1 |
De 45 a 59 anos | 1.565 | 15,2 |
De 60 anos ou mais | 542 | 5,3 |
Sexo | ||
Masculino | 4.872 | 47,2 |
Feminino | 5.548 | 52,8 |
Classe Social | ||
AB | 3.228 | 31,3 |
C | 5.145 | 49,9 |
DE | 1.947 | 21,6 |
Escolaridade | ||
Analfabeto/Educação Infantil | 86 | 0,8 |
Ensino Fundamental | 2.940 | 28,5 |
Ensino Médio | 5.062 | 49,1 |
Ensino Superior | 2.232 | 21,6 |
Meio de Acesso à Internet | ||
Desktop | 3.842 | 37,2 |
Laptop | 3.933 | 38,1 |
Tablet | 1.728 | 16,7 |
Celular | 9.286 | 90 |
Video Game | 668 | 6,6 |
TV | 1.218 | 11,8 |
A universitária Gabriela Bento, de 21 anos, tem notebook, mas admite que assiste às aulas pelo celular. A acadêmica de Ciências Contábeis contou que passa quatro horas diárias nas redes sociais, mas às vezes desinstala os aplicativos. “Por conta desse tempo que acabo perdendo e que poderia estar aplicando em outra atividade relevante”, justifica.
Também em aulas remotas, Mariana Tavares, 18 anos, está no último ano do ensino médio. Com a mudança na rotina, ela confirma que o tempo nas redes sociais também aumentou, principalmente enquanto está em aula. Agora, quando recebe uma notificação no celular, sente que precisa checar. “Eu tento me controlar, mas às vezes fica difícil mesmo, pois minha rotina de estudos não é a mesma com as aulas presenciais”, admite.
Nos adultos, as redes sociais funcionam como uma espécie de recompensa, avalia o neuropediatra Marino Miloca Rodrigues. Essa recompensa vem através das curtidas, número de seguidores, feedback de fotos e compartilhamentos.
“Sem que seja tão percebido, ficamos cada vez mais dependentes desta recompensa, que acaba sendo cada vez menos satisfatória, gerando uma busca maior por recompensa, porém com uma sensação menor de bem estar.”
Luana Borba não está distante desse sentimento. Ela acredita que as redes sociais funcionam como um escape da realidade, que livra as pessoas de lidar com sentimentos, responsabilidades e podem funcionar como preenchimento do convívio social. “Percebi muito neste tempo que as redes sociais passaram a se tornar algo necessário no dia a dia, como uma ferramenta de sobrevivência, por mais estranho que pareça.” Luana trabalha em uma empresa de gestão e controle financeiro e está em home office desde março, ainda sem previsão de retorno. Ela estima que o tempo que passa em redes sociais tenha aumentado cerca de 70% na pandemia.
Apesar dos dados que comprovam o tempo médio alto, os brasileiros ainda estão em terceiro lugar no ranking do Mercosul (Argentina, Uruguai, Paraguai e Brasil) de domicílios com acesso à Internet. O país perde apenas para o Paraguai. A pesquisa foi feita pelo Comitê Gestor da Internet em 2018.
Exposição excessiva a telas causa fadiga visual
Cerca de 2,2 bilhões de pessoas no mundo têm alguma deficiência visual. Dessas, pelo menos 1 bilhão têm alguma deficiência visual que poderia ter sido evitada ou que ainda não foi corrigida. Esses foram os dados levantados pela Organização Mundial da Saúde em outubro de 2019. Esse foi o primeiro relatório mundial sobre visão publicado pela organização.
As consequências de longas exposições a telas de celular são várias. O oftalmologista Rafael Farias Miers explica que nossa visão funciona vendo objetos e imagens refletidas, seja pelo sol ou por lâmpadas. Já as telas, projetam uma luz direto aos olhos.
O médico ainda compartilha o exemplo de alguém próximo.
A oftalmologista Tatiana Rocha Rays de Aguiar afirma que o melhor tratamento para quem passa muito tempo em frente a telas é fazer pausas. “Podem ser pausas curtas, de 20 segundos, olhando para longe a cada 20 minutos. Lembrar de piscar. Talvez usar algum colírio lubrificante.” O posicionamento das telas também é importante, a médica recomenda que elas sempre estejam em uma altura mais baixa que os olhos.
Tatiana ainda fala sobre a existência de filtros azuis que podem ser colocados em lentes de óculos para ajudar nos sintomas de fadiga visual.
Dependência documentada
O assunto “dependência em redes sociais” ficou mais evidente nos primeiros dias de setembro. O serviço de streaming da Netflix disponibilizou no catálogo o documentário O Dilema das Redes. Ele traz relatos de ex-funcionários de empresas como: Google, Pinterest, Instagram e Facebook. Essas pessoas contaram como essas grandes empresas começaram a lucrar cada vez mais em um mercado em que o produto é o usuário.
Além dos relatos, o documentário traz uma história fictícia de uma família com dificuldades de comunicação devido ao uso excessivo do celular. Em uma cena, a mãe propõe que todos coloquem os celulares dentro de um jarro que ficará trancado até o final do jantar. Depois de receber uma notificação, a filha mais nova do casal quebra o recipiente para pegar o aparelho.
A reação da personagem está ligada a forma como o vício em redes sociais pode afetar funções cerebrais. O neuropediatra Marino Rodrigues confirmou que de forma aguda, o vício nas redes pode gerar angústia e ansiedade. “Alguns estudos têm mostrado que quando aumenta a exposição a telas (TV; celular; tablet), nosso desenvolvimento cognitivo tem a tendência de reduzir. Esta redução ocorre porque memória, concentração e linguagem são afetadas”, afirmou o médico.