Pretty Hurts: a busca da perfeição através de procedimentos estéticos
O termo “harmonização facial” cresceu 540% nas pesquisas realizadas em 2020
As cirurgias estéticas “invasivas” e “não invasivas” estão cada vez mais comuns no Brasil e no mundo. Adolescentes e idosos, homens e mulheres, que muitas vezes já estão dentro de um padrão de beleza, estão se submetendo cada vez mais a procedimentos que visam uma padronização facial e corporal, que foi estipulada por nós mesmos. No Google Trends, ferramenta que monitora as tendências do buscador, as pesquisas pelo termo “harmonização facial” cresceram mais de 540% somente no ano de 2020.
Segundo a professora universitária e doutora em antropologia Maria Elisa Máximo, 43 anos, isso foi construído historicamente, socialmente e culturalmente.
De acordo com Maria Elisa, quando falamos de padronização, falamos de um padrão que está ligado a uma indústria composta por diferentes frentes, que atua na moda, na medicina, na farmacologia, na venda de produtos de skincare (cuidados com a pele, que diz respeito à rotina diária), prometendo assim rejuvenescimento ou o prolongamento da juventude, e até mesmo na indústria de maquiagens, sempre visando essa padronização estética. “É uma padronização, muito mais mercadológica e não só cultural”, esboça a antropóloga.
De acordo com dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), nos últimos dez anos houve um aumento de 141% nos procedimentos em jovens de 13 a 18 anos. Só em 2016, foram realizadas 1.472.435 cirurgias plásticas estéticas ou reparadoras, sendo 6,6% em adolescentes, um total de 97 mil cirurgias.
A docente explica que este padrão estético foi construído pela própria sociedade e relata que o que consumimos através da mídia dá a entender que estamos todos massificados por esses padrões, mas o fato é que isso não necessariamente se dá dessa forma homogeneizada e uniforme. Se hoje estamos submetidos a padrões estéticos, é porque foi algo construído ao longo do tempo, e nós respondemos ao padrão apresentado mesmo que de formas diferentes. “Em cada comunidade, em cada contexto social, esses padrões vão chegar de um jeito e vão ser recebidos de outra maneira”, expõe a doutora.
O número de cirurgias estéticas cresceu muito nos últimos anos, junto com a explosão das redes sociais. As empresas lucram com a não-aceitação estética dos homens e mulheres. Essas mesmas redes sociais influenciam a produção e difusão desses padrões estéticos. Dos fios dos cabelos até as pontas das unhas, cada vez menos as pessoas têm sido induzidas pelas mídias convencionais e cada vez mais a população tem sido persuadida pelas mídias digitais.
No ano de 2017, a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (Isaps) revelou que os brasileiros passaram por cerca de 2,5 milhões de procedimentos, representando 10,4% das cirurgias estéticas mundiais. O Censo de 2018 da SBCP aponta crescimento de 25,2% nas cirurgias estéticas e 9,3% nas intervenções reparadoras. E nesse quesito, até o momento, 70% das cirurgias plásticas são realizadas no público feminino. Os implantes de silicone nos seios, lipoaspiração, abdominoplastia, mastopexia (cirurgia para levantar os peitos) e mamoplastia redutora lideram a lista de cirurgias corporais.
Já os homens, atualmente optam por outras intervenções, como a rinoplastia (nariz), a otoplastia (correção das orelhas), a ginecomastia (redução das mamas), o implante capilar, a lipoaspiração e a blefaroplastia (cirurgia de pálpebra), além da harmonização facial, que tem se tornando febre dentro e fora do país.
O modelo e estudante de 22 anos, Brenne Abrantes, disse que até o momento não recebeu propostas para realizar procedimentos estéticos, mas afirma que já fez. “Acredito que ter feito os procedimentos esteja ligado a um pouco da influência digital, porém, os que realizei é para me sentir confortável comigo mesmo e não para me igualar aos demais que influenciam a ser perfeito”, explicou.
O Brasil ainda lidera em números de jovens que passam por procedimentos estéticos cirúrgicos. No ano passado, o país ultrapassou a marca dos 90 mil casos de procedimentos, enquanto que nos EUA, chegou a marca de 66 mil. Cerca de 55% dos americanos encaram os bisturis pelo fato de “ficar bem nas selfies”.
Uma pesquisa realizada pela Isaps, informou que a cirurgia mais procurada por adolescentes, em 2017, foi a rinoplastia. A intervenção cirúrgica para remodelar o nariz contabilizou 70,8 mil procedimentos somente em 2017, e até hoje o procedimento mantém um alto número nas realizações. Segundo a Isaps, outro procedimento que tem crescido bastante são as cirurgias íntimas. A labioplastia ou ninfoplastia consiste na remoção de pele dos lábios vaginais para correção estética e já foi realizada em 138 mil mulheres no mundo inteiro. Até então, o Brasil é o líder mundial em intervenções íntimas.
Nos procedimentos pouco invasivos faciais, a toxina botulínica (botox) que é utilizada para prevenir ou amenizar rugas e linhas de expressão, está entre os queridinhos nos procedimentos estéticos. Porém, em primeiro lugar está o preenchimento com ácido hialurônico, que visa redefinir contornos da face; em segundo, o botox, que tem o objetivo de suavizar as rugas e linhas de expressão do rosto; em terceiro, o peeling, um tratamento para rugas, manchas, marcas de expressão, cicatrizes de acne e controle da oleosidade.
Já em quarto e quinto lugares, respectivamente, aparece o laser, que pode ser para a retirada de pelos, eliminação de manchas, pequenos vasos sanguíneos, ou até com fins de rejuvenescimento; e os fios de sustentação, utilizado para o tratamento de flacidez, com o objetivo de levantar a pele e estimular a formação do colágeno.
A Cirurgiã-Dentista, Tayciane Almeida, 22 anos, explica que ainda dentro do curso de graduação é oferecido e proporcionado apoio e oportunidades para realizar procedimentos estéticos dentais e faciais, para que possam sair aptos o suficiente para realizar procedimentos de teor estético. A dentista diz que a harmonização facial não está na grade do curso, mas seria interessante incluir. “Temos apenas cursos e especialização para realizar após a graduação”, explica a profissional.
O procedimento de harmonizar o rosto tem chamado muita atenção no público masculino. Segundo dados da SBCP, de 2014 pra cá a procura do famoso “maxilar marcado” alcançou um crescimento de 255%, e assim tem se tornado cada dia mais comum nas clínicas do Brasil e do mundo. De acordo com a pesquisa, o número de procedimentos de harmonização facial subiu de 72 mil para 256 mil. A motivação por trás desse aumento está ligada a conquistar uma face mais simétrica, harmônica e a corrigir supostas falhas na aparência, além de ter um rosto mais próximo dos padrões de beleza.
O Brasil rapidamente alcançou o topo no que diz respeito às harmonizações faciais, técnica que já existe há mais de 40 anos, mas que só foi ganhar o nome comercial de “harmonização facial” nos últimos anos, quando virou febre nas redes sociais, com os comparativos de antes e depois. Segundo um levantamento da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética, o que torna o procedimento atrativo aos olhos dos artistas e do público em geral é o fato de ser relativamente simples e rápido.
Segundo a antropóloga Maria Elisa, hoje em dia, transitar pela indústria do consumo é ter a possibilidade de se sentir parte de uma sociedade estruturada por ela, não somente na questão estética, mas nas marcas e rótulos. “É muito menos uma busca de perfeição e muito mais uma busca por pertencimento”.
Para Tayciane, a justificativa quando se trata do aumento de procedimentos estéticos se dá pelo padrão estético que a sociedade impõe. “A aparência estética tornou-se uma enorme preocupação para o ser humano, causando uma busca constante por harmonia, expressividade e naturalidade”. A cirurgiã-dentista, diz que dentro do universo odontológico passou a ser além de “apenas dentes”, e o público está buscando além de funcionalidade, um sorriso estético e uma boa harmonia facial.
O que antes era somente funcional, ou seja, procedimentos dentários, agora se tornaram algo estético-facial. Seja um preenchimento labial, um preenchimento de malar ou de mandíbula, as mulheres e os homens estão cada vez mais procurando ficar com o rosto harmonizado.
Com as harmonizações e os outros tantos procedimentos, o padrão de beleza tem se modificado ao longo dos anos. Estão sendo realizados procedimentos estéticos que emulam filtros do Instagram na vida real. Segundo Maria Elisa, é a possibilidade que temos de alcançar de forma rápida e circunstancial a perfeição.
“Os filtros permitem que assumimos várias feições, eles talvez até aliviam essa necessidade que algumas pessoas sentem de estar o tempo todo respondendo a esses padrões”, esclarece. Mesmo assim, algumas pessoas não se contentam apenas com os filtros de Instagram e o querem na vida real. Alguns exemplos são Xuxa, Diego Hipólito e o DJ Alok. Todos já realizaram procedimentos estéticos.
O mundo estético por trás das redes sociais
A indústria mercadológica traz à tona que temos defeitos, e logo, que eles precisam ser resolvidos. A doutora em antropologia, diz que em toda sociedade vamos encontrar práticas de modificação corporal, mas que devido a essa indústria procuramos sempre resolver os “defeitos”. “O corpo é um espaço mais social do que individual”, declara a antropóloga.
A digital influencer e modelo Letícia Galiassi, 17 anos, diz que sente essa pressão estética social desde muito cedo. “Sempre fui extremamente magra, sem curvas nenhuma, não gostava muito do meu corpo do jeito que era, mas também não era algo que me incomodava, porém todos à minha volta, inclusive minha família, colocavam uma enorme pressão para que eu mudasse”.
A modelo relata ter ouvido várias vezes o termo “irá voar desse jeito” ou “ficar doente de tão magra”, comentários que segundo a jovem geraram frustração e faziam despertar o desejo de mudar a qualquer custo. “Comecei a malhar, e a gastar horrores com suplementações desnecessárias, até que eu comecei a criar massa muscular, meu corpo foi se desenvolvendo e comecei a me sentir melhor comigo mesma”, relata a modelo.
Mas segundo ela, os comentários sobre seu corpo nunca pararam e nem vão parar. “Nunca estará bom o suficiente, porque ‘eu sou magra e não tenho nada do que reclamar’ ou ‘sou magra demais e preciso criar corpo’. Acho que as pessoas nunca irão parar com esse achismo sobre os outros, parece que há uma necessidade de dar opinião sobre algo que nem as convém. Isso só faz aumentar as inseguranças, as insatisfações, as doenças mentais e tudo o que isso acarreta”, desabafa.
Dentro das redes sociais, a influenciadora diz que acaba lidando com todo tipo de comentário, mas afirma que na mídia, a maioria das pessoas só mostram o lado bom da vida, ou seja, fotos nas melhores poses, ângulos e iluminações.
Letícia ainda relata que algumas pessoas acabam se frustrando ao ver os influencers com uma “vida perfeita”, sem sequer entender os problemas e inseguranças que passam, assim como qualquer outro ser humano. Para a modelo, essa falsa ideia de “vida perfeita” pode ser um fator que leva as pessoas a recorrerem a procedimentos estéticos, que visam conquistar aquele corpo que viu em uma foto.
De acordo com Letícia, as mudanças de padrões podem começar com esses influencers mesmo: “Muitas pessoas se inspiram, até mesmo se comparam, o que fazem, o que vestem, como se comportam… Talvez nem nós mesmos tenhamos noção da tamanha influência que causamos em quem nos assiste”. Ela explica que por mais que ainda existam muitos padrões, nas redes sociais é possível encontrar diversos exemplos de influencers que buscam desconstruir essa norma de “vida perfeita”, mostrando a realidade das pessoas. E segundo a jovem: “a tendência é só aumentar”.
Reportagem | Cleiton Roebster
Conteúdo produzido para o Primeira Pauta Digital | Disciplinas de Jornal Laboratório I e Jornalismo Digital, 4ª fase/2020