Evolução tecnológica impulsiona desempenho no esporte mundial
Investimento constante em equipamentos tecnológicos transforma o dia a dia de jogadores profissionais de alto rendimento
A tecnologia voltada ao esporte está presente em equipamentos que controlam, analisam e avaliam os atletas. Em 2022, é impossível pensar em esportes de alto desempenho, como o futebol profissional, sem vultosos investimentos em softwares, analistas e recursos técnicos avançados. Para se ter uma ideia de como essa evolução impacta no rendimento dos atletas, na década de 70, por exemplo, jogadores corriam cerca de quatro a sete quilômetros por partida. Nos campeonatos atuais, essa distância já duplicou. Os recursos tecnológicos à disposição de clubes e esportistas é a principal explicação para essa diferença.
Além de chuteiras e uniformes, a tecnologia revolucionou equipamentos importantes para testes personalizados e treinamentos exclusivos para a análise de desempenho físico de cada atleta profissional. Murilo Bedusco, 38, ex-jogador de futebol e campeão brasileiro da Série B pelo Joinville Esporte Clube (JEC) em 2014, conta que durante a carreira passou por algumas transições que aconteceram por conta da tecnologia. “Acredito que os equipamentos que existem são fundamentais para a performance dos atletas e, principalmente, para a recuperação”, compartilha.
Murilo comenta que em 2014 já existiam algumas tecnologias como o GPS e alguns aparelhos para fisioterapia e recuperação física. No JEC, por exemplo, eram realizados testes físicos, boas sessões de fisioterapia e musculação. Entretanto, ele afirma que com as tecnologias disponíveis atualmente, a carreira como atleta poderia ter sido mais duradoura. “Na época não existia bota de compressão, era uma banheira de gelo no máximo. Por isso, hoje em dia eu acho que poderia ter jogado por mais tempo.”
Nova era
A chegada da tecnologia modificou completamente a rotina dos jogadores profissionais. Avanços na preparação dos treinamentos, recuperação de lesões e desempenho desses atletas são nítidos a cada ano que passa. Um exemplo disso é o trabalho que os departamentos médicos das equipes realizam na prevenção de possíveis lesões. Com um rápido exame de sangue, um possível sinal de desgaste físico pode ser detectado e tratado.
Da mesma forma, atualmente existem diversas tecnologias presentes no meio esportivo para o rastreamento de distâncias percorridas durante os jogos e levantamento de dados envolvendo a saúde do atleta. Assim, cada caso é tratado individualmente para excelência do desempenho profissional.
Um exemplo é o atacante Rafael Costa, 34 anos, do Sampaio Corrêa Futebol Clube (MA). Atualmente, o atleta disputa a série B do Campeonato Brasileiro e passou por graves lesões nos joelhos nos últimos dois anos. “A minha rotina é cercada por equipamentos tecnológicos. Estou deitado na cama fazendo compressão ou jogando videogame e utilizando algum equipamento para recuperação”, explica Rafael. Assim como a rotina dele, muitos atletas são acompanhados por tecnologias voltadas ao esporte na maior parte do dia. Essas informações coletadas são fundamentais para o entendimento do desempenho tático, técnico e físico dos atletas e da equipe.
O programador, professor e engenheiro de software Gabriel Caixeta Silva, 32, explica que existem vários softwares para o controle do desempenho esportivo. Cada um programado para um tipo de análise. “Alguns utilizam sensores para calcular distâncias e batimentos cardíacos. Outros usam técnicas de machine learning para gerar informações que podem determinar se o jogador tomou decisões que correspondem ao seu papel na partida”, complementa Gabriel.
Um desses softwares é a plataforma “Playermarket”. Com ela, clubes profissionais utilizam da tecnologia, acoplada nas chuteiras de cada atleta, para gerar dados e realizar análises técnicas, físicas, controle de carga, entre outros. Além disso, é possível análises profundas como a relação do atleta com a bola, quantidade de passes, força e velocidade do chute e também a perda e recuperação de posse de bola.
Com o sucesso da tecnologia, utilizada por equipes como Fluminense (RJ), Bahia (BA), Atlético Mineiro no Brasil, e Manchester City e Leicester na Inglaterra, a empresa tornou-se integrante oficial do programa de inovação da Federação Internacional de Futebol (Fifa), entidade máxima do futebol internacional.
Com isso, os atletas estão sendo monitorados praticamente dos pés a cabeça, com GPS, aparelhos de massagem, exames constantes e outros equipamentos que auxiliam para um melhor desempenho físico durante a partida. A tecnologia está presente para auxiliar os departamentos médicos e técnicos dos clubes.
Agora, dados atualizados podem ser coletados a cada treino e demonstram se os jogadores estão se empenhando ou não. “O GPS já diz se treinei bem. A partir desses dados é decidido se terei que fazer um trabalho à parte após o treino ou se devo descansar para evitar lesões”, afirma Rafael.
Informações para entender como os adversários jogam também podem ser geradas com alguns equipamentos tecnológicos específicos. Após a análise dos dados, gráficos e tabelas, os departamentos técnicos se preparam para cada jogada que será realizada durante a partida.
Mas a maioria dos equipamentos tecnológicos existentes é voltada para o desempenho e recuperação física dos atletas. Emília Gesser, 31, é fisioterapeuta e atua no Instituto Atenas, uma clínica especializada em reabilitação esportiva de Joinville. Ela acredita que a tecnologia vem melhorando cada vez mais a análise do movimento, interferindo na visão preventiva e no desempenho de cada atleta.
Além disso, ela explica que a área da fisioterapia utiliza de aparelhos tecnológicos para o atleta atingir o seu mais alto desempenho sem se prejudicar. “Em caso de problemas, a função é prevenir e proteger o corpo e tratar fraturas ou lesões permitindo que se recuperem o quanto antes e retornem a seu desempenho padrão”, explica.
A evolução do jogo e a função da tecnologia
O futebol moderno, como é chamado por muitos, teve início na Inglaterra no século 19, mas com registros históricos que já existiam práticas parecidas ainda antes disso. Como relata Eduardo Hughes Galeano (1940-2015), um jornalista uruguaio que conta a história do futebol no livro “Futebol ao sol e à sombra”, em certo período deste momento o Rei Eduardo II condenava essa prática esportiva.
Além dele, outros reis ingleses como Eduardo III, Henrique IV e Henrique VI chegaram a proibir a prática do futebol. Ainda de acordo com Galeano, após alguns séculos a prática do futebol moderno, ainda em terras inglesas, tornou-se realmente efetiva. Isso aconteceu após clubes decidirem se aliar para criar um esporte por não aceitarem as regras do rugby.
Diferente dos tempos atuais, não existiam regras, o que tornava o futebol um “chuta para frente e vai”. De acordo com vários especialistas no tema, como Eduardo Galeano, as evoluções aconteceram a partir das mudanças táticas por conta da influência de grandes treinadores e atletas, que fizeram com que o jogo evoluísse. E, com isso, o futebol se torna cada vez mais dinâmico, com movimentos mais rápidos e partidas mais intensas.
Além disso, os aparelhos tecnológicos chegaram para auxiliar no espetáculo do futebol, que hoje se tornou um entretenimento para muitos. Se antigamente era tudo uma “bagunça”, atualmente é possível identificar quais posições do campo um jogador é mais efetivo, por exemplo. Tudo graças aos aparelhos utilizados por diversos profissionais.
Recuperação
Mais rápido, o jogo exige cada vez mais vigor físico dos atletas, com aumento de massa muscular, o que tem gerado várias lesões de diferentes níveis. Com as mudanças, os treinamentos se tornaram mais intensos, provocando esforços maiores das articulações do corpo, ou seja, a tendência de lesões se torna maior. Desta forma, a maioria dos aparelhos utilizados nos Centros de Treinamento (CT) dos clubes espalhados pelo mundo está relacionada à recuperação e fisioterapia.
“Quando estou lesionado, faço de duas a três sessões de fisioterapia por dia. A minha rotina é cercada por equipamentos tecnológicos. Até na hora de dormir, acordar. Estou deitado na cama fazendo compressão, jogando videogame e utilizando algum equipamento para recuperação”, conta o jogador do Sampaio Corrêa, Rafael Costa.
De acordo com ele, com todo esse cuidado, o tempo de recuperação diminui consideravelmente. “Uma lesão que demoraria de três a quatro meses para recuperar, eu consigo estar pronto em 2 meses e isso no futebol ajuda muito. Só que para ter sucesso nessa recuperação, é necessário dedicação do atleta também”, conclui.
“Só que para ter sucesso nessa recuperação, é necessário dedicação do atleta também.”
Rafael Costa
A tecnologia e os seus aliados
Com diversas pesquisas realizadas em todo o planeta, os avanços tecnológicos foram se espalhando e chegaram a várias áreas, principalmente na área da saúde. Como pode se perceber, a área da fisioterapia foi umas das que mais evoluíram nos quesitos tecnológicos e uma das mais importantes no mundo do futebol. Mas não é a única.
Nutrição, fisiologia e preparação física são alguns exemplos de áreas utilizadas no dia a dia do futebol que tiveram evoluções. Porém, não adianta em nada ter todos diversos softwares, em diferentes aspectos disponíveis para os jogadores, e não ter pessoas para conduzi-los da forma correta.
Fisioterapia
Como explicado anteriormente, a fisioterapeuta auxilia o atleta no seu mais alto desempenho sem lhe prejudicar. Segundo Emília, hoje utiliza-se o “Kineo Intelligent Load”, uma máquina revolucionária que visa a recuperação funcional na reabilitação e desempenho esportivo.
Ela conta que o aparelho utiliza de um sistema de trabalho multiestações para avaliação e treinamento em uma solução única, que permite ter a versatilidade e integridade necessárias para o especialista em recuperação funcional e fisioterapeuta.
“O Kineo é adequado para os estágios iniciais de reabilitação pós-lesão ou cirúrgica, até a reativação completa e melhoria do desempenho esportivo.” Para tratamento das lesões, os fisioterapeutas utilizam tecnologias desenvolvidas nos Estados Unidos, além de botas compressivas.
Educação Física
Outra área extremamente importante no dia a dia dos jogadores profissionais de futebol é a educação física. Aplicada principalmente nos treinamentos, ela se junta com outros aspectos para analisar o desempenho nos treinos e jogos.
Conforme o treinador das categorias sub-11 e sub-12 do Projeto Futebol de Campo SERCOS/PID, Otávio Eduardo Seiler, são utilizadas filmagens para correções técnicas, táticas, estratégias, além de protocolos para avaliar, mensurar e controlar aspectos físicos.
“No ambiente profissional de rendimento, acredito que a ligação (entre tecnologia e os treinamentos aplicados) é muito forte, eficaz e crucial, pois nos diversos esportes ela pode auxiliar na preparação e desenvolvimento das áreas mais importante dos atletas como: mental, físico, técnico”, frisa.
Preparação Física
Parte fundamental no meio esportivo, a preparação física está presente no treinamento do dia a dia dos atletas. Harrison Muzzy, 47, preparador físico do JEC/Krona Futsal – equipe que disputa a Liga Nacional de Futsal – explica que os profissionais dessa área ficam responsáveis pelo aquecimento dos jogadores, além de prescrever treinamentos.
Porém, ele também conta que preparadores físicos, principalmente no futsal, acumulam outras funções nas comissões técnicas, como a de fisiologista. “Equipes de futsal, mesmo no mais alto nível, ou seja, Liga Nacional do Brasil, Liga Nacional da Espanha e Rússia não possuem fisiologista. É questão de investimento das equipes que ainda não entendem que um profissional como esse possa agregar tanto valor”, revela.
Com isso, além de ser responsável por repassar, o preparador físico fica responsável pelo controle de avaliar e controlar os treinamentos. Ele conta também que a variedade de ferramentas tecnológicas vão variar conforme a disponibilidade do clube. Atualmente, no JEC/Krona Futsal a frequência cardíaca é controlada num sistema que se chama ‘Polar Team’, onde cada atleta usa um monitor de frequência cardíaca e a frequência deles aparece num tablet, sem necessidade do uso de um relógio.
“A gente utiliza uma ferramenta também que é para controle do treinamento, sono, repouso, recuperação, percepção subjetiva do esforço, uma escala que a gente chama de ‘totality’. Tudo isso é mensurado por meio de questionários online que os atletas têm que responder diariamente”, comenta.
Nutrição
Além de toda a tecnologia envolvida para o desempenho de um atleta, é importante que ele mantenha uma alimentação saudável. Por isso, equipes contratam nutricionistas para criar dietas e ficar de olho no que os atletas consomem. Alguns chegam até a contratar profissionais privados para ter um controle maior sobre sua alimentação diária. É como conta a nutricionista Thawanna Foscarini Schopchaki, 23, auxiliar técnica e membro da equipe multidisciplinar da Associação Studio Global de Karate – ASGK. “A nutrição esportiva pode ocorrer de diversas formas, sendo em consulta para times esportivos, ou mais comumente, através de consultas individualizadas”, explica Thawanna.
Ela ainda afirma que, geralmente nas consultas individuais, é necessário estar presente alguém do convívio do atleta, além do preparador físico e do treinador. Com isso, é possível reunir uma equipe que cuide da pessoa da melhor maneira possível, criando uma dieta que ajude ele.
A nutricionista explica que existe uma diferença entre a dieta para uma atleta de alto rendimento e os não profissionais. Ela explica que hoje já se sabe que o resultado do desempenho do atleta é um resultado entre hábitos alimentares e sono, responsável por cerca de 70%; e que o treinamento físico, técnico e tático, por apenas 30%.
Então, quando o atleta tem uma dieta especialmente pensando nas suas atividades diárias, que são, geralmente, de alto rendimento, ela pode prevenir não só lesões, como ajudar em muitos outros atributos da vida do jogador. “Uma dieta equilibrada pode facilitar o processo de recuperação muscular, melhorar o rendimento aeróbico e muscular, bem como rendimento, melhorar a concentração e disposição, reduzir processo inflamatório, bem como estresse metabólico”, diz Schopchaki.
E sobre lesões? A nutricionista explica que a dieta certa pode prevenir esse problema “através da alimentação podemos e devemos diminuir o processo inflamatório que o atleta faz inconscientemente ao executar treinos intensos e com altas cargas”. A nutricionista ainda complementa que esse exercício, além de gerar um estresse psicológico focado na competição, gera também um processo inflamatório, ocasionado principalmente pelo rompimento das fibras musculares, que posteriormente serão regeneradas e fortalecidas.
Com uma alimentação certa e equilibrada, o processo de recuperação, regeneração muscular e diminuição do estresse metabólico vão ocorrer, mas Thawanna afirma que é necessária uma forma exata de dieta. Tudo isso para que além do uso de aparelhos, o atleta possa utilizar da própria alimentação para ter uma performance melhor.
Cardiologia
A cardiologia é responsável por “cuidar” do coração e de realizar o diagnóstico e tratamento das doenças que acometem o principal órgão do corpo humano. E, como qualquer pessoa, os jogadores de futebol podem sofrer com doenças do coração que fazem com que eles sejam impedidos de continuar a carreira.
Um dos casos mais emblemáticos do futebol brasileiro é o falecimento do jogador do São Caetano, Paulo Sérgio Oliveira da Silva, em 27 de outubro de 2004, durante uma partida contra o São Paulo. Mais conhecido como Serginho, o zagueiro, que tinha 30 anos, sofreu uma parada cardíaca em pleno estádio do Morumbi e, mesmo sendo socorrido por equipes médicas, morreu.
Com a morte de Serginho, os departamentos médicos de clubes brasileiros, mesmo aqueles com menor infraestrutura, começaram a se preocupar ainda mais com a parte cardíaca dos atletas.
Em 15 de dezembro de 2021, o jogador argentino Sergio Agüero, 33, anunciou que deixaria os gramados após descobrir que teve uma arritmia cardíaca em uma partida alguns meses antes.
Ele, que disputou três copas do mundo pela seleção argentina e possui cinco campeonatos inglês no currículo pelo Manchester City, estava em campo pelo Barcelona no Campeonato Espanhol quando sentiu tontura e fortes dores no peito. Depois disso, o clube anunciou que o atleta ficaria de fora de combate por três meses. Porém, a situação foi pior do que se esperava e ele teve que “pendurar as chuteiras” mais cedo do que o esperado.
Bernardo Gonçalves, Felipe Vecchio e Gabriel Hellmann