HISTÓRIAS E MEMÓRIAS: JOINVILLE POR OUTRO ÂNGULO

#7 Luzes, Câmera, Joinville: uma viagem cinematográfica

Comemorando 126 anos de cinema no Brasil, reviva a trajetória dos cinemas de rua em Joinville antes da era dos complexos em shoppings

O cinema brasileiro celebrou 126 anos no dia 19 de junho, marcando a data em que foram registradas as primeiras imagens em movimento no país. Em Joinville, a história das produções cinematográficas remonta ao início do século 20, com grandes exibições no Cine Palácio, praça da Bandeira e Cine Colon, na Praça Nereu Ramos. Ambos eram conhecidos como o famoso cinema de rua.

Esses cinemas, com sua arquitetura distinta, eram pontos de encontro social e cultural, onde as pessoas se reuniam para assistir a filmes, experimentar novas histórias e compartilhar experiências cinematográficas. No entanto, esses espaços foram progressivamente substituídos pelos cinemas em shoppings, alterando a forma de consumir a sétima arte na cidade.

O início do cinema na cidade

Cinemas que já existiram em Joinville:

Cine Guarani – por volta de 1911, era a sala de cinema do Salão Berner, na rua Nove de Março

Cine Floresta – por volta de 1912, era um cinema de rua que funcionou na rua do Príncipe

Cine Palácio – de 1943 a 1990, localizado perto do terminal urbano (antiga igreja universal)

Sesi – entre o fim dos anos 60 e o começo dos anos 70, o prédio da instituição na rua Ministro Calógeras contou com uma sala

Sambaqui – em fins dos anos 70, o museu arqueológico contou com um clube de cinema 

Cine Colon – de 1956 até 1983, ao lado da praça Nereu Ramos

Cine Chaplin – de 1984 a 1991, localizado na rua Princesa Izabel

Cine Rex – funcionou nos anos 1940, ficava dentro da Liga da Sociedade Joinville

Museu de Arte de Joinville – entre 1976 e 1977, o MAJ teve sessões semanais, além de receber cursos e palestras sobre cinema. 

Cidadela Cultural – De 2001 a 2007, a Fundação Cultural promoveu os Ciclos de Cinema numa sala batizada com o nome do saudoso Germano Jacobs. 

Os espaços, que comumente tinham projetores instalados para a exibição de filmes, iam além de simples salas escuras. Eram verdadeiros centros culturais, palcos onde  eram performadas diversas formas de expressão artística. As projeções cinematográficas dividiram espaço com a poesia do teatro, a graciosidade da dança, a elegância da patinação e a harmonia da música. Além disso, também abrigavam atividades beneficentes e grandes bailes carnavalescos, marcando a memória coletiva da cidade.  

A primeira sala de exibição de Joinville surgiu em 1911, conhecido como Cine Guarani, funcionava no Salão Berner, na rua 9 de Março. Porém, foi somente na década de 50 que os cinemas mais modernos começaram a se popularizar.

No início o Cine Palácio, conhecido como Theatro Nicodemos até 1943, dividia o espaço com outras formas de arte, assim como os antigos salões. Nos anos 60, o lugar passou a funcionar exclusivamente como sala de projeção. O ambiente era composto por duas salas com capacidade total para 1.100 pessoas. Lá, eram exibidos filmes pornográficos, que durante alguns anos foram a principal fonte de sustento financeiro do local, junto com as produções hollywoodianas. 

Entretanto, aos poucos  as salas lotadas ficaram vazias. Aquelas que antes tinham todas as poltronas ocupadas,  passaram a exibir filmes para apenas uma pessoa. 

Na época, relatos publicados no jornal A Notícia, falavam que o proprietário estava colhendo o que plantou, pois há muito tempo as pessoas desistiam de ir ao local sabendo o que iriam encontrar: desconforto, cheiro de mofo, problemas técnicos na projeção e sonorização, entre outros.

Aproveitando que o Cine Palácio estava em declínio, o jornalista Luiz Meneghin, inaugurou o Cine Chaplin, em 1984. Com 180 lugares, projetor de 35mm, ar condicionado, poltronas estofadas e sessões diárias, acabou por cair no gosto da população.

Apreciador do cinema, Meneguin tinha o objetivo de mostrar obras de maior qualidade, abrangendo um público mais exigente. Além disso, o preço era atrativo, 1.500 cruzeiros (atualmente seriam 0,55 centavos).

Foi então que, com a competitividade, o Cine Palácio finalmente foi reformado. Mas já não adiantou muito. “Ao que parece, joinvilenses desacostumaram-se com a magia da Sétima Arte” foi o título de uma matéria do jornal A Notícia em 1991 para descrever o declínio do cinema na cidade.

“Ao que parece, joinvilenses desacostumaram-se com a magia da Sétima Arte”
título de uma matéria do jornal A Notícia em 1991

Eu assisti alguns filmes dos Trapalhões no Cine Palácio. Na época não existia o Shopping Mueller, foi nos anos 90. Eu tinha uns 10 anos mais ou menos”, contou Fabrício Porto, jornalista e professor de cinema da faculdade Univille. “Era um cinemão, mas também muito abandonado. Acredito que acabou, pois não teve investimentos, enfim, estava meio estagnado”.

O Cine Chaplin fechou as portas em 1991, tornando-se um local com salas de escritórios. Já as luzes do Cine Palácio apagaram pela última vez em 1995. Hoje, o Palácio 1 é ocupado pelos cultos da Igreja Universal e no lugar do Palácio 2 há lojas comerciais.

Os cinemas de rua tentaram se reinventar durante os anos, mas seu destino já estava fadado ao fracasso desde a tragédia que ocorreu em 1983.

Cine Palácio x Cine Chaplin

No início o Cine Palácio, conhecido como Theatro Nicodemos até 1943, dividia o espaço com outras formas de arte, assim como os antigos salões. Nos anos 60, o lugar passou a funcionar exclusivamente como sala de projeção. O ambiente era composto por duas salas com capacidade total para 1.100 pessoas. Lá, eram exibidos filmes pornográficos, que durante alguns anos foram a principal fonte de sustento financeiro do local, junto com as produções hollywoodianas.

Entretanto, aos poucos as salas lotadas ficaram vazias. Aquelas que antes tinham todas as poltronas ocupadas, passaram a exibir filmes para apenas uma pessoa.

Na época, relatos publicados no jornal A Notícia, falavam que o proprietário estava colhendo o que plantou, pois há muito tempo as pessoas desistiam de ir ao local sabendo o que iriam encontrar: desconforto, cheiro de mofo, problemas técnicos na projeção e sonorização, entre outros.

Aproveitando que o Cine Palácio estava em declínio, o jornalista Luiz Meneghin, inaugurou o Cine Chaplin, em 1984. Com 180 lugares, projetor de 35mm, ar condicionado, poltronas estofadas e sessões diárias, acabou por cair no gosto da população.

Apreciador do cinema, Meneguin tinha o objetivo de mostrar obras de maior qualidade, abrangendo um público mais exigente. Além disso, o preço era atrativo, 1.500 cruzeiros (atualmente seriam 0,55 centavos).

Foi então que, com a competitividade, o Cine Palácio finalmente foi reformado. Mas já não adiantou muito. “Ao que parece, joinvilenses desacostumaram-se com a magia da Sétima Arte” foi o título de uma matéria do jornal A Notícia em 1991 para descrever o declínio do cinema na cidade.

“Eu assisti alguns filmes dos Trapalhões no Cine Palácio. Na época não existia o Shopping Mueller, foi nos anos 90. Eu tinha uns 10 anos mais ou menos”, contou Fabrício Porto, jornalista e professor de cinema da faculdade Univille. “Era um cinemão, mas também muito abandonado. Acredito que acabou, pois não teve investimentos, enfim, estava meio estagnado”.

O Cine Chaplin fechou as portas em 1991, tornando-se um local com salas de escritórios. Já as luzes do Cine Palácio apagaram pela última vez em 1995. Hoje, o Palácio 1 é ocupado pelos cultos da Igreja Universal e no lugar do Palácio 2 há lojas comerciais.

Os cinemas de rua tentaram se reinventar durante os anos, mas seu destino já estava fadado ao fracasso desde a tragédia que ocorreu em 1983.

Cinzas e lembranças: a tragédia dos cinemas em Joinville

Foi no dia 8 de outubro de 1936 que os membros do clube Liga da Sociedade Joinvilense presenciaram um trágico incêndio. A catástrofe não apenas destruiu o clube,  mas também colocou abaixo uma das primeiras salas de cinema da cidade: o Cine Rex, também conhecido como Cine Majestyc. 

O operador, que trabalhava no local, deixou o filme enrolar no projetor e, em pouco tempo, o fogo consumiu o cinema. Ninguém se machucou, entretanto a família que administrava o Cine Rex perdeu todos os seus pertences. Na época, os sócios realizaram uma festa em tom fúnebre nos próprios escombros do prédio, que levaram semanas até serem totalmente recolhidos. O clube, conhecido atualmente como Teatro da Liga, foi reconstruído no mesmo local, curiosamente, ao lado do Corpo de Bombeiros Voluntários.

Junto com o clube, o cinema voltou a funcionar, mas apenas até os anos 1950.

Após 47 anos da tragédia que consumiu o Cine Rex e parte da história cultural de Joinville, a cidade esteve novamente mergulhada no pesadelo das chamas. Um novo capítulo sombrio se desdobrou quando o luxuoso Cine Colon também foi consumido pelas chamas.

O cinema que acomodava 1,2 mil pessoas e ostentava uma tela de 16 metros de largura, era o local mais frequentado da época. De acordo com registros do Arquivo Histórico, a multidão se aglomerava na praça Nereu Ramos, no centro, à espera das sessões e para namorar. A sessão aos domingos era disputadíssima, quase sempre era preciso colocar mais cadeiras para acomodar tanta gente.

E foi na data que marcava o aniversário de 27 anos do local, que mais uma vez a cidade perdeu uma parte de sua história cultural. O incêndio iniciou à meia-noite. Foram necessários 37 homens, oito viaturas e 1.300 mil litros de água para apagar as chamas. De repente, o sonho das telas e os flertes na praça foram transformados em cinzas e nunca mais reconstruídos. O último filme projetado foi “A Máquina Prateada”, sobre automobilismo. O incêndio foi  causado por um curto-circuito no disjuntor.

O declínio dos cinemas de rua e a ascensão dos cinemas de shopping

A partir dos anos 90, as salas de projeção foram se consolidando dentro de shoppings, mudando totalmente a maneira de consumir cinema. Em 1991, a Lojas Americanas, um pequeno shopping center, abriu duas salas de cinema. Em 1995, dois novos shopping centers inauguraram suas salas: o Shopping Cidade das Flores, com duas salas, e o Shopping Mueller, com quatro.

Nessa época, Joinville se tornou campeã de bilheteria. Com as salas de cinema localizadas nos shoppings e a entrada na rota dos grandes lançamentos nacionais, essa forma de entretenimento voltou a fazer parte da vida dos joinvilenses.

“Lançamentos nacionais, grandes filas e salas lotadas. Este trinômio tem sido a imagem mais frequente nos cinemas de Joinville nos últimos tempos, dando sinais de que o joinvilense elegeu a sétima arte como uma de suas preferidas, e não só nos finais de semana. Os motivos? Bons filmes, lançamentos simultâneos com os grandes centros, salas confortáveis e bem aparelhadas e a segurança dos shoppings. Tudo isso trouxe de volta o hábito de comer pipoca no escurinho do cinema”, foi o que saiu no jornal A Notícia em 1996.

No primeiro final de semana, o Cine Mueller colocou 3.927 pessoas na sala. Segundo registros, foi a terceira maior bilheteria da comédia em todo o Brasil em sua estreia, ficando atrás apenas de Porto Alegre e São Paulo. Isso aconteceu porque os preços ficaram mais acessíveis, entre R$3,00 e R$4,00, comparado com outras cidades como Florianópolis, cerca de R$5,00, Porto Alegre que tinha o valor entre R$6,00 e R$7,00 e Curitiba, sendo a mais cara, tendo em média o valor do ingresso por R$7,00.

Além disso, as famílias se sentiam mais seguras dentro do shopping. As salas eram confortáveis, o som de boa qualidade e o Cine Mueller ainda oferecia um diferencial, transmissão de TV a cabo antes de cada sessão.

Hoje, Joinville conta com 11 salas de cinemas divididas em três shoppings. A GNC Cinemas, empresa brasileira do ramo de exibição cinematográfica, gerencia 6 salas no shopping Garten e mais três no shopping Mueller. Já no shopping Cidade das Flores, o cinema é por conta do Cine Uniplex e conta com duas salas de exibição.

Mais que entretenimento, o cinema também teve um impacto cultural

Além do impacto histórico na cidade, o cinema também foi responsável pela identidade cultural da região. Ele remonta uma época na qual as pessoas se reuniam para compartilhar experiências, satisfazendo uma necessidade básica, a de se comunicar.

Porto conta que, ainda nos anos 2000, existia o ciclo de cinema, que acontecia na Cidadela Cultural Antárctica. “Havia uma sala que, com uma programação semanal, passava alguns filmes, todo mês tinha uma temática diferente”, relembra Fabrício. “Era uma exibição bem simples, um projetor e uma caixa de som, mas os filmes que passavam ali eram bem interessantes”, continuou, “ao final da sessão, rolavam debates acerca do filme.”

Para o professor de psicologia Lucélio Budal Arins, o cinema é um retrato social do que a gente vivencia. Usando o exemplo dos Estados Unidos, ele reflete que acabamos nos apropriando de uma cultura que não é nossa. “As pessoas pensam que onde nós moramos é feio, que tudo nos Estados Unidos é melhor e isso acontece porque compramos a enxurrada de conteúdo que a gente recebe de fora”.

Por esse motivo, Lucélio acredita na importância do cinema brasileiro. Ele diz que não vemos as produções nacionais no sentido apenas de crítica, mas também enxergamos a beleza que tem na nossa cultura. “Se você não pode viajar e conhecer outras culturas do nosso próprio país, você pode ao menos consumir isso no cinema”, comentou o professor.

Mais que entretenimento, o cinema também faz parte da história e tradições das famílias. João Gabriel, jornalista e repórter da CBN, conta que sua paixão por filmes surgiu por causa de seu pai, que passou o sentimento não apenas para ele, mas também para seus irmãos. “Quando eu era mais novo, íamos ao cinema quase toda semana, a gente aproveitava a promoção de terça-feira, assistiamos todos os tipos de filmes, das maiores produções, como Guardiões da Galáxia, na época de ascensão da Marvel, até os que nos decepcionaram, como Frankenstein”, relembra João. 

O jovem relembra uma história que o marcou, quando ele e a família foram ao cinema e o ar condicionado estava com problema. “Como não estava quente, resolvemos arriscar”, disse. “Era o filme “O Hobbit”, com quase três horas de sessão e, além do ar, na hora que ia começar a ação de verdade, caiu a energia e demorou até voltar. Passamos calor e ainda atrasou o filme”, completou.  

Produção cinematográfica local

Atualmente, há alguns locais que proporcionam a exibição de filmes produzidos por artistas locais em Joinville. Entre esses lugares, está a Galeria 33, fundada em 2014, que promove a arte e cultura local por meio de exposições e revenda de obras de arte. Este ano, 2024, eles foram palco do Shortcutz Experience, dedicado a curta-metragens. O evento traz um novo olhar sobre o fazer artístico e urbano de ideias, unindo projetos às pessoas.

Para o estudante de cinema Leonardo Roque Johnson, a exibição de filmes regionais não só auxilia na promoção de artistas da região, como também impacta culturalmente. Ele acredita que essa prática é crucial para que as futuras gerações possam conhecer e consumir obras produzidas na cidade. “É  importante para que as pessoas consigam estudar o momento em que vivemos, a evolução do nosso pensamento e comportamento, e entender como os contextos históricos influenciam a produção artística”, diz ele.

Esses espaços gratuitos são importantes pois, apesar do Brasil contar com mais salas de cinema do que em qualquer outro período da história, essa expansão não garante acesso igualitário a todos.

Conheça o
Galeria 33

Acesso ao cinema em um mundo de streamings ​

Além de espaços de projeções cinematográficas gratuitas, vivemos em um momento  em que os serviços de streaming estão em ascensão. Isso faz com que a indústria cinematográfica brasileira passe por transformações significativas. Esse fenômeno trouxe tanto desafios quanto oportunidades para o cinema. 

Para o professor Lucélio, a democratização do acesso ao cinema vai além da falta de salas de exibição. Ele aponta para a questão econômica, destacando como certos elementos afastam as pessoas do ambiente. “Algumas coisas afastam as pessoas porque elas não se imaginam naquele lugar. O fato dos cinemas serem colocados nos shoppings dá uma perspectiva de que só entra quem tiver dinheiro”.

Uma das principais vantagens dos streamings em relação ao cinema é a ampliação do alcance e da visibilidade das produções nacionais. Anteriormente, filmes brasileiros muitas vezes tinham uma distribuição limitada em salas de cinema, o que dificultava o acesso do público. Com as plataformas de streaming, essas produções podem ser disponibilizadas para milhões de assinantes em todo o mundo, aumentando sua visibilidade e oportunidades de sucesso.

“Ficou mais fácil encontrar filmes joinvilenses, assim como de qualquer lugar. Já o cinema como espaço físico segue perdendo o público que prefere ver o filme em casa e/ou não vê diferença na experiência”, comenta Roque. Para ele, isso acontece porque as estratégias de lançamento dos estúdios colocam os filmes para aluguel duas semanas depois da estreia nos cinemas, e em alguns casos logo na estreia

O CINEMA VAI ACABAR?

A ideia de que o cinema vai acabar é uma preocupação que surge de vez em quando, especialmente com o surgimento de novas tecnologias e mudanças nos hábitos de consumo de mídia. No entanto, até agora, o cinema tem mostrado uma incrível capacidade de se adaptar e evoluir.

Embora o streaming e outras formas de entretenimento em casa tenham ganhado popularidade, o cinema ainda oferece uma experiência única que muitas pessoas apreciam. Além disso, grandes produções de Hollywood continuam a ser lançadas nos cinemas, e o público ainda valoriza a experiência de assistir a um filme na tela grande, com som surround e numa atmosfera envolvente.

PRODUÇÃO

Nicole Medeiros & Sandy Mahls

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