HISTÓRIAS E MEMÓRIAS: JOINVILLE POR OUTRO ÂNGULO

#1 Projetos Sociais transformam vidas no bairro Jardim Paraíso

Iniciativas em educação, esporte e cultura promovem mudanças positivas e fortalecem a comunidade local

Ao caminhar pelas ruas movimentadas do bairro Jardim Paraíso, mergulhamos em uma atmosfera acolhedora. A comunidade local, unida e receptiva, transmite um sentimento de acolhimento que se torna palpável a cada passo. O pulsar da vida local, aliado à sua natureza, faz deste lugar um verdadeiro paraíso a ser descoberto por todos que visitam o local pela primeira vez.

Logo ao cruzar suas principais ruas, que são arborizadas e asfaltadas, somos recebidos pela calorosa hospitalidade dos moradores, que irradiam alegria e simpatia, proporcionando uma sensação de pertencimento imediato. O bairro que hoje pertence a Joinville tem raízes na antiga ocupação de Cubatão, assim nomeado em referência ao rio que vagueia pela região. Regularizado como loteamento em São Francisco do Sul, o Jardim Paraíso testemunhou uma história rica e multifacetada. Durante muitos anos, este pedaço de terra pertencia à cidade litorânea, mas o destino traçou um novo caminho a essa população em 1992. Movidos por um clamor popular e respaldados pela Lei n° 8.563, os moradores locais viram seu território anexado a Joinville, como um grande triunfo da união de cada um.

As origens deste bairro são um mosaico de culturas. Lusitanos, caboclos, negros e germânicos encontraram na terra um lar e uma oportunidade de sustento, dedicando-se à produção agrícola. No entanto, as famílias pioneiras não encontraram apenas o verde fértil, mas também desafios imensos, principalmente devido à ausência de infraestrutura básica. Assim, o Jardim Paraíso nasceu e cresceu, carregando consigo histórias de luta e perseverança, moldadas pelas mãos calejadas de seus primeiros habitantes.

Com população de pouco mais de 20 mil habitantes e dez quilômetros de distância do Centro, números que tornam o bairro localizado na zona norte da Joinville o sétimo mais populoso do município, o Jardim Paraíso vem desde meados dos anos 2000 ganhando e alimentando fama de ser violento. Esse preconceito foi alimentado por anos de má cobertura da mídia municipal e de boatos compartilhados por pessoas de fora do bairro nas redes sociais. Essa má condução é destacada por notícias que só evidenciam os índices  relacionados ao crime organizado e às mortes que lá ocorreram.

Porém, o Jardim Paraíso vai muito além dos casos isolados que aconteceram na região. O local é repleto de iniciativas que buscam mudar a realidade social de crianças e jovens por meio do esporte, educação e fé. Para os moradores que vivem longe do mundo do crime, o consenso é de que o bairro não é violento como falam. É sim, tranquilo e proporcionador de muitas oportunidades para quem deseja levar uma vida confortável e construir sua família. 

Moradores

“Paraíso é viver em comunidade”. Assim define a moradora e ativista comunitária Inês Gonçalves, de 55 anos, que vive no bairro desde 1985. Ela relembra que os moradores do bairro precisaram lutar por direitos. “Tivemos sempre que movimentar as lutas para garantir o básico. Primeiramente, lutamos para sermos anexados no município de Joinville, já que éramos de São Francisco do Sul, depois pelo básico, como água, luz, saneamento, saúde e segurança. Nada veio sem ter a participação e cobrança da comunidade”, diz.

A moradora conta ainda que pela imagem que o bairro carrega, os moradores ainda precisam lutar para garantir seus direitos em meio ao poder público e também a sociedade: “Hoje vejo o quanto foi importante essa união, ainda temos necessidades, pois o bairro cresce a cada dia e os serviços públicos não acompanham, além do bairro ter várias imagens de quem não o conhece e facilmente faz julgamentos dos que moram aqui. Até hoje os moradores do Jardim Paraíso precisam viver se defendendo dos olhares e comentários de quem é de outro bairro.” 

Para Inês, a “má fama do bairro” é fortalecida pela mídia e pelas políticas partidárias. Ela relata que no passado, o bairro enfrentava uma lei de toque de recolher que não existia em outros lugares da cidade. “Nesta época só tinha um comando e uma viatura que atendia toda a região e tudo que acontecia era contabilizado como sendo no Jardim Paraíso”, relata.

“Somos piadas de comediantes, sem medição de quanto isso afeta a nossa autoestima"
Inês Gonçalves, 55 anos
Ativista Comunitária

A moradora relembra que a questão das disputas do tráfico, entre as facções, e a ausência de políticas públicas, principalmente na segurança, piorou o julgamento sobre o bairro: “Somos piadas de comediantes, sem medição de quanto isso afeta a autoestima, principalmente das crianças e jovens que muitas vezes não dizem onde moram para não sofrer preconceito. São muitas pessoas que destilam preconceito ou compram a ideia que o bairro é violento até conhecer, e verificar a injustiça que é cometida com os moradores”. Para Inês, o bairro tem um aconchego e respiro de lar. “O bairro é igual a outro qualquer, tem seus defeitos e qualidades, foi aqui que construí minha família e aqui é minha casa e meu lar”, conclui. 

Esse consenso de que o Jardim Paraíso é um bom lugar para se morar não é registrado apenas entre os moradores mais antigos, mas também está presente no relato da juventude. Nascida e criada na região, Leticia Trindade, de 19 anos,  tem muito orgulho do lugar onde mora. “Sinceramente, me sinto segura aqui. Quem é morador, às vezes, sofre preconceitos e comentários negativos. Além disso, gosto da tranquilidade e de tudo que o bairro nos proporciona, como escolas, lotéricas, bancos e também empregos”, destaca a estudante de Comércio Exterior. 

Aos 23 anos de idade, Marcela Martins só tem lembranças boas de sua infância vivida na comunidade. Tempos em que se construíram grandes amizades e histórias. “Aqui estou perto da minha família. O bairro oferece muitas coisas e todos os lugares são perto um do outro. Isso é ótimo quando precisamos de algo com certa prioridade e acabamos até economizando tempo”, relata. 

O verdadeiro tesouro do Jardim Paraíso, contudo, está na sua solidariedade única, que nos convida a desacelerar e apreciar os pequenos detalhes da vida. É um lugar onde quem pode, cria e investe nos valores humanos e no bem-estar social. Um lugar onde existem e resistem muitos projetos sociais, que hoje são referência de transformação, acolhimento e família para os moradores. Projetos que percorrem anos e gerações num grande esforço solidário que tem como objetivo melhorar um ou mais aspectos dentro da comunidade.

O Jardim Paraíso é muito mais do que dizem ou do que comentam sem saber. É um verdadeiro refúgio para quem precisa, possui muitas qualidades e boa estrutura e que o faz ser amado por quem o conhece bem. Conhecer esse lugar é embarcar em uma luta diária de descoberta e bem-estar social que vale a pena ser vivida.

Ideias que inspiram

Por todos seus anos de luta e reivindicações da população local, o Jardim Paraíso é território de muitas histórias e iniciativas que visam o melhor para o bairro.

Histórias que inspiram e enchem de orgulho de quem faz parte da comunidade, o trabalho social presente na região é muito forte, com anos transformando a vida de quem mais importa, as crianças e os jovens. Presente e futuro aliados a um só desejo, oferecer oportunidades e construir um mundo melhor. 

O Jardim Paraíso é repleto de pessoas que lutam dia a dia, superando obstáculos e dando o seu melhor em tudo o que fazem. É lindo ver o brilho nos olhos de cada pessoa responsável por esses projetos. Trabalhos feitos com amor e dedicação.   

É impossível não se deparar com os inúmeros projetos sociais que tomam forma a cada metro quadrado. Estes empreendimentos comunitários têm transformado vidas e alimentado sonhos, irradiando esperança e inspiração. Para narrar um pouco dessa história de dedicação e impacto, destacamos dois projetos sociais que, há anos, vêm iluminando a vida da comunidade com sua perseverança e altruísmo.

Projeto Júpiter Futsal

É inspirador observar a dedicação dos treinadores e voluntários, que não apenas ensinam os fundamentos do futsal, mas também atuam como mentores e modelos a seguir para os jovens atletas. Cada treino se inicia com uma roda de devoção, em que os meninos se abraçam em círculo e rezam por aquilo que é mais importante para eles, seja o sonho, a conquista ou a chance de estar ali. 

Além disso, o Projeto Júpiter Futsal é uma oportunidade para cultivar valores como perseverança, superação de desafios e autoconfiança, preparando as crianças não apenas para os jogos dentro de campo, mas também para os desafios da vida cotidiana.

O Projeto Júpiter Futsal, criado em 2010, aposta no esporte como ferramenta de transformação social. Coordenado por Robson Becker, o esporte é um instrumento importante para cada criança demonstrar o que ela é, seja brincando ou apostando no futebol como algo ainda maior para seu futuro.

Robson começou o projeto por meio de uma necessidade pessoal e uma alternativa de entreter as crianças do bairro. “Tudo começou quando procurei uma escolinha de futebol para meu filho e não encontrei, e nisso eu observei a necessidade de criar algo que pudesse divertir essa molecada, de uma forma disciplinar e recreativa”. 

Abaixo destacamos o número de crianças que participam do Projeto Júpiter Futsal e os anos de sua existência.

JOINVILLE

Júpiter Futsal

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Crianças partcipantes

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Anos de funcionamento

O projeto acolhe cerca de 220 crianças, entre 5 e 13 anos, cheios de sonhos e esperanças. O compromisso com a educação é a chave para ingressar nesta iniciativa: o coordenador, com rigor, solicita o boletim escolar de cada aluno no final de cada semestre, exigindo médias positivas para que possam continuar no grupo.

Mantido pela generosidade de voluntários, o projeto encontra suporte nas quadras  cedidas por diretores de duas escolas públicas da região. Os serviços administrativos e de secretariado são conduzidos com dedicação por Patrícia dos Santos, esposa de Robson, e pelo filho mais velho do coordenador. Esta família se une com fervor para oferecer as melhores condições sociais às crianças, tecendo disposições comunitárias de cuidados e oportunidades.

O projeto também é abençoado com o apoio de patrocinadores, desde grandes marcas locais até estabelecimentos do bairro e os próprios pais dos alunos, que, quando podem, contribuem com o que têm. Toda ajuda é bem-vinda, sustentando a missão de oferecer um futuro melhor para o grupo e a comunidade, fortalecendo laços e nutrindo esperanças.

O projeto se tornou uma referência tão sólida no bairro e na cidade que agora se orgulha de ter entre os ex-alunos uma figura bem conhecida dos joinvilenses. O jogador Guilherme Cachoeira, de 21 anos, é um exemplo. Antigo participante do projeto, Guilherme hoje se destaca como jogador profissional em ascensão, com contrato com o Fortaleza Esporte Clube e atualmente jogando pelo Clube do Remo, em Belém do Pará.

Este sucesso é uma fonte inesgotável de orgulho para o treinador Robson, que vê nele a personificação dos sonhos que alimenta nas crianças do projeto. A trajetória de Guilherme é uma inspiração luminosa para os jovens que almejam seguir uma carreira no futebol, provando que, com dedicação e apoio, qualquer meta é alcançável.

Mas talvez o aspecto mais impactante do programa seja o potencial de transformação social. Ao oferecer oportunidades de inclusão e acesso ao esporte para crianças de todas as origens e condições socioeconômicas, o projeto quebra barreiras e constrói pontes na comunidade, fortalecendo os laços de solidariedade e coesão social.

O talentoso Arthur Fernandes, de 13 anos, já participa do projeto há um ano e reconhece o impacto profundo que ele teve em sua vida. Com grandes sonhos para o futuro no futebol, Arthur se sente motivado e inspirado. “O professor sempre nos incentiva, tanto na quadra quanto na escola. Este ano, conquistamos o campeonato sub-13, e foi uma experiência extremamente alegre. Quero levar essa vitória para o meu futuro e me tornar um grande jogador de futebol”, relata.

Para Felipe Becker, também com 13 anos e parceiro de quadra de Arthur, a participação no projeto parecia inevitável. Filho mais novo do treinador, Felipe cresceu dentro das quadras, respirando o ambiente esportivo desde cedo. “Cresci dentro do projeto; meu pai me trazia para os treinos, e hoje vejo de perto como o projeto ajuda a tirar essas crianças das ruas. Um dia, quero ser um jogador profissional e um treinador, assim como meu pai”, compartilha Felipe, evidenciando a influência positiva e o legado inspirador que o pai carrega.

O Projeto Júpiter Futsal é muito mais do que um simples programa esportivo. É uma verdadeira escola de vida, por meio da qual as crianças do bairro Jardim Paraíso têm a chance de crescer, se desenvolver e realizar seu potencial, enquanto também contribuem para a construção de uma comunidade mais unida e inclusiva. É um exemplo inspirador do poder do esporte para transformar vidas e fazer a diferença no mundo.

Projeto social Acolher

Projeto Acolher Joinville – Arquivo Pessoal

Em um galpão da Igreja Batista e ao lado da Escola Municipal Professora Maria Berezoski Demarchi, está localizado o Projeto Acolher. Há 24 anos mudando a história e a realidade social de centenas de crianças e adolescentes, a iniciativa partiu do pastor Ricardo e hoje se estendeu também para sua filha, Débora Cristina de Oliveira

Baseado nos valores cristãos, o projeto teve início no ano 2000 e sempre teve o mesmo objetivo: mudar a realidade social dos moradores locais com muita fé e força de vontade. 

“Meus pais vieram do Rio de Janeiro e logo quando chegaram aqui se depararam com essa necessidade social dos moradores”, conta Débora. “E para ele não fazia sentido ser um pastor de igreja enquanto essas crianças estavam na rua”, acrescenta. 

A ação começou junto com a avó, Nercy Molina, com o apoio da comunidade e de alguns patrocinadores. O esporte é uma marca registrada e tem papel fundamental para a vida dessas crianças e adolescentes. 

Anteriormente à compra do galpão, a iniciativa acontecia nas quadras da Escola Municipal Hans Dieter Schmidt. Com ajuda da diretora, o pastor Ricardo conseguiu alugar as quadras aos sábados, das 8h às 14h. “Participava uma galera, dos 8 aos 18 anos, e ele fazia vários times”, relembra Débora. “Antes de começar os treinos, meu pai sentava com eles para fazer o “momento devocional”, que, para nós cristãos, é um momento em que se fala das práticas e de alguns valores bíblicos, como o respeito com o próximo e o trabalho em equipe”, explica.  

Há 9 anos no projeto, Helena*, 14 anos, ficou sabendo da iniciativa por sua mãe. Os vizinhos comentaram sobre o Projeto Acolher e as atividades desenvolvidas com as crianças. Recém-divorciada e com duas filhas para cuidar, solicitou a vaga e hoje a menina divide seu dia entre escola e o projeto.

“O que mais gosto de fazer aqui é jogar vôlei”, fala entusiasmada. “Às vezes, jogo futebol e faço minhas atividades da escola”, finaliza Helena*. Com bolsa em uma escola particular da cidade, ela pretende estudar muito e conquistar seu objetivo: ingressar no curso de medicina veterinária. 

Outro jovem que também participa do projeto é o Gabriel* , de 14 anos. Há três anos por lá, o menino entende a importância e a missão que a iniciativa tem no bairro. Sempre muito disposto a contribuir com às aulas, ele ajuda no que for preciso e tem o esporte como hobby preferido em sua vida. 

“Adoro jogar vôlei e futsal, mas o que mais gosto é o jiu-jitsu”, revela. As aulas de reforço que tive aqui também contribuíram muito para mim, tinha dificuldades em história e português na escola”, diz Gabriel*.  Quanto ao futuro, ele ainda não tem muitas certezas, mas certamente será um grande ser humano, e, quem sabe, também poderá mudar a realidade de muitas crianças. 

Atualmente com 250 crianças e adolescentes, as atividades ocorrem no contraturno, ou seja, a criança ou o adolescente que estuda de manhã participa do projeto de tarde e vice-versa. As tarefas são mais ligadas à prática do esporte e cultura, como futebol, vôlei, jiu-jitsu e danças. No momento, as aulas de música deram uma pausa, por conta da falta de professor. “O trabalho é remunerado, todos os professores que participam recebem um salário”, explica Débora. “Nossos parceiros sempre nos ajudam com essas questões e até a própria comunidade com a doação de alimentos”, acrescenta. 

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Histórias e memórias: joinville por outro ângulo
Série de reportagens produzida por estudantes do sétimo período do curso de Jornalismo da Faculdade Ielusc durante o primeiro semestre letivo de 2024 nas disciplinas Jornal Laboratório II (Sandro Lauri da Silva Galarça) e Webdesign (Hendryo André)
TEXTO E MONTAGEM

Beatriz Sá e Willian Campos

Edição final

Bárbara Adriana Siementkowski

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Primeira Pauta é o jornal-laboratório produzido pelos estudantes do curso de Jornalismo da Faculdade Ielusc. 

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