
Adultização preocupa diante do avanço das redes sociais
O caso recente envolvendo o influenciador digital Hytalo Santos reacendeu o debate sobre os riscos da exposição de crianças e adolescentes nas redes sociais. O criador de conteúdo, que soma milhões de seguidores, foi acusado de utilizar a imagem de menores de forma exploratória em seus vídeos, o que levantou discussões sobre os limites entre entretenimento e exploração infantil na internet.
Segundo o levantamento TIC Kids Online Brasil 2024, 93% da população de 9 a 17 anos no Brasil usa a internet. Entre as crianças de 9 a 10 anos, 60% já possuem conta em pelo menos uma rede social, mesmo que as principais plataformas afirmem não aceitar menores de 13 anos. Esse dado expõe a realidade de que, cada vez mais cedo, meninos e meninas estão inseridos em um ambiente digital que pode trazer riscos à sua integridade e desenvolvimento.
Especialistas chamam atenção para a chamada “adultização infantil”, fenômeno em que crianças e adolescentes passam a reproduzir comportamentos e linguagens de adultos, que por sua vez, são incentivados por criadores de conteúdo ou pelo próprio algoritmo das plataformas.
O Estatuto da Criança e do Adolescente garante princípios como o melhor interesse da criança, o direito à dignidade, à imagem e à privacidade, que se aplicam também às redes sociais. No entanto, para a advogada Annie Mucelini, especialista em Direito da Criança e do Adolescente, ele foi elaborado em um tempo em que o ambiente digital não tinha o peso que tem hoje. Com isso, há brechas práticas e nem sempre a lei consegue alcançar a velocidade e a complexidade das dinâmicas digitais, gerando lacunas na responsabilização de plataformas e na regulação da própria exposição infantil online.
A situação com Hytalo Santos pode abrir precedentes para mudanças na lei ou novas regulamentações, visto que trouxe grande visibilidade à proteção de crianças e adolescentes na internet. “O caso pode provocar o Judiciário e o Legislativo a reinterpretar dispositivos já existentes, aplicando-os de forma mais rigorosa às plataformas digitais, e também pode impulsionar novas regulamentações específicas sobre responsabilidade de influenciadores, agências e empresas que lucram com conteúdo infantil. A repercussão social costuma ser um motor de mudança legislativa, e nós temos visto esse movimento em várias casas parlamentares”, explica a advogada.
O olhar da psicologia
Na última segunda-feira (18), chamou atenção o vídeo de uma das vítimas de Hytalo Santos defendendo sua própria experiência e banalizando a violência sofrida. Para a psicóloga infantil Amanda Meneguci, esse comportamento revela um traço grave do impacto psicológico da exploração precoce. “A infância é o fundamento da personalidade e do pensamento, nessa fase tudo está em formação, esta é a base que vai te sustentar pro resto da vida.”
Segundo ela, quando um trauma acontece nesse período, a criança não possui ferramentas emocionais para compreender e diferenciar a si mesma do que lhe foi imposto, e essa situação é um exemplo da falta de diferenciação e identidade que essa vítima sofre.
Supervisão necessária
É importante destacar que, de acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, crianças de até dois anos não devem ser expostas a telas. Para a faixa etária de 2 a 5 anos, recomenda-se limitar o uso a, no máximo, uma hora diária, sempre sob a supervisão de um responsável, garantindo que o conteúdo seja apropriado para a faixa etária.
Karoline Ferreira, mãe de Arthur, de 10 anos, conta que o filho passa em média 5 horas por dia em frente às telas. Apesar da criança reclamar do controle, ela entende que é necessário esse cuidado. “Eu supervisiono as contas dele e acompanho o que assiste, mesmo que ele não goste muito dessa vigilância.”
A mãe relata que já precisou intervir algumas vezes quando percebeu que alguns vídeos tinham linguagem imprópria, mesmo dentro do YouTube Kids. “O que mais me preocupa é ele acabar acessando algo inadequado, seja de violência ou de sexualização, sem perceber”, compartilha.
Desta forma, a proteção destas crianças exige um esforço coletivo, em que o Estado, as plataformas e as famílias atuem de forma conjunta. Não basta ter uma política que proíbe menores de 13 anos se, na prática, qualquer usuário consegue criar um perfil. As redes sociais devem investir em mecanismos de controle e denúncia.