
Serviço público oferece acolhimento gratuito em saúde mental
Especialistas apontam que campanhas são importantes, mas é preciso enfrentar estigmas e ampliar o debate sobre saúde mental.
Desde 2015, o mês de setembro é marcado pela cor amarela, símbolo da campanha nacional de conscientização sobre a prevenção ao suicídio. Criado pelo Centro de Valorização da Vida (CVV) em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), o Setembro Amarelo se consolidou como o maior movimento brasileiro dedicado à prevenção do suicídio e à valorização da vida.
Em Joinville, diferentes frentes – sociedade civil, profissionais de saúde e poder público – atuam para ampliar o diálogo sobre saúde mental, reduzir estigmas e oferecer apoio às pessoas em sofrimento psíquico. Apesar da visibilidade crescente, especialistas e instituições reforçam que o tema não pode se restringir a um mês do calendário. O suicídio é um problema de saúde pública e exige atenção permanente.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 700 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos no mundo, uma a cada 40 segundos. Entre jovens de 15 a 29 anos, o suicídio já é a quarta principal causa de morte. No Brasil, em 2021 foram registradas 15.507 mortes, ou seja, 42 por dia, de acordo com o Ministério da Saúde.
Os números reforçam a urgência de uma discussão mais ampla e constante sobre o tema, acolhimento e prevenção.
Um debate que vai além do marketing
A campanha, no mês de setembro, já se consolidou como parte do calendário institucional de saúde mental no Brasil. Mas, para profissionais da psicologia, o debate não pode, e não deve, se restringir a uma cor, a um mês ou a mensagens de impacto visual. A complexidade do sofrimento psíquico exige mais do que campanhas de conscientização: exige escuta, acolhimento, continuidade e, sobretudo, uma abordagem comprometida com as realidades diversas que atravessam quem vive em dor.
O psicólogo Jeferson Andrade alerta que o sofrimento mental nem sempre se manifesta de forma evidente. “Os sinais são complexos e não existe uma receita do que a pessoa faz ou deixa de fazer. Muitas vezes, podem ser sinais extremamente silenciosos, que nem a família nem os colegas percebem”, aponta. Para ele, práticas autolesivas e o isolamento social são aspectos que merecem atenção, mas não resumem o quadro, daí a importância de um olhar cuidadoso, sem reducionismos.
Mais do que identificar sinais, é essencial reconhecer que a dor psíquica é real, mesmo quando invisível.
“O sofrimento psíquico não é tangível. Não conseguimos percebê-lo como um machucado físico ou uma dor visível aos olhos. Por isso, é fundamental entender que esse sofrimento não pode ser relativizado”, diz Andrade.
O desafio está, muitas vezes, na dificuldade de organização emocional da própria pessoa em sofrimento, o que exige uma rede de apoio ativa e empática.
Segundo ele, abordagens superficiais e frases prontas podem ter efeito contrário. “Dizer a uma pessoa em processo depressivo ou com pensamentos suicidas que ‘a vida importa’ não é, necessariamente, a melhor abordagem. Isso pode gerar contradições, porque ela pode se sentir ainda mais culpada pelo sofrimento.” Para o psicólogo, o acolhimento deve vir acompanhado de ações práticas, que incluam intervenções profissionais e um acompanhamento constante, inclusive por parte da família.
Já a psicóloga Mariana Schulze problematiza a forma como o Setembro Amarelo tem sido conduzido na esfera pública. “Na prática corrente, Setembro Amarelo tende a se transformar em uma ação repetida e protocolar, sem uma análise séria de seus efeitos e consequências”, observa. “Isso não diminui a importância da pauta, ao contrário: torna ainda mais urgente que a abordagem seja pensada e responsável.”
Para Mariana, o diagnóstico superficial empobrece a compreensão do fenômeno.
“O suicídio é apenas a ponta do iceberg”, afirma. “Há uma complexidade, redes de apoio, condições sociais objetivas, divulgação e propagação da medicalização e cultura da felicidade, conhecimento sobre o uso de substâncias, processos de exclusão, entre tantos outros aspectos, que não se resolve com slogans e iniciativas pouco refletidas.”
Ela destaca que a forma como o tema é tratado ainda é atravessada por tabus, crenças e moralidades sociais que, em vez de abrir espaços de diálogo, muitas vezes reforçam o silêncio, alimentam estigmas e dificultam uma escuta qualificada. Uma abordagem consequente, na sua visão, precisa ir além: promover a procura por profissionais, estimular diálogos assertivos e ancorados cientificamente e favorecer a compreensão dos múltiplos enredos e situações que a diversidade humana imprime às experiências de sofrimento.
A noção de valorização da vida, na sua perspectiva, deve implicar transformação das condições reais de existência. “Valorizar a vida é garantir condições concretas para que as pessoas vivam: aceitar a diversidade, problematizar preconceitos, enfrentar desigualdades e compreender sujeitos em seus corpos e contextos”, conclui Mariana.
Ambos os especialistas convergem na ideia de que a luta pela saúde mental precisa acontecer todos os dias do ano. Ela exige políticas públicas eficazes, fortalecimento da rede de atenção psicossocial, educação para o cuidado e uma transformação cultural que desfaça estigmas. Campanhas são importantes, mas não bastam. O que está em jogo é mais do que um mês colorido, é a vida de pessoas que precisam ser vistas em sua inteireza e complexidade.
Rede ativa, cuidado contínuo
Enquanto especialistas alertam sobre os riscos de superficialidade no debate sobre o suicídio, cidades como Joinville vêm fortalecendo uma abordagem mais contínua e estruturada para o cuidado em saúde mental. A Secretaria da Saúde do município aposta na ampliação da Estratégia Saúde da Família (ESF) e em uma Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) consolidada, com serviços abertos à população e equipes capacitadas para lidar com diferentes níveis de sofrimento psíquico.
Segundo Ana Caroline Giacomini, gerente de Serviços Especiais e Saúde Mental da Secretaria da Saúde, as equipes da ESF atuam diretamente nos territórios, promovendo ações de prevenção, promoção e cuidado, inclusive no campo da saúde mental. Para casos mais complexos, a rede conta com os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que oferecem atendimento intensivo, gratuito e sem necessidade de encaminhamento.
“Os CAPS funcionam como serviços porta-aberta, acolhendo quem busca ajuda direta para si ou para familiares em sofrimento mental”, destaca.
Atualmente, Joinville conta com quatro CAPS especializados: CAPS II Nossa Casa, CAPS III Dê Lírios, CAPS AD (Álcool e Drogas) e CAPS IJ (Infantojuvenil).
Esses centros oferecem suporte psicoterapêutico, psiquiátrico e atividades terapêuticas diárias, com foco na reabilitação psicossocial e na reinserção social de pessoas com transtornos mentais graves ou em crise. Ao todo, mais de 1.100 usuários estão em acompanhamento ativo nas quatro unidades.
Outro destaque da rede é o Serviço Organizado de Inclusão Social (SOIS), voltado para pessoas que já superaram a fase aguda do transtorno mental. O foco é na autonomia, convivência e qualidade de vida, por meio de oficinas de arte, cultura, educação e geração de renda. O programa, que completou 20 anos em 2025, tem se mostrado um importante pilar da política municipal de saúde mental.
A cidade também realiza ações pontuais de conscientização, como a Semana Municipal de Conscientização e Orientação sobre a Saúde Mental, promovida anualmente em maio. A programação inclui rodas de conversa, palestras, oficinas e atividades comunitárias que têm como objetivo sensibilizar a população e combater o estigma em torno da saúde mental.
Todas essas ações mostram que o cuidado em saúde mental vai além de campanhas, ele precisa estar presente na rotina do serviço público, acessível a todos, com escuta qualificada e compromisso com a dignidade humana. Como reforça Ana Caroline, o acesso é livre e gratuito, e a busca por ajuda pode começar em qualquer unidade da rede, seja na Unidade Básica de Saúde ou diretamente nos CAPS, dependendo da complexidade do caso.
Mais do que um mês de cor
Acolher, escutar e oferecer apoio são atitudes que precisam estar presentes no cotidiano das famílias, escolas, ambientes de trabalho, igrejas e nas políticas públicas.
A cada vida perdida, não apenas uma pessoa deixa de existir. Amigos, familiares e comunidades inteiras passam a carregar a dor da ausência e as perguntas sem resposta. Por isso, a valorização da vida deve ser encarada como um compromisso contínuo e não apenas como uma ação pontual ou simbólica.

Nem sempre os sinais são visíveis.
Outro ponto levantado por profissionais da saúde mental é que muitos sinais de sofrimento não são óbvios. Pessoas em risco nem sempre demonstram tristeza aparente ou se afastam socialmente. Em muitos casos, continuam com suas rotinas, enquanto enfrentam uma luta silenciosa.
Estar atento aos comportamentos, mudanças sutis de humor ou falas que expressam cansaço extremo pode ser o primeiro passo para oferecer ajuda. Mas, mais do que identificar sinais, é preciso estar disposto a ouvir com empatia.
Abrir espaço para o diálogo, sem julgamentos, é essencial. Saber escutar, de verdade, pode ser mais eficaz do que tentar oferecer respostas prontas. Pequenos gestos, como perguntar com interesse genuíno se alguém está bem, podem criar uma rede de apoio invisível, mas poderosa.
A prevenção do suicídio envolve informação, acolhimento e presença. E isso deve fazer parte da nossa cultura todos os dias, não apenas em setembro.
Conversar pode mudar vidas
Neste mês de setembro, o Centro de Valorização da Vida (CVV) celebra os 11 anos do Setembro Amarelo, campanha nacional dedicada à valorização da vida e à prevenção do suicídio. Em 2025, a iniciativa ganha ainda mais força com o tema “Conversar pode mudar vidas”, que reforça o poder do diálogo como instrumento de acolhimento e escuta para quem sofre em silêncio.
A voluntária e porta-voz nacional do CVV, Eliane Soares, destaca que empatia, respeito e não julgamento são pilares do trabalho realizado pelos mais de 3 mil voluntários da entidade.
“Falar alivia. Ouvir acolhe. E, muitas vezes, uma simples conversa pode ser o ponto de virada na vida de alguém. Por isso, reforçamos que ninguém precisa passar por momentos difíceis sozinho”, afirma.
O CVV oferece apoio emocional gratuito, sigiloso e anônimo por meio do telefone 188, disponível 24 horas por dia, todos os dias, além do atendimento via chat, e-mail (apoioemocional@cvv.org.br) e presencial, em unidades espalhadas pelo país. O atendimento é feito por voluntários capacitados para acolher qualquer pessoa que precise conversar, independentemente do motivo.
Em 2024, o serviço realizou cerca de 2,7 milhões de atendimentos. Os interessados em se tornarem voluntários também podem participar do processo seletivo pelo site www.cvv.org.br/voluntarios, sem necessidade de formação específica, apenas disposição para ouvir e apoiar.
A campanha Setembro Amarelo também chama a atenção para o papel da sociedade na prevenção ao suicídio. Desde 2015, a mobilização reúne instituições públicas, privadas, organizações da sociedade civil e cidadãos com um objetivo comum: contribuir para salvar vidas por meio da escuta, do cuidado e da informação.
Ao longo do mês, o CVV promove ações em todo o país, com vídeos, spots, cartazes e conteúdos nas redes sociais (@cvvoficial e @setembroamarelo) para ampliar o acesso a informações e canais de apoio emocional.
Para saber mais sobre a campanha e como contribuir com o trabalho do CVV, acesse setembro amarelo ou https://cvv.org.br/.
O serviço é gratuito, voluntário e sigiloso. Ninguém precisa enfrentar tudo sozinho. Falar é um passo de coragem.
Onde buscar ajuda
📞 CVV – 188 (ligação gratuita, disponível 24 horas)
🌐 www.cvv.org.br
📍 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e unidades de saúde do SUS