
Projeto de lei anti cigarros eletrônicos nas escolas segue em trâmite
Proposta prevê campanhas educativas, protocolos de fiscalização e integração entre órgãos públicos para frear avanço do vape entre adolescentes como forma de protegê-los
O Projeto de Lei Complementar nº 38/2025, que cria um conjunto de ações de prevenção ao uso de cigarros eletrônicos em escolas públicas e privadas de Joinville, avançou mais uma etapa na Câmara de Vereadores. A proposta, de autoria do Executivo, já passou por quatro comissões e segue em trâmite.
O prefeito Adriano Silva (Novo) encaminhou a proposta para a Câmara no mês de maio. O objetivo é proteger a saúde de crianças e adolescentes dos riscos associados aos dispositivos eletrônicos de fumo, popularmente conhecidos como vapes e pods.
O projeto de lei estabelece uma série de fatores que vão além da proibição e já passou nas comissões de Constituição e Justiça, Educação e Cidadania. A iniciativa prevê o desenvolvimento de campanhas informativas direcionadas a alunos, pais e responsáveis, além da criação de procedimentos pedagógicos para conscientizar sobre os malefícios dos aparelhos. A proposta também determina a implementação de um protocolo de atuação para prevenir e combater a posse e o uso desses dispositivos no ambiente escolar.
O professor de sociologia Jean Davi Frainer conta como é o uso dos aparelhos pelos alunos nas escolas: “Você não vai ver nos corredores nem no no pátio, a utilização normalmente ocorre em banheiros ou em lugares menos frequentados. O que eu percebo é que naturalmente as escolas vão para uma direção mais repressiva de lidar com advertências e tentar coibir a utilização disso porque não é um espaço que se entende como adequado para uso, até por conta da idade. Os alunos quando percebem que o professor está se aproximando, evitam fazer isso de um modo mais declarado, porque o professor é também um agente de controle.”
A proposta também reforça uma proibição já existente. A comercialização, de todos os tipos de cigarros eletrônicos. A justificativa do projeto cita ainda alertas da Organização Mundial da Saúde, que descreve o crescimento do uso de vapes entre jovens como “alarmante” e, em muitos países, superior ao consumo entre adultos que querem largar o cigarro tradicional, que seria o “principal” propósito do dispositivo.
O psicólogo que já atuou como diretor no Centro de Atenção Psicossocial em Álcool e outras Drogas, Nasser Haidar Barbosa, reforça que os jovens não enxergam o cigarro eletrônico como deveriam: ”O cigarro eletrônico tem um elemento cultural muito iminente. O risco dele é diminuído em relação ao que as pessoas costumam imaginar e pensar sobre essa droga. Tem toda aquela discussão sobre a quantidade a mais de uma substância causadora de dependência que há num cigarro eletrônico e o grande ponto aqui é que a gente tem observado de maneira geral na nossa sociedade que o número de pessoas dependentes disso é muito menor do que do que supúnhamos num primeiro momento considerando esse potencial risco de dependência.”
O que leva o jovem a fumar
Estima-se que cerca de um em cada cinco adultos em todo o mundo consuma tabaco, uma redução em comparação com um em cada três em 2000, relata a Pan American Health Organization. O Brasil é um dos países líderes na redução do consumo, com uma queda de 35% desde 2010.
Mas mesmo com essa queda do tabagismo, recentemente surgiu uma nova forma de fumar que preocupa: o cigarro eletrônico. No Brasil, um em cada nove adolescentes utiliza cigarro eletrônico, de acordo com pesquisa da Universidade Federal de São Paulo que utilizou dados de 2022 a 2024 do Terceiro Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad 3). A pesquisa, que ouviu cerca de 16 mil pessoas de 14 anos ou mais em todo o país, revela que a prevalência de uso é maior entre os jovens, com um em cada cinco entre 18 e 24 anos já tendo experimentado o dispositivo.

Felipe de Souza, estudante que está no terceiro ano do ensino médio, conta como foi a primeira experiência com a droga: “Sempre via os meus amigos fumando o aparelho, e depois de um tempo eu decidi matar a curiosidade e experimentar. No começo só fumava no final de semana, hoje fumo praticamente todo dia.”
E não é só ele que começou por curiosidade ou influência. Em um levantamento realizado via formulário com 65 jovens de Joinville com idade entre 18 e 23 anos, 42 afirmaram já ter experimentado o aparelho. Destes, 32 disseram não fumar mais. Quando questionado o motivo que levou a experimentar, 19 confirmaram que foi por curiosidade e 17 por influência de amigos oferecendo. Enquanto apenas três usaram o aparelho como forma de tentar largar o cigarro tradicional.

“É importante a gente pensar nesse esse aspecto cultural que é envolvido, essa construção de pertencimento, identidade cultural, social, e até mais do que isso, como uma característica da entrada e da permanência em um certo aspecto do status social, do parecer bonito usado, parecer cool, descolado, etc… Então tem muitos casos que vão dialogar com isso. Ainda não entendemos qual o lugar do cigarro eletrônico nesse mundo. Então tem algo aí pra gente começar a entender, para ele parar de ser usado em qualquer ambiente”, afirma psicólogo Nasser Haidar Barbosa sobre a influência de amigos e do sentimento de pertencimento dos jovens.
Riscos à saúde
O consumo do cigarro tradicional está diretamente relacionado a uma série de doenças graves e crônicas, que comprometem a saúde e a qualidade de vida do indivíduo ao longo dos anos. Entre os impactos mais conhecidos estão as doenças respiratórias, cardiovasculares e diversos tipos de câncer. De forma geral, o cigarro compromete praticamente todos os sistemas do corpo humano.
Já o cigarro eletrônico, por ser uma droga recente, ainda não se sabe exatamente quais são todos os seus riscos além das mesmas doenças causadas pelo cigarro tradicional e da dependência. “Todas as formas de fumo que envolvem substâncias como a nicotina produzem dependência. E a nicotina é uma substância altamente causadora de dependência no sentido químico. Mas a dependência psicológica, ela também é uma realidade, e muitas vezes ela é tão importante no estabelecimento de um problema social quanto a própria química”, afirma o psicólogo.
A oncologista Thais Menegasso Flores fala sobre a preocupação dos médicos sobre esse aumento no número de jovens fumantes: “Essa é uma preocupação enorme da comunidade médica porque, sim, se espera um aumento significativo dos casos de câncer de pulmão nas próximas décadas. Então, por um lado, a gente comemora a redução do tabagismo convencional, com as campanhas dos últimos anos contra o tabagismo. Mas, por outro lado, a gente vê que estão surgindo outros grupos de risco, principalmente por conta dos cigarros eletrônicos. Mesmo com a venda proibida no Brasil, o que se vê é um grande número de adolescentes e jovens fazendo uso desses dispositivos. Então, se esses jovens começam a fumar aí na faixa dos seus 15, 20 anos, eles estão correndo o risco de desenvolver o câncer de pulmão numa faixa etária bem mais jovem do que se vê atualmente.”
Efetividade de campanhas
As campanhas de combate ao tabagismo no Brasil surgiram de forma tímida, acompanhando o movimento mundial de alerta para os riscos do cigarro. Por volta de 1970, começaram a aparecer as primeiras ações educativas promovidas pelo Ministério da Saúde, geralmente em datas específicas de conscientização. Essas campanhas tinham caráter informativo e buscavam alertar a população sobre os riscos do cigarro, ainda que o hábito fosse socialmente aceito e até associado a status e liberdade.
Alguns anos depois, o combate ao tabagismo ganhou força com a implementação de políticas públicas mais rigorosas. A Constituição de 1988, que garante o direito à saúde, abriu espaço para leis como a nº 9.294/1996, validada pelo STF, que proibiu a publicidade de tabaco em rádio e televisão para proteger a saúde pública. As campanhas passaram a usar imagens mais impactantes, como pulmões doentes e dentes amarelados, para sensibilizar a população. Também foram criadas ações direcionadas ao público jovem, buscando evitar o início do hábito.
“O tabaco tem uma história longa de campanhas que não partem do princípio da proibição, mas sim da informação e do controle/restrição, então as restringir o uso em certos espaços, algo que a gente não tem feito com o cigarro eletrônico. Restringir, proibir o uso a partir de certas idades, proibir a venda para pessoas de determinadas idades em determinados locais, criar uma contracultura do parecer bonito usando, e criar ao mesmo tempo uma série de mecanismos de informação sobre os malefícios, não nessa perspectiva do monstro do cigarro eletrônico, mas do cigarro eletrônico como causador de malefícios”, completa Nasser Haidar Barbosa sobre as campanhas do tabaco e de como devem ser feitas as dos cigarros eletrônicos.
O sociólogo Jean Davi Frainer comenta sobre os possíveis efeitos do projeto: “Talvez uma palestra seja uma estratégia que não é tão atrativa assim, porque é uma coisa que muitas vezes não se discute com a profundidade necessária, e fazer uma discussão moral também não é algo que vai convencer os jovens de que não é para fumar. Mas há sim validade em campanhas desses movimentos nas escolas, já que quando a gente não conversa sobre os assuntos eles viram tabus. E isso sim é um problema, porque acabamos perdendo a oportunidade de construir caminhos e possibilidades de reduzir danos.”
“A gente precisa sair antes do problema se instalar. Se entendermos esse fenômeno, nós temos um bom caminho para combater o alastramento desse problema de saúde pública que vai ser o cigarro eletrônico, mas que ainda não é.”
Nasser Haidar Barbosa, psicólogo e ex coordernador do CAPS AD de Joinville
Se o cigarro tradicional já foi derrotado com informação e políticas públicas, o desafio agora é fazer o mesmo com o cigarro eletrônico. Por isso o PLC 38/2025 tenta virar o jogo antes que o problema de fato vire algo descontrolado, levando para dentro das escolas campanhas que mostrem que o “vape” não é tão inofensivo quanto parece.