Em meio à greve, grupos se mobilizaram em apoio aos caminhoneiros
A greve dos caminhoneiros mobilizou milhares de pessoas em todo o país. Em Joinville, a Praça da Bandeira foi ponto de concentração para atos e serviu até de acampamentos para manifestantes. O advogado Rodrigo Cesar Limas, 39, é um dos organizadores das passeatas em apoio aos grevistas e responsável por dormir no local e cuidar de toda a estrutura.
Rodrigo explica que, mesmo com um núcleo interno, o grupo não possui nome e nem corrente ideológica. Para ele, os caminhoneiros, no início da mobilização, paralisaram por pautas específicas, mas quando o presidente Michel Temer apresentou alguns sindicatos como líderes, as reivindicações foram mudando. “Os caminhoneiros nunca pediram redução do diesel, eles pediram diminuição dos impostos dos combustíveis em geral”, afirma.
O advogado pensa que o governo federal fez isso para confundir as pessoas e deslegitimar a causa. “Certas pessoas comunistas querem ouvir motivos para ficar em casa. Mas as pessoas críticas foram atrás das verdadeiras informações e viram que não era bem isso”, opina.
O movimento começou com arrecadações de alimentos para os caminhoneiros, não possui líder na organização e as ações realizadas são discutidas em conjunto. “No ato do dia 31 de maio, por exemplo, pessoas propuseram de irmos à Expoville. Discutimos entre os organizadores, assim como qualquer ideia. Nós só administramos as coisas”, explica Rodrigo.
O advogado conta que as manifestações tiveram apoio de empresários do setor de transporte e do açougue, por exemplo. Além disso, ficou feliz com o comportamento da Polícia Militar (PM), lembrando que em um dos atos, caminhoneiros fecharam as entradas do terminal central e os policiais não agiram.
Os acampados também tiveram apoio das empresas do transporte coletivo, Gidion e Transtusa, que liberaram os banheiros para o grupo. Segundo o supervisor do terminal central, Victor Toninello, os manifestantes estavam liberados para usar os espaços sem pagar passagem por uma questão de bom-senso. “Eles estão lutando por uma causa justa e não teriam outros banheiros para usar gratuitamente”, explica. Porém, Rodrigo não concordou com o tratamento da Prefeitura. “Quem complicou foi a Prefeitura. Nós precisávamos de um ponto de luz aqui na Praça e não nos deram”, reclama.
Já no dia 1º de junho, quem ocupou a Praça da Bandeira foram os estudantes. Com o lema “#IntervençãoLiterá- ria”, 40 jovens caminharam da Praça Tiradentes, no bairro Floresta, até a região central. Ao lado do terminal, os alunos realizaram uma roda de conversa sobre a greve dos caminhoneiros, intervenção militar, machismo nas escolas e sobre as ocupações escolares em São Paulo e no Paraná, em 2015 e 2016, respectivamente. A estudante Marya Clara Cardoso, 17, explica que o objetivo da manifestação é mostrar que a juventude está se mobilizando para reivindicar seus direitos. Para ela, a greve dos caminhoneiros é importante pois os trabalhadores estão lutando pelos direitos. “Eles provaram que, apesar de serem uma classe subestimada, podem se organizar e parar o Brasil”, opina.
O lema que destaca o mundo literário surgiu para contrapor quem pede intervenção militar. “#IntervençãoLiterária é um trocadilho. Queremos que as pessoas leiam mais sobre o tema da ditadura militar. Não faz sentido fazer manifestação pedindo uma coisa que vai proibir você se manifestar”, desabafa. Sobre os militares no poder, Marya é clara. Diz ser completamente contra e que a liberdade de expressão é fundamental. “Talvez para quem aceita ser mandado ou se conforma com pouco, seja bom. Mas para quem quer conquistar coisas e revolucionar, a intervenção militar é uma viagem”, destaca. Estudantes das escolas Rudolfo Meyer, Tufi Dippe, Dom Pio de Freitas e João Colin participaram da manifestação
De carona
O grupo “Bolsonaro Joinville”, que se formou em um encontro no shopping, em fevereiro de 2018, dia após dia, tem como principais metas apoiar o candidato à presidência pelo Partido Social Liberal (PSL), Jair Bolsonaro, lutar pelo conservadorismo e construir a direita. Para isso, o grupo pensa que é preciso voltar às bases, ter representatividade em escolas e universidades, por exemplo. Atualmente, na cidade joinvilense, há sete grupos online e um grupo com sete integrantes orgânicos em defesa do político. Eles realizam uma atividade por mês, sendo reunião, encontro público ou palestra. “Nesses eventos, pedimos um quilo de alimento para os participantes e doamos para algum local que nós temos proximidade”, explicam.
Para eles, a greve dos caminhoneiros foi legítima e prestaram apoio, porém, até certo momento. O projeto apresentado por Bolsonaro na Câmara de Deputados, em agosto de 2016, que prevê até quatro anos de prisão para quem obstruir vias públicas, segundo os integrantes do “Bolsonaro Joinville”, foi mal interpretado. “O Bolsonaro mesmo disse: eu apoio os caminhoneiros, desde que não obstruam as rodovias”, dizem.
O Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Joinville (Sinsej) avalia como justa a reivindicação dos caminhoneiros, contrários ao aumento do preço dos combustíveis. Além do apoio, o sindicato realizou, no dia 30, uma paralisação da categoria em apoio aos caminhoneiros autônomos e contra a proposta de reajuste salarial proposta pelo prefeito Udo Döhler. O presidente do Sinsej, Ulrich Beathalter, conta que não foram aos pontos de bloqueio porque sabiam da rejeição aos sindicatos no local. Para Ulrich, os caminhoneiros não têm representação sindical e estão divididos em várias associações e federações, e, nesta paralisação, foram representados – em sua maioria – por entidades patronais. Para ele, portanto, os funcionários das empresas de transporte não estavam em greve. “Isso tem outro nome: locaute”, opina.
Discurso de horizontalidade prevalece
Durante a greve dos caminhoneiros, nos pontos de paralisação e nas falas dos trabalhadores, prevaleceu o destaque para as discussões horizontais, a negação pelas bandeiras de partidos políticos, grupos e sindicatos de esquerda e a descrença em candidatos. Numa organização sem líderes, os grevistas deixam claro que mobilização não é ideológica, mas sim, pelo Brasil. Para o cientista político e professor de jornalismo, Bruno Lima Rocha, a horizontalidade dos caminhoneiros é típica de uma categoria bastante atomizada, onde cada pessoa depende de sua força de trabalho e de seu próprio equipamento. “Não é nem por concepção, me parece que é pela própria organização do trabalho”, opina.
O professor analisa que a horizontalidade entre os caminhoneiros é um reflexo da ausência de capacidade organizativa dos partidos políticos eleitorais e pela falta de organização social mais orgânica, sendo uma perigo para os instrumentos mais clássicos da luta direta, como o federalismo e a democracia interna. “Estas lutas deveriam vir acompanhadas de uma maior capacidade organizativa, e não um elogio espontaneísta”, afirma.
Para ele, existe uma tradição negativa da esquerda que se organiza como partido de massas e busca, como vanguarda, se apossar de lutas, retirando o protagonismo das lutas diretas. O cientista político explica que a desconfiança do senso comum, responsabilizando a “esquerda” pela crise e corrupção, junto com uma confusão ideológica realizada pela extrema-direita, afastam a população dos partidos políticos em geral e dos movimentos de esquerda. “Há uma confusão enorme entre partido eleitoral e partido político”, diz.
Com adesivos colados em caminhões e presente no pensamento de alguns grevistas, a pauta da intervenção militar ganhou destaque na paralisação dos caminhoneiros. Para Rocha, as Forças Armadas estão sendo vistas como quem pode salvar a população, sendo única instituição “capaz de parar com a roubalheira” e outros absurdos do tipo, comenta. Segundo ele, o próprio Exército não tem posicionamento claro. “Os generais disseram que ‘se trata de malucos’, mas também deixaram escapar que ‘não há consenso a respeito da intervenção’”.
O cientista político, pensa que situação para os sindicatos e movimento de esquerda está difícil. Para ele, no plano imediato, é necessário estes grupos prestarem apoio solidário. “Com muita humildade, criar laços no momento de luta”, analisa. Porém, pensa que as relações se dão no médio e longo prazo. “Aliança entre setores populares é uma urgência e não se constrói de uma hora para a outra”, finaliza.
Reportagem e fotos: Lucas Koehler
Conteúdo original do Primeira Pauta Impresso, Edição 139