Senso coletivo foi esquecido durante greve, diz socióloga
Postos de gasolina lotados, horas de espera na fila, preços acima do normal e medo da falta de combustível. Apesar de descrever uma situação vivida pela população nos primeiros dia da greve dos caminhoneiros, essa cena é sobre um acontecimento mais antigo. É o começo de uma notícia de setembro de 2015, em que joinvilenses correram às bombas de combustíveis após rumores de bloqueios nas estradas por uma greve de motoristas de caminhões.
A principal diferença entre a paralisação de três anos atrás e a ocorrida nas últimas duas semanas foi a intensidade. Neste ano, durante dez dias a greve dos caminhoneiros parou o país. A população demorou cerca de três dias para começar a sentir os primeiros efeitos como a redução na frota do transporte público, cancelamento de voos, suspensão de cirurgias eletivas e a paralisação da produção em algumas indústrias.
No entanto, um dos efeitos mais sentidos pela população foi a falta de combustível e de alguns produtos no mercado, como carnes, derivados do leite e verduras. A principal causa da falta desses produtos foi a grande procura. Com medo do desabastecimento, as pessoas fizeram o que podiam para garantir seus estoques pessoais, o que incluía passar horas na fila.
De acordo com a psicóloga Carina de Aguiar, o grande consumo nos primeiros dias da greve serviu para alarmar ainda mais a população. “Claro que temos medo que irá faltar mantimentos e gasolina quando a greve é real, quando nos damos conta do que a greve pode acarretar. Mas esquecemos do senso coletivo”, afirma.
No dia 31 de maio, por exemplo, a coordenadora de serviços, Sirlei Rodrigues, esperou por duas horas e meia para abastecer seu veículo. “Estava totalmente sem gasolina para uma emergência, não tinha nem para voltar para casa”, conta.
Para entender o que leva à urgência do consumo nesse tipo de situação, é preciso olhar para como as pessoas estão sendo informadas, segundo a socióloga Eliane de Oliveira. “A cobertura da mídia, em geral, trabalha muito com a lógica do espetáculo, do show, exagerando em alguns aspectos da situação”, afirma. Muitas pessoas sequer sabem como funciona a rede de abastecimento das cidades, por exemplo, ou o que querem os caminhoneiros. Este seria um dos reflexos de uma cobertura superficial da imprensa, segundo a socióloga.
Outro fator que contribui para a confusão da população é o fenômeno das notícias falsas que circulam na internet. Segundo um estudo feito pela Agência Advice em 2016, 78% dos brasileiros se informam pelas redes sociais. Deste total, apenas 39% checa as informações antes de compartilhá-las. Isso faz com que os boatos consigam se espalhar quase que instantaneamente em momentos de crise como esse. Uma das recomendações do coordenador regional da Defesa Civil, Antônio Edival Pereira, para população que enfrenta uma situação de crise é justamente se informar com fontes oficiais.
Um dos boatos que se espalhou era uma mensagem com um áudio do suposto presidente do Sindicato dos Caminhoneiros do Brasil, em que ele orientava as pessoas a estocarem alimentos. O site da BBC Brasil checou a informação e constatou que se tratava de uma notícia falsa, afinal nem existe um Sindicato dos Caminhoneiros nacional. Outro exemplo do poder dos rumores aconteceu em Joinville, quando se formaram filas quilométricas em postos que sequer tinham combustíveis. Antônio Edival orienta também que a população compre somente o suficiente para o seu consumo. “Além de já ter uma reserva feita em período de normalidade, deve-se comprar o necessário e pensar nas demais pessoas afetadas. Também é recomendável usar o transporte solidário ou coletivo”, orienta.
A ansiedade que leva a população ao consumo exagerado em momentos de crise também é fruto da falta de conhecimento histórico e educação, é o que acredita Carina. “O que faz as pessoas correrem para garantir sua parte é o sentimento de que o povo não tem poder e que nada pode ser feito, a não ser estocar”. Ela explica que falta conhecimento sobre o impacto que a falta dos produtos causaria na sociedade. Nesses casos, o que fala mais forte é o individualismo, ou seja, garantir o necessário para si próprio. Esse é justamente o oposto do ideal de uma greve, que é a união para atingir um bem comum.
Reportagem: Bruno Nunes e Thuany Marcelino
Foto: Thuany Marcelino
Conteúdo original do Primeira Pauta Impresso, Edição 139