Socorro: gourmetizaram a comida!
Nos últimos anos, a população joinvilense tem assistido à popularização de produtos e estabelecimentos que se autodenominam gourmet. Mas será que todos sabem o verdadeiro significado desse adjetivo? Nessa reportagem nós vamos te explicar o conceito de gourmet e discutir alguns aspectos em torno do fenômeno da gourmetização da comida.
O termo gourmet vem do francês e significa “algo de bom gosto” ou “pessoa que tem bom gosto”. Acredita-se que o filósofo e cozinheiro Jean Anthelme Brillat-Savarin tenha sido o primeiro a utilizar a palavra em seu livro Fisiologia do Gosto, lançado em 1825.
Com o tempo, o gourmet passou a ser fortemente associado aos restaurantes da alta gastronomia francesa. “Com a queda da monarquia, os cozinheiros que trabalhavam em castelos foram para Paris e formaram pequenos estabelecimentos onde reproduziam aquele tipo de cozinha ornamentada”, aponta a professora e especialista em Enogastronomia Gabriella Kerber.
De acordo com a etimologia da palavra, um produto gourmet precisa aliar, além de uma apresentação elaborada, técnicas precisas e rigorosas e ingredientes de primeira qualidade. Esse tipo de ingrediente não é necessariamente o mais caro, mas sim aquele que possui denominação de origem, selo de qualidade e forma de produção artesanal.
Na avaliação de Gabriella, não é porque um produto é chamado de gourmet que ele realmente possui todas essas características: aquilo que se considera gourmet hoje muitas vezes foge do seu significado real. “Hoje nós vemos muita coisa industrializada, que não tem referência alguma do processo de produção. O gourmet na verdade é um marketing, uma forma de agregar valor comercial a um produto qualquer”, aponta a especialista.
Para Gabriella, a popularização do gourmet talvez seja explicado pela necessidade das pessoas de obterem realização pessoal. “As pessoas estão sempre tentando encontrar uma forma de ter um capital, não necessariamente financeiro, mas cultural. Se eu aprecio um produto gourmet eu me torno distinto da maioria. Com certeza quem vende identificou isso como um bom mercado”, conclui.
O auxiliar de panificação Robson Alves da Silva acredita que o termo gourmet se tornou apenas um rótulo. Ele explica que, mesmo se o marketing for bom, se o produto foi ruim o negócio não se mantém por muito tempo. “Às vezes a barraquinha de esquina que vende ‘o’ cachorro-quente e tem um marketing boca a boca vende muito mais [do que quem possui um negócio gourmet”, compara.
Conforme o economista João Luiz Bertoli, a principal consequência que se observa com o fenômeno da gourmetização é uma segregação dos espaços onde os produtos são comercializados. “Eles acabam por afastar os consumidores de baixa renda e procuram atrair as camadas de alta renda, ou aqueles consumidores mais propensos a gastar, como turistas, por exemplo”, detalha João. Ele ressalta que a elevação dos preços muitas vezes alteram o perfil dos frequentadores dos bares e restaurantes que optam pelo rótulo.
Gourmet ganha espaço com a tecnologia e incentiva o turismo
Durante décadas, os brasileiros estavam acostumados a pedir comida somente por telefone. No entanto, a tecnologia dos aplicativos de delivery mexeu de forma significativa com o mercado. Um exemplo disso é o iFood, um aplicativo que atua no pedido e entrega de comida pela internet.
O mercado dos aplicativos de delivery é tão atrativo e promissor que mesmo empresas consagradas de outras áreas já oferecem o serviço, como o Uber Eats. Quando fizer o pedido, você vai ver o endereço de entrega, o tempo estimado e o valor total (incluindo impostos e valor de entrega).
Essas mudanças tecnológicas passaram a exigir das empresas e plataformas mais agilidade para a inovação. “Esses novos modelos estão sendo introduzidos e expandidos em um ritmo tão rápido que, em apenas alguns anos, esperamos que o mercado não se pareça com nada do que é hoje”, argumenta a chefe de cozinha Alice Dalmônico.
Esses novos modelos estão sendo introduzidos e expandidos em um ritmo tão rápido que, em apenas alguns anos, esperamos que o mercado não se pareça com nada do que é hoje. (Alice Dalmônico)
Conforme a chefe de cozinha, espera-se que os restaurantes gourmet tenham um papel de liderança na inovação do mercado de alimentos. “As atividades de produção nesses restaurantes são caracterizadas por um alto grau de criatividade na elaboração de novos menus, nova combinação de sabores e outras experiências associadas às refeições”, explica.
Assim, os restaurantes e os produtos gourmet podem ser uma forma de fortalecer o turismo local. “A demanda turística é causada por uma oferta existente de restaurantes de renome e/ou produtores locais de alimentos de qualidade superior”, comenta Alice.
A grande sacada do marketing
O marketing da gourmetização tem ajudado a elevar a procura por esse tipo de produto. A compra da experiência de ter acesso a versões mais caras e luxuosas da comida tem sido cada vez mais vista como um ganho pessoal pelos consumidores.
Segundo o publicitário Ricardo Steiner, os hambúrgueres gourmet, por exemplo, trouxeram novas interpretações e percepções sobre o ato de se alimentar: o consumidor não deseja apenas satisfazer a fome, mas também obter uma experiência de qualidade que lhe dê prazer. “A onda do artesanal foi aproveitada pelo mercado, mas não necessariamente é culpa do marketing e da propaganda em si, mas sim uma resposta desse movimento social.”
Experiência: provando do hambúrguer gourmet
O repórter do Primeira Pauta André Lima relata a sua experiência na degustação de hambúrgueres gourmet.
Existe uma infinidade de restaurantes que oferecem os mais variados tipos de hambúrgueres. Embora o hambúrguer industrializado não seja tão atrativo quanto o artesanal, a maionese caseira é o que motiva muitos consumidores a se manterem fiéis ao mercado tradicional.
Em contrapartida, o hambúrguer gourmet traz o molho barbecue como diferencial. O iFood, aplicativo que atua no pedido e entrega de comida pela internet, indica que os preços de um hambúrguer gourmet podem variar de R$ 13 a R$ 57. Os mais tradicionais (e também os mais baratos) são de costela bovina. As opções são várias, tendo até mesmo algumas que já vem com batata frita inclusa no combo.
Entre os diversos sabores que já provei, o mais diferente foi o hambúrguer de siri. Sim, uma homenagem ao famoso desenho e ao chefe de cozinha Bob Esponja. O hambúrguer é montado com pão tradicional e as batatas fritas são colocadas no prato para parecerem as garras de um siri, uma sacada muito criativa. Dá para comer com os olhos e o sabor também não decepciona, é delicioso!
Mas nem todas as experiências com hambúrgueres gourmet são assim. Um belo dia resolvi pedir um hambúrguer tradicional de costela, mas é claro que tinha que ter uma pitada de gourmet. Nesse caso, era uma geleia de pimenta. A fome apertava até que a moto trazendo o pedido chegou. Finalmente, estava na hora de comer!
Ao morder o primeiro pedaço, só tive decepção. A geleia gourmet era horrível, muito doce. Talvez meu paladar não seja refinado o suficiente para comer tudo o que passa pelo raio gourmetizador. A única certeza que tive naquele momento é que trocaria o “maravilhoso hambúrguer gourmet” que tinha custado R$ 22 por um “X-pila” de R$ 2,50 da barraquinha da esquina.
As vezes criamos a falsa sensação de que o mais caro é o mais saboroso e que algo barato é sinônimo de algo ruim. Mas, quando passamos a pensar dessa maneira? Pouco tempo atrás quase não existiam hamburguerias gourmet e, mesmo assim, os lanches comuns matavam a fome.
O hambúrguer gourmet é saboroso, isso é verdade. Mas ele não anula o fato de que os hambúrgueres tradicionais também são deliciosos. Os dois são produtos alimentícios diferentes e possuem a mesma finalidade: matar a fome.
Por: André Lima, Gustavo Luzzani, Jéssica Bett, Marília Comelli, Mayara Oliveira e Yan Nero
Conteúdo produzido para o Primeira Pauta Digital | Disciplina Jornalismo Digital II (2018)