A comunicação é um direito: entenda como funciona no Brasil
Na ditadura militar, a censura foi uma das armas utilizadas para impedir a divulgação de ideias contrárias aos interesses do novo governo. Porém, a Constituição de 1988 passou a garantir a liberdade de expressão como um direito tanto quanto o acesso a saúde pública. A Constituição é a mãe de todas as leis, por isso, deve constar nela os direitos fundamentais dos cidadãos.
Artigo 5º: é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
Se expressar, se informar e comunicar é um direito! De onde vem essa ideia?
O artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que todo ser humano tem direito a “procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”. A primeira ideia sobre a liberdade de expressão como um direito nasceu com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen) na França, durante a Revolução Francesa (1789–1799), em 1789. É importante lembrar que isso ocorreu justamente enquanto o país passava por transformações políticas e sociais com o lema: liberdade, igualdade e fraternidade. O Artigo 11º da Declaração francesa declara que:
“A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei”.
Os Estados Unidos também tiveram um papel importante nessa área. A primeira emenda da constituição de 1787 diz: “O Congresso não deverá fazer qualquer lei a respeito de um estabelecimento de religião, ou proibir o seu livre exercício; ou restringindo a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações de queixas.” Os dois países foram os primeiros a registrar em papel esse direito.
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Direito de expressão na Internet
A lei Federal do Marco Civil foi um importante ganho na garantia do direito de expressão. Em vigor desde abril de 2014, ela regulamenta a utilização da internet e assegura direitos e deveres dos usuários e das empresas. Garante a privacidade do usuário, a liberdade de expressão dos internautas e proíbe a manipulação de velocidade. Isto é, não pode haver interferência no conteúdo nem privilégio no tráfego para acelerar o acesso a um ou outro aplicativo, tornar lento o tráfico de dados ou oferecer pacotes com restrição de acesso só para e-mails, por exemplo.
Como lidar com ofensas por parte das mídias e internet
Dentre todas essas informações, liberdade de expressão e diversos meios de comunicação, também vem o lado negativo. Tanto na internet quanto nas mídias, como Tv e rádio, qualquer pessoa está sujeita a ser ofendida. Não deveria acontecer, mas acontece. Como diz a famosa frase: “sua liberdade termina quando a do outro começa”.
Na internet: A lei do Marco Civil da Internet determina que qualquer empresa que opere no Brasil, mesmo que estrangeira, tem que respeitar a legislação do país. Em caso de necessidade, precisa entregar informações se solicitadas pela justiça. Caso houver agressões racistas, por exemplo, quem oferece o serviço, como redes sociais, deve retirar o material do ar ou será culpado. Inclusive, há diferentes consequências que variam de acordo com o que foi escrito ou foto que foi publicada. Como em casos de calúnia quando há exposição de imagem, o provedor tem que remover imediatamente o conteúdo. A lei de Crimes Virtuais é mais conhecida como Carolina Dieckmann – o nome se deve ao roubo de fotos íntimas da atriz global. Os hackers exigiram dez mil reais para não publicar as fotos e Carolina foi até a polícia e fez uma denúncia. A lei foi sancionada em 2012 por pressão midiática e grande apelo popular. Segundo o artigo 154-A:
“Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita recebe pena de detenção de 3 meses a 1 ano, e multa”.
Porém, às vezes, é difícil achar o culpado por conta do rastreamento e formas de burlá-lo.
Mídias como TV e rádio: A lei do direito de resposta, de Nº 13.188, está em vigor desde 2015. Funciona como um mecanismo de defesa.
Art. 1o Esta Lei disciplina o exercício do direito de resposta ou retificação do ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social.
Art. 2o Ao ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social é assegurado o direito de resposta ou retificação, gratuito e proporcional ao agravo.
Por lei, o cidadão tem direito de resposta quando a matéria “cujo conteúdo atente, ainda que por equívoco de informação, contra a honra, a intimidade, a reputação, o conceito, o nome, a marca ou a imagem de pessoa física ou jurídica identificada ou passível de identificação”. Na Constituição, está previsto o direito de resposta, no Capítulo I, dos direitos individuais e coletivos. Art. 50, inciso V: “É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Primeiro, deve-se entrar em contato com o veículo responsável e caso não conseguir, então, é necessário recorrer à Justiça.
Liberdade de expressão e direito à comunicação sujeitos ao poder econômico e político
Art. 220 – parágrafo 5º – Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.
Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.
Contudo, as leis ainda estão desatualizadas e não citam o que é propriedade cruzada ou oligopólio de informações e não limitam grupos. O que vem acontecendo há tempos no Brasil: concentração de comunicação nas mãos de empresas privadas. O direito à informação se limita ao que essas empresas determinam que a população saiba.
Propriedade cruzada existe no Brasil?
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No Brasil o poder das mídias em teoria é público e um direito de todos, mas na prática pode-se analisar que apenas 5 famílias brasileiras comandam mais de 50 veículos de mídia no país, incluindo rádio, emissoras de televisão, produtoras de som, sites e jornal impresso. Isso é conhecido como propriedade cruzada, que é quando uma empresa ou veículo está no domínio de pessoas da mesma família. Ao que se sabe, uma das artimanhas utilizadas para ter este domínio são várias pessoas da mesma família criando vários CNPJs diferentes, ou seja, permanece na mesma família mas teoricamente são donos diferentes. Assim se instalam os grupos dominantes, que controlam o conteúdo fornecido ao público de acordo com o que acham correto, fugindo da imparcialidade que é o pilar principal dos veículos jornalísticos.
As jornalistas, professoras e doutoras, Lívia Vieira e Marília Crispi de Moraes, deram suas opiniões sobre o assunto.
Atualmente o maior comandante de conteúdo conhecido é o Grupo Globo, liderado pela família Marinho desde 1925 até os dias de hoje, com 94 anos de poder e o controle de cerca de 69 veículos de comunicação, vinculados às redes de televisão, rádio e editora. O Grupo Record, da Igreja Universal do Reino de Deus, é comandada pelo bispo Edir Macedo e tem 27 de veículos no total. A família Saad é dona do Sistema Bandeirantes de Comunicação onde controlam 47 veículos nas seguintes redes: Band de TV, Band News FM, Band FM, PlayTV e Band Sat. O Silvio Santos da família Abravanel é o dono de todo o sistema SBT. Além destes, temos os donos dos impressos, tais como: o Estadão da família Mesquita; a família Frias que controla o jornal Folha de S.Paulo; a família Civita que é dona da MTV e, por meio dela, mais 74 veículos de comunicação, sendo a responsável por 70% do mercado de revistas do país, incluindo a Veja.
A história da mídia no Brasil
Desde o início, a história do jornalismo envolve questões políticas, geralmente dominadas por interesses de uma determinada classe ou grupo. Porém, é importante ressaltar que os veículos vem sofrendo mudanças neste sentido principalmente com a chegada da internet. Confira na linha do tempo a evolução da mídia brasileira ao longo dos anos.
Veículos independentes: uma necessidade da sociedade contemporânea
Devido ao monopólio existente nos grandes veículos e, apesar daqueles que são filiados trazerem um pouco sobre a realidade local, nem sempre se consegue fazer a cobertura completa de fatos e movimentos sociais nacionais, regionais e estaduais. Por causa disso há a necessidade dos veículos independentes entrarem em ação com o objetivo de cumprir o papel que a mídia tradicional deixa em aberto devido aos interesses envolvidos. Os meios de comunicação que não são vinculados a partidos políticos, entidades religiosas, órgãos estatais ou grupos de interesses comerciais, atualmente buscam ser uma alternativa à apropriação tendenciosa do conteúdo de notícias divulgadas.
“A complexidade social é tão grande que exige diferentes abordagens para sua compreensão. Nesse sentido, o jornalismo independente e também o tradicional são fundamentais”, opina o jornalista e editor do jornal independente O Mirante, Felipe Silveira. “O jornalismo é, por excelência, quem conta a sociedade como ela é enquanto ela acontece, mas um só jornal não consegue contar tudo. Portanto, quanto mais jornalismo, de preferência com diferentes características, mais a sociedade pode saber mais sobre si mesma”, conclui.
Ainda segundo Silveira, um fenômeno mundial ocorreu neste início de século. Ao redor do mundo foram criados diferentes veículos de comunicação, especialmente para a internet, que ocuparam um espaço importante e fizeram frente ao jornalismo tradicional. Como por exemplo El Faro (El Salvador), The Intercept (EUA), De Correspondent (Holanda). O modelo de negócio deste último, totalmente financiado por leitores, é a principal inspiração de Felipe.
Uma das principais dificuldades enfrentadas pelos donos destes veículos é a questão financeira. É preciso muito investimento para poder chegar perto de ocupar um lugar de visibilidade em meio à tantos veículos que estão há anos no meio jornalístico e já ganharam a credibilidade do público. Uma das práticas inovadoras para financiamento desses veículos é o crowdfunding, ou financiamento coletivo. Neste caso, os produtores apresentam o projeto e lançam uma campanha de divulgação para a viabilização do valor necessário dentro de um prazo. Em troca do apoio, recompensas são oferecidas conforme o valor cedido pela pessoa. Outra forma bastante comum são as doações. A diferença entre os dois modelos é que estas podem ser realizadas continuamente e não tem um prazo e período estipulado, além disso, o doador não ganha nada em troca.
Os veículos independentes são importantes porque aumentam a diversidade de notícias e a pluralidade de assuntos que podem ser discutidos, muitas vezes, dando voz àqueles que não são vistos pela grande mídia. Além disso, vale ressaltar, que quanto mais acesso à informação as pessoas tiverem mais a sociedade irá ser crítica e bem informada.
Fake news e agências de fact-checking
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O termo fake news significa “notícias falsas” e são as informações noticiosas que não representam a realidade, mas que são compartilhadas na internet como se fossem verídicas, principalmente através das redes sociais. Normalmente, são criadas tendo o objetivo de gerar uma polêmica em torno de uma situação ou pessoa, contribuindo para a difamação de sua imagem. Além do fato das fake news em si já serem um problema, é importante ressaltar a contribuição negativa que elas têm para a desinformação da sociedade e o quanto podem comprometer a credibilidade do bom jornalismo.
Quando tidas como verdade, as notícias falsas levam as pessoas a acreditarem e, de certa forma, entrarem em uma zona de conforto por estarem lendo exatamente aquilo que gostariam e que vêm de encontro à sua opinião. Com isso, qualquer argumento contrário é posto à prova. Como ocorreu no Brasil nas eleições de 2018. Mesmo tendo sido comprovado que o “kit gay” e as mamadeiras com bico em formato de pênis não foram distribuídos para crianças nas escolas brasileiras, ainda é possível encontrar pessoas que acreditam nesses boatos. Porém, apesar disso é preciso continuar investindo na capacitação dos profissionais da comunicação e na sua qualificação para apuração de notícias e informações. Uma das iniciativas que contribui para a checagem de conteúdos falsos na internet é o fact-checking.
A história do fact-checking começou em 1991, quando o jornalista Brooks Jackson teve a tarefa de checar a veracidade dos anúncios de TV dos candidatos à presidência do país na época, Bill Clinton e George Bush. Com isso, ele fundou a primeira agência de checagem de propaganda eleitoral, a Ad Police, e após o sucesso do seu trabalho fundou, em 2003, o primeiro site de checagem de fatos, o FactChecking.org.
A checagem dos fatos é um dos principais pilares do jornalismo, e para lidar com o rápido e crescente alcance que as notícias falsas têm atualmente, algumas agências têm se especializado em fact-checking (checagem de fatos em tradução literal). No Brasil, três são certificadas pela International Fact-Checking Network (IFCN), sendo elas a Agência Lupa, Aos Fatos e Truco.
A Agência Lupa foi a pioneira no Brasil. Sua equipe verifica notícias diárias sobre política, economia, cidade, cultura, educação, saúde e relações internacionais. Já o Aos Fatos acompanha declarações de políticos e autoridades de expressão nacional. Por fim, o Truco é um projeto de fact-checking da Agência Pública e está no ar desde 2014, o objetivo é verificar frases de políticos e personalidades.
Agora que você já conhece um pouco sobre a mídia e a liberdade de expressão no Brasil, que tal testar seu conhecimento através desse quiz?