A elitista e dissimulada arte plástica joinvilense
O setor foi uma das primeiras áreas afetadas pela pandemia do coronavírus, é esquecida por parte da sociedade e mesmo assim existem artistas inspirados na região
Juarez Machado, Luiz Henrique Schwanke, Nuno Roland, Irmãos Feitosa. Joinville é a cidade natal de artistas visuais famosos nacional e internacionalmente. A pintura vem ganhando espaço na cena cultural da cidade, onde diversos talentos são descobertos por meio de exposições em galerias espalhadas pela cidade.
A maior cidade do estado possui apenas 6 galerias de arte e 1 escritório de consultoria na compra de quadros. Em média, são feitas 50 exposições artísticas por ano em Joinville. Os preços de obras de artistas locais variam muito, quadros de artistas que estão iniciando sua carreira podem custar de R$200 a R$4000, mas quadros de artistas de renome, como de Juarez Machado, podem passar dos R$100.000.
Uma revelação recente na cidade por trazer arte inovadora é o artista plástico Wagner Padilha, 23, que recentemente estreou uma exposição que está sendo muito elogiada pelos especialistas de arte da região. Natural de Joinville, Wagner foi interessado e estimulado na arte desde a infância, aos 10 anos, foi matriculado na Casa da Cultura onde fez cursos na área da arte e desenvolveu técnicas que usa até hoje.
Atualmente, o artista uniu sua paixão pela estética a uma profissão, estuda arquitetura e urbanismo além de continuar atuando como artista plástico. Padilha comenta sobre sua exposição, que tem como tema “Êxodo”: “Eu nasci e vivi num bairro de Joinville mais pacato e conservador, sempre fui uma pessoa que me destacava e chamava atenção de uma forma estranha aos olhos destes, para mim era um ambiente do qual me sentia deslocado e não pertencente. Sendo assim, esse ‘Êxodo’ que era urbano, hoje acontece naturalmente, e é isso que quis transmitir”.
Já muito experiente, Moacir Moreira, 65, que também é natural de Joinville, é artista plástico há mais de 40 anos. Segundo ele, já passou por muitas fases e procuras artísticas, mas atualmente desenvolve um trabalho que fala do tempo através do registro da passagem constante de pássaros. “São grandes revoadas que se compõem em planos e movimentos, num intenso diálogo com a cor. Fatores que determinam o que quero expressar em cada obra” disse.
Filha da artista plástica Rita Zanella, Júlia, 22, também é uma artista plástica joinvilense. Desde a adolescência vendia retratos e desenhos, em 2017 a arte se tornou uma carreira. Hoje cursa arquitetura e urbanismo, onde aprendeu sobre história da arte e também técnicas de pintura. Júlia fala sobre a identidade do seu trabalho: “gosto da tentativa de causar algum desconforto, não que necessariamente atinja esse objetivo, afinal quem termina a obra é o consumidor, certo?”.
Marc Engler, 40, é um artista plástico e curador de arte conhecido em Joinville. Aos 32 anos, cursou fotografia em São Paulo, com o objetivo de unir o seu gosto pela arte a uma profissão que pudesse ser o seu ‘ganha pão’. Depois de graduar-se, abriu seu estúdio de fotografia na capital paulista, insatisfeito e frustrado com a profissão de fotógrafo, voltou a sua terra natal, Joinville, para atuar como curador e iniciar sua carreira como artista plástico.
Engler também faz parte da Associação de Artistas Plásticos de Joinville (APPLAJ). A intenção da associação é estimular a produção artística de Joinville, com movimentos de criação de arte entre seus associados, a partir de reuniões e discussões. “Estamos tentando mudar e o fato de que as pessoas consideram a arte elitista em Joinville, porque ela é pra todos, ela transforma e é importante “, afirma Engler.
Juarez Machado, um ícone da arte plástica em Joinville
O artista já conhecido em todo o território nacional e também fora do país, Juarez Machado, continua atuando mesmo aos 79 anos de idade. Nasceu em Joinville, realiza obras de pintura, escultura, caricaturas, mímica, design, cenografia, e entre outros gêneros artísticos. Juarez já recebeu diversos prêmios, e faz exposições frequentes em várias cidades brasileiras, dos Estados Unidos e da Europa.
Edson Machado, 63, irmão de Juarez, é produtor cultural e ex-secretário de cultura de Joinville e também do estado do Paraná. Ao falar do irmão, diz “É um cidadão do mundo, acorda às 7h pintando e vai dormir às 23h, também pintando, é um exemplar na área da arte”..
Juarez possui em Joinville o Instituto Internacional Juarez Machado, que é hoje considerada a ‘meca’ da arte joinvilense, onde são realizadas exposições, workshops e tem uma biblioteca aberta ao público com obras literárias importantes para estudantes e pesquisadores da área da arte. “Dentro do instituto damos espaço tanto para artistas quanto para a própria população ter o contato com a arte por meio das exposições” disse Edson, que é um dos dirigentes do instituto.
Elitista para uns e popular para outros
Curadores, artistas e produtos ficam divididos nessa questão. Gabriela Loyola, 38, é fundadora do escritório joinvilense de arte, Picta, especializado em consultoria para aquisição de obras de arte. “Considero a arte joinvilense acessível se considerarmos a questão econômica, a oferta é maior do que a procura, e elitista quanto à acessibilidade, pelos poucos espaços para exibição e venda”.
Os artistas locais sofrem com a escassez de oferta de escolas voltadas para sua formação e aprimoramento, de galerias que poderiam se interessar seus trabalhos, de instituições de referência que validem artisticamente sua produção e de interesse das mídias pela divulgação. Consequentemente, o público que se interessa por arte acaba ficando escasso.
“Certamente o governo poderia intervir com políticas públicas. Sinto que artistas ficam falando sozinhos quando o assunto é incentivo à arte. Arte é cultura, traz benefícios a todos e é um dos maiores bens da sociedade” afirmou Gabriela. Loyola também comenta que Joinville está ‘órfã’ de arte, por omissão da sociedade e seus representantes públicos.
Solange Simas, 53, é coordenadora de uma das três escolas da Casa da Cultura em Joinville, a Escola de Artes Fritz Alt e é ex-presidente da APPLAJ. Solange afirma que a arte joinvilense é elitista sim: “Parecem existir certos códigos de conduta não dominados por todos, que acabam excluindo. É muito comum você encontrar sempre as mesmas pessoas em aberturas de exposições em Joinville”.
Solange diz também que a abertura de espaços públicos culturais acessíveis a todos os públicos, o incentivo e desburocratização dos editais de apoio à cultura certamente beneficiaram não apenas a classe artística como construiria uma sociedade mais democrática no nível cultural.
Luciano Itaqui, 38, também integrante da AAPLAJ, artista plástico, curador e blogueiro, pensa de forma diferente. “A arte joinvilense não é elitista, ela é popular, nossos artistas estão em todos os lugares, mostrando seus trabalhos em cafés, livrarias, shoppings e também em galerias, fazendo com que todas as classes sejam alcançadas” disse o especialista.
Contudo, Luciano também comenta que na atual gestão da prefeitura da cidade, houve um grande desmonte cultural. Ao longo da gestão Udo Döhler, teve o sucateamento da Cidadela Cultural Antarctica, onde haviam espaços culturais e um teatro, e também o desmanche da Secretaria de Cultura, que acabou se juntando com a Secretaria de Turismo.
O mercado da arte em Joinville
Katiana Machado, 34, é co-fundadora e dirigente da Galeria 33, o principal centro de compra de obras de arte em Joinville. Segundo ela, a galeria iniciou suas atividades em 2014, quando o artista Alceu Bett precisava de um local para expor suas próprias coleções de fotografia fine art produzidos na Europa, nessa época não havia um local de renome na cidade para expor e vender obras.
Hoje a galeria assumiu um papel de protagonismo na cidade, é onde os colecionadores vão para comprar quadros e é onde diversos artistas realizam a venda de seus quadros. Segundo Katiana, além de artistas joinvilenses, a galeria expõe frequentemente quadros de artistas catarinenses e paranaenses.
“Além de decorar espaços, as obras de arte têm ficado mais atraentes para compra, tendo em vista que o cliente irá comprar uma obra exclusiva, com muito valor agregado, e com grandes perspectivas de retorno a longo prazo” disse Katiana.
Machado diz também que o mercado de arte joinvilense é como em cidades em desenvolvimento, precisa de mais incentivo por parte do governo, visibilidade e apoio da sociedade. Katiane comenta que se a população entender o valor da arte e sua valorização a longo prazo, pode fomentar o mercado das artes plásticas na região.
A arte plástica joinvilense na pandemia
Luciano Itaqui comenta sobre como os artistas enfrentaram a pandemia. Segundo ele, um dos primeiros setores atingidos pela pandemia foi o das artes, pois inúmeros museus fecharam por vários meses, diversas exposições foram canceladas, muitos teatros também fecharam as portas para várias peças, e mesmo assim todos os artistas tiveram que se adaptar à nova realidade.
“Uma das primeiras soluções que encontramos foi realizar exposições online, mas infelizmente não é totalmente acessível a todos, não desperta tanto interesse da população e não possui a mesma ‘áurea'” afirmou Itaqui.
O especialista também comenta que a pandemia ressignificou as apresentações culturais que são realizadas na cidade. Também é esperado que em futuras gestões da prefeitura a arte e a cultura sejam levadas a sério, difundindo e incentivando o desenvolvimento cultural da cidade, para que os artistas não passem tanto aperto como passaram nos tempos de pandemia.
Miriam da Rocha é uma artista plástica que teve exposição prejudicada por conta da medidas de proteção à pandemia do coronavírus. A sua exposição no Garten Shopping teve início da exibição em março e ficou confinada durante boa parte do período da quarentena, após a liberação da abertura dos shoppings centers pela prefeitura, as obras da artista ficaram expostas por apenas dois meses.
Reportagem: Kevin Banruque
Conteúdo produzido para o Primeira Pauta Digital | Disciplinas de Jornal Laboratório I e Jornalismo Digital, 4ª fase/2020