
Primavera chega ao Brasil em meio às queimadas
Segundo Inpe, país registrou quase 110 mil focos de incêndio até agora.
A primavera começou oficialmente no dia 22 de setembro às 09h44, marcando o equinócio de Primavera no Hemisfério Sul. Depois disso, os dias passaram a ser mais longos do que as noites.
A previsão para a estação é de temperaturas acima da média climatológica em Santa Catarina. Nos primeiros dias, ainda podem ocorrer episódios de frio, com temperaturas próximas ou abaixo de 0°C e formação de geada, principalmente nas áreas altas do Planalto Sul. O mais esperado, contudo, é a elevação da temperatura nos próximos meses, com dias consecutivos de registros acima de 30°C.
A chegada da primavera está sendo impactada pelo aumento das queimadas ilegais no país e pela crise climática. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) alerta que será um período crítico para monitoramento, pois as altas temperaturas podem acentuar a evaporação do solo, prejudicando as plantações e agravando ainda mais os efeitos das queimadas.
Segundo os dados produzidos pela WWF-Brasil, os biomas brasileiros registraram recordes dos focos de queimadas já no primeiro semestre de 2024. Além do tempo seco com a chegada da primavera e aquecimento global, os focos de incêndio também foram marcados pelas queimadas, pela falta de umidade no ar e o solo seco.
Outro fator que acaba influenciando na propagação de incêndios pelo território brasileiro é o tempo seco e quente, principalmente entre agosto e setembro. O calor excessivo e o tempo seco contribuem para a formação de uma onda de incêndios em todo país. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), só neste ano, o Brasil já registrou mais de 109 mil focos de incêndios.
Mas, na grande maioria das vezes, as queimadas são provocadas por ações humanas. Alguns dos fatores que fizeram as queimadas aumentarem no Brasil foram os avanços do desmatamento e a ampliação das áreas de pastagem, atividades ligadas à agropecuária. A queimada é uma técnica antiga, comum em áreas rurais, usada para limpar a vegetação de um terreno.
O mestre em geologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) Rodrigo Aguilar explica que as condições climáticas estão auxiliando na propagação das chamas. “Com a condição de estiagem, de seca, a vegetação está seca e o ar extremamente seco, fazendo com que as chamas se espalhem numa velocidade e intensidade muito altas, e assim, difícil de combater”, complementa.
O geólogo ainda explica que as queimadas, por si mesmas, não alteram a intensidade dos fenômenos naturais conhecidos como La Niña ou El Niño enquanto estão ocorrendo. Eles criam condições que podem aumentar ou diminuir os impactos das queimadas, influenciando sua propagação e o combate às chamas. Em períodos de maior volume de chuvas, por exemplo, o fogo se espalha com mais dificuldade, facilitando o trabalho das equipes de brigadistas no controle dos incêndios.
Segundo o Prognóstico Climático divulgado pelo Inmet e pelo Inpe, o Brasil deve ter mais chuva nos próximos três meses. No entanto, na maioria das regiões, o volume será menor que a média comum e a seca ainda vai atingir algumas áreas.
No Brasil, especialmente nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, há uma tendência natural de seca durante o outono e o inverno. Já na primavera e no verão, o padrão usual é de aumento da umidade e das chuvas. Esse processo, conhecido como convergência de umidade, depende em grande parte da Amazônia para chegar a essas regiões. Ele ocorre quando massas de ar úmidas se encontram e criam uma espécie de corredor de nuvens e chuva.
Processos como as queimadas e o desmatamento descontrolado na região amazônica afetam negativamente o transporte de umidade para o Sul e Sudeste. A remoção da vegetação nativa diminui a quantidade de água que chega a essas áreas, comprometendo a segurança hídrica em regiões distantes da Amazônia, o que pode agravar ainda mais os efeitos da seca e das queimadas.
Impacto da fumaça das queimadas na saúde populacional
A fumaça das queimadas libera poluentes que afetam a qualidade do ar e representam um risco à saúde das populações, especialmente nas regiões mais afetadas. O material particulado, resíduo extremamente tóxico da queima de combustíveis fósseis e de outros processos, penetra profundamente nos pulmões, causando inflamação e dificultando a respiração.
Outro composto prejudicial é o monóxido de carbono (CO). Quando inalado, ele atinge o sangue, onde se liga à hemoglobina, o que impede o transporte de oxigênio para células e tecidos do corpo.
Esta exposição pode agravar também condições respiratórias pré-existentes, como asma e bronquite e aumentar o risco de doenças cardíacas, desencadeando crises cardíacas e elevando a pressão arterial.
Além dos problemas respiratórios e cardíacos, a fumaça pode causar irritação nos olhos e na pele, tosse seca, cansaço, falta de ar, dificuldade para respirar, dor de cabeça e rouquidão, o que resulta em desconforto e aumentando o risco de infecções.
O que é?
O índice Oceanic Niño Index (ONI) é monitorado e replicado através de um gráfico que mostra uma série de picos para cima, em vermelho e, para baixo, os azuis. Os picos vermelhos indicam uma média acima do normal na temperatura da superfície do oceano na faixa do Equador. Se esses picos ultrapassarem essa barra vermelha, significa uma anomalia acima de meio grau e se prolongar por três meses consecutivos no mínimo então, pode-se afirmar que estamos numa fase de El Niño. Da mesma forma, se tiver mais de meio grau abaixo, representado pela barra azul, pode-se afirmar que estamos na fase de La Niña.
Evolução da anomalia de temperatura da superfície do mar na região Niño 3.4 (Pacífico Equatorial Centro-Leste) nos últimos 40 anos | I IRI/COLUMBIA
Neste caso, será um fenômeno oscilatório, mas que estará mais nítido quando migrar de uma fase para outra, do El Niño para La Niña. “A intensidade e a duração desses períodos de El Nino e La Nina muda, não é constante e não é perfeitamente previsível, logo, não podemos ter absoluta certeza do que vai acontecer”, explica Rodrigo.
De acordo com o geólogo, um dos variados fatores comprobatórios da ocorrência de uma fase de El Niño são os últimos meses, quando o período da temperatura esteve anomalamente positiva, na região da América do Sul, no pacífico Equatorial.
Porém, o especialista explicou que essa anomalia tem baixado de intensidade, está indo para uma temperatura com desvio da média zero ou abaixo de zero, ou seja, provavelmente o planeta entrará numa fase de La Niña nos próximos meses. No entanto, o tempo de duração e intensidade são incertos, embora “a tendência seja que a gente entre numa fase de La Nina”.
Por que o El Nino é importante?
O El Niño é especialmente importante, pois ele dita a distribuição das chuvas no território brasileiro. Quando há o fenômeno de El Nino a tendência geral é que, no sul do Brasil, tenha uma quantidade anomalamente alta de chuva. “É só ver por exemplo o que aconteceu no Rio Grande do Sul, meses atrás quando estávamos numa fase de El Nino ativa. Tivemos um reforço dessa pluviosidade. Tinham outros parâmetros também, não, mas estava, pelo El Niño, nas condições de ter uma pluviosidade acima do normal no sul do Brasil”, afirma Aguilar. Ele também explicou que, simultaneamente, há tendência de seca no nordeste brasileiro. Logo, o excesso de chuva no sul e a seca no nordeste são os dois extremos principais do El Niño.
E a La Niña? O que ela tem a ver com as queimadas?
Já a fase La Niña é o contrário, tem-se uma tendência de seca no sul do Brasil e de mais chuva no nordeste. Aguilar afirma que, com o cenário das queimadas, o fenômeno da La Niña pode piorar a situação visto que acontece uma diminuição do transporte de umidade que vem do norte rumo às porções do centro-oeste, sudeste e sul do Brasil. Logo, sem a chegada de umidade tem-se uma preponderância de seca nas regiões que já estão sofrendo seca há algum tempo e que enfrentam focos de queimada. Com o clima mais seco, o alastramento ocorre mais propiciado desses fenômenos de queimado parcialmente a favorecidos pela La Niña.
Sobre chuva preta e chuva ácida
As queimadas liberam material particulado, como uma fuligem, na atmosfera que encobre, por muitas vezes, o sol. Essa percepção pode ser vista por imagens de satélite e em casos extremos, a olho nu. Esse material não se dispersa facilmente a menos que uma chuva intensa caia e o remova da atmosfera. Quando a fuligem/sujeira estiver sendo lavada pela chuva, irá cair no solo em forma de chuva “suja”, com coloração cinza e preta, apelidada de “chuva preta”. Esse processo faz com que haja uma alteração química na composição da chuva, com excesso de CO2 liberado nas queimadas.
A interação do gás carbônico com a água da chuva, resulta em ácido carbônico, que cai em forma líquida. O pH da chuva, além de ácido, é corrosivo, causando danos para construções, feições arquitetônicas, para a saúde de animais que bebem essa água e até para pessoas que interajam em excesso com esse líquido. A chuva ácida também afeta os rios, aquíferos e a água subterrânea, pois, após ela cair no solo, será infiltrada ou escoada para os corpos de transporte de água superficial que serão poluídos e intoxicados.
O geólogo finalizou explicando que a vegetação, independente da época, é de extrema importância para o cuidado do solo. “Como é um sistema todo interligado e dinâmico, o fenômeno das queimadas afeta muito mais que, meramente, remover a vegetação naquele local. Ele afeta a produção de chuva em outras regiões do Brasil, a qualidade da água superficial e subterrânea, não só de onde estão acontecendo as queimadas, mas também de outras porções do país.”
Sob pressão, governo brasileiro endurece medidas
A primavera chega ao Brasil junto ao cenário devastador, as queimadas que se alastram por diversos biomas em diferentes partes do país reforçam a situação crítica com recordes de focos de incêndios. Enquanto filmagens são espalhadas pelos usuários das redes sociais que mostram o impacto desse ciclo de destruição que avança cada vez mais, a opinião pública cobra um posicionamento do governo brasileiro para haver uma fiscalização mais eficaz e punir os responsáveis pelas queimadas criminosas.
Na quarta-feira (25), o Senado realizou um debate junto a ambientalistas, autoridades governamentais e demais profissionais para abordar as atuais mudanças climáticas e métodos para conter o avanço do fogo e a prevenção de novos incêndios. O senador Jorge Kajuru (PSB) defendeu a formação de medidas para monitoramento desses acontecimentos e mais rigor nas fiscalizações.
Em entrevista para o programa “Bom Dia, Ministra” da EBC, a atual ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, tem defendido mudanças nas leis e aumento da punição para os responsáveis pelos atentados. A ministra usou o termo “terrorismo climático” para definir a atual situação.
‘‘Essa seca está acontecendo em vários lugares do mundo. Na Bolívia, no Peru, no Paraguai e em outras partes do mundo também temos incêndios. A diferença é que aqui no Brasil tem essa aliança criminosa de uma espécie de terrorismo climático onde as pessoas estão usando a mudança do clima para agravar ainda mais o problema”, relata.
Por outro lado, no início do mês a CNN Brasil descreveu uma ligação realizada com o ex-ministro do meio ambiente, Ricardo Salles. Ele teria dito que a pressão pública e as cobranças na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro foram maiores e o cenário é o mesmo de quatro anos atrás, quando ainda administrava o setor. Sobre a causa dos incêndios, Salles teria afirmado que a culpa é do clima e do comportamento humano, no entanto, completou: “A culpa não é do agro. Isso é uma estupidez. Ninguém põem fogo no próprio ativo”.
A pressão sobre o governo brasileiro acontece desde o início do ano em respeito a novas medidas para lidar com a crise climática. Em março, o estado do Rio Grande do Sul sofreu com enchentes históricas, deixando milhares de desabrigados e cidade afundadas. Lembrando que no ano de 2020, o desatamento ilegal na Amazônia disparou.
Em poucos anos de tantas tragédias, a urgência de novas soluções fez com que algumas normas fossem alteradas, entre elas, a Lei 14.944/24 que entrou em vigor em 31 de julho de 2024. Alterando o Código Florestal e a Lei dos Crimes Ambientais, permitindo o uso controlado do fogo em práticas agropecuárias, pesquisa científica e combate a incêndios, mas estabelece algumas regras rígidas, determinando autorizações das autoridades responsáveis e planejamento.
Há também exceções para comunidades indígenas e quilombolas, que podem continuar utilizando o fogo para agricultura de subsistência, ao haver acordos comunitários e contato às autoridades responsáveis. No entanto, o uso do fogo para eliminar vegetação nativa, exceto em casos específicos como o controle de resíduos, está proibido.
O governo federal anunciou a destinação de mais de R$ 500 milhões para o enfrentamento das queimadas no Brasil. A Polícia Federal também está trabalhando em conjunto com agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Em assembleia-geral na ONU, o presidente Lula falou sobre as mudanças climáticas e abordou as medidas que o governo está realizando.
Segundo ele, o negacionismo em relação ao clima faz com que os países enfrentem cada vez mais tragédias como furacões e ondas severas de seca. Também pontuou que já tomou as providências cabíveis, mas entende ser necessário fazer mais. “Além de enfrentar o desafio da crise climática, lutamos contra quem lucra com a degradação ambiental. Não transigiremos com ilícitos ambientais, com o garimpo ilegal e com o crime organizado”, disse.
Texto: Camila Bosco, Caroline Apolinário, Larissa Hirt, Leonardo Budal e Luiza Rodrigues.