Dezembro Vermelho promove reflexão sobre convivência com IST na sociedade
O Dezembro Vermelho é o mês de conscientização sobre o HIV/Aids e outras infecções sexualmente transmissíveis (IST), levanta uma reflexão sobre os avanços no tratamento e a aceitação social. No entanto, uma contradição existe: embora os avanços científicos tenham transformado essas doenças em condições crônicas controláveis, o debate sobre o tema perdeu espaço. E esse silêncio pode ser tão prejudicial quanto o preconceito anterior.
No passado, receber o diagnóstico de uma doença sexualmente transmissível (DST) era, para muitos, uma sentença dupla: além do impacto na saúde, as pessoas enfrentavam o preconceito e a exclusão social. O estigma era tamanho que termos como “grupo de risco” e “doenças moralmente condenáveis” se tornaram comuns, marginalizando ainda mais quem já lidava com o peso do tratamento. Bruna Medeiros, de 42 anos, relembra como esse assunto era tratado com desrespeito na sua adolescência: “Eu via a grande maioria da sociedade discriminando quem recebia o diagnóstico, como se aquela pessoa fosse a pior do mundo”.
A epidemia de HIV/Aids trouxe à tona uma onda de desinformação e medo. A sociedade rotulava pessoas com HIV como “imorais” ou “culpadas”, relacionando a doença à homossexualidade. E além de sofrerem homofobia, também sofriam com a exclusão no ambiente de trabalho e até mesmo familiares. Campanhas de prevenção carregavam tons alarmistas, reforçando estereótipos e alimentando o preconceito já existente.
A historiadora Maria Helena Costa, especializada em estudos sobre direitos humanos e saúde pública, lembra que a luta contra a Aids tem uma longa trajetória. “Nos anos 1980 e 1990, a doença era vista como uma praga, muitas vezes associada ao medo e ao preconceito contra a comunidade gay. Embora hoje a medicina tenha avançado, o estigma ainda permanece em muitas sociedades”, explica.
No entanto, enquanto o preconceito persistia, avanços científicos começavam a transformar o cenário. Nos anos 1990, o desenvolvimento da terapia antirretroviral, popularmente conhecida como “coquetel”, foi um divisor de águas. Combinando diferentes medicamentos, o tratamento tornou possível controlar o vírus e evitar sua progressão para a Aids, possibilitando uma vida saudável e produtiva para os pacientes.
Para o HIV, por exemplo, o conceito de “indetectável = intransmissível” (I=I) é uma conquista científica e social que merece destaque. Quem segue o tratamento corretamente pode atingir níveis tão baixos do vírus no organismo que não o transmite para outras pessoas.
Do silêncio à conscientização
Hoje, uma pessoa com IST pode viver sem grandes complicações, especialmente quando o tratamento é iniciado precocemente. Para que isso aconteça, contudo, o teste deve ser feito pouco tempo após a doença ser contraída. De acordo com o infectologista e professor universitário César Hornburg, o medo do preconceito é um dos principais agentes que impedem as pessoas de realizar testes e buscar tratamento. “A estigmatização da pessoa com HIV ainda é uma realidade em muitas partes do mundo, e isso tem um impacto direto na saúde pública”, afirma.
Já a agente comunitária de saúde Anne Caroline Schlogl acredita que as campanhas de Dezembro Vermelho serão eternas e que nunca sairão de moda por serem extremamente necessárias para a comunidade. “Ainda não se fala o suficiente sobre educação sexual. Ao mesmo tempo que as campanhas alertam que o HIV e a Aids existem, mostram que há tratamento, o que acaba causando uma sensação de falsa segurança nas novas gerações. Como se pela existência de tratamento, eles não precisem se prevenir contra a doença”.
A falta de campanhas abrangentes e de diálogo aberto nos dias atuais reforça um novo tipo de invisibilidade. Se antes o problema era a discriminação explícita, hoje é a ausência de informação, que dificulta a prevenção e perpetua mitos.
O preconceito associado a IST é, muitas vezes, alimentado pela falta de conhecimento. A educação sexual, a disseminação de informações claras e o acesso aos tratamentos são ferramentas essenciais para quebrar estigmas. Além disso, campanhas que reforcem a importância do acolhimento e do respeito podem contribuir para uma sociedade mais inclusiva.
O Dezembro Vermelho é uma oportunidade para resgatar o debate. Mais do que relembrar os avanços científicos, é preciso promover empatia e inclusão, garantindo que o preconceito e o silêncio fiquem no passado.