Com chegada da primavera e os efeitos da La Ninã, a crescente devastação ambiental está gerando impactoS em diversos setores e pessoas pelo Brasil
14 DE DEZEMBRO DE 2024
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14 DE DEZEMBRO DE 2024
Imagine o estado do Tocantins, uma área de 277,6 mil quilômetros quadrados. Imaginou? É a mesma quantidade de hectares atingidos por queimadas no Brasil em 2024. A situação mobilizou diversas frentes de combate e especialistas do assunto.
Durante 15 dias, Rafael Seidel, bombeiro militar de Santa Catarina, viu de perto como as queimadas podem mudar a vida de uma comunidade. Atuando no Mato Grosso do Sul, especificamente nos municípios de Miranda e Aquidauana, passou por diversos lugares destruídos pelo fogo e animais mortos que geravam preocupação na comunidade local.
No dia 28 de agosto, poucos dias antes de setembro, período em que o Pantanal enfrentou um aumento expressivo nas áreas queimadas, Seidel deu início a uma missão na região. Dados do MapBiomas revelam que, só em setembro, as queimadas consumiram 318 mil hectares.
No Brasil, as queimadas acontecem por vários fatores. O início da primavera deste ano foi impactado pelo aumento das queimadas ilegais no país e pela crise climática. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) alerta que este será um período crítico para monitoramento, pois as altas temperaturas podem acentuar a evaporação do solo, prejudicando as plantações e agravando ainda mais os efeitos das queimadas.
Segundo dados produzidos pela WWF-Brasil, os biomas brasileiros registraram recordes de focos de queimadas no primeiro semestre de 2024. De acordo com monitoramentos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), no Pantanal foram detectados 3.262 focos entre 1º de janeiro e 23 de junho, um aumento de 2.134% em relação ao mesmo período de 2023. Este é o maior número já registrado na série histórica, iniciada em 1998. O Cerrado também apresentou o maior número de queimadas desde o início do monitoramento, com 12.097 focos, um crescimento de 32% em relação a 2023.
Já na Amazônia, foram registrados 12.696 focos de incêndio no mesmo período, o maior valor em 20 anos, superado na série histórica apenas em 2003 e 2004. Esse número representa um aumento de 76% em comparação ao primeiro semestre de 2023, evidenciando o agravamento da crise climática. Os recordes refletem uma intensificação alarmante das queimadas nos principais biomas do país, destacando os impactos das mudanças climáticas e do desmatamento.
Além do tempo seco no período da chegada da primavera e aquecimento global, os focos de incêndio também foram marcados pelas queimadas, pela falta de umidade no ar e o solo seco.
Outro fator que acaba influenciando na propagação de incêndios pelo território brasileiro é o tempo seco e quente, principalmente entre agosto e setembro. O calor excessivo e o tempo seco contribuem para a formação de uma onda de incêndios em todo país. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), só neste ano, o Brasil já registrou mais de 109 mil focos de incêndios.
Na grande maioria das vezes, entretanto, as queimadas são provocadas por ações humanas. Alguns dos fatores que fizeram as queimadas aumentarem no Brasil foram os avanços do desmatamento e a ampliação das áreas de pastagem, atividades ligadas à agropecuária. A queimada é uma técnica antiga, comum em áreas rurais, usada para limpar a vegetação de um terreno.
A seca intensa e a vegetação ressecada são condições naturais, porém, muitas das queimadas resultam de ações humanas deliberadas. Essa é a visão do mestre em Geologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) Rodrigo Aguilar, que destacou, em entrevista, a interação entre o fenômeno climático La Niña e as queimadas provocadas, revelando um cenário mais específico no combate aos incêndios.
O geólogo explicou que as queimadas, isoladas, não alteram a intensidade dos fenômenos naturais conhecidos como La Niña ou El Niño. Contudo, criam condições que podem aumentar ou diminuir os impactos das queimadas, influenciando sua propagação e o combate às chamas. Em períodos de maior volume de chuvas, por exemplo, o fogo se espalha com mais dificuldade, facilitando o trabalho das equipes de brigadistas no controle dos incêndios.
De acordo com o especialista, o papel da La Niña é criar condições favoráveis para o alastramento do fogo, ao reduzir as chuvas em regiões já propensas à seca, como o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. O fenômeno é caracterizado pelo resfriamento anormal das águas do Oceano Pacífico Equatorial, fator que influencia os padrões climáticos globais. No Brasil, uma de suas consequências mais marcantes é a diminuição das precipitações em períodos normalmente chuvosos, como primavera e verão. “Se a gente entra numa fase La Niña, essa chuva pode ser muito menor do que esperamos. A ajuda que esperamos pode não vir ou vir numa intensidade muito menor do que a necessária”, explica.
Essa escassez de chuvas agrava as dificuldades no combate ao fogo. A vegetação, já seca, se torna combustível, e o ar, com baixos índices de umidade, facilita a propagação das chamas. Para brigadistas e autoridades, isso significa maior esforço e menor eficácia nas estratégias de controle dos incêndios florestais.
Entretanto, Aguilar faz uma importante distinção entre os fatores naturais e os causados pela ação humana. “As queimadas, muitas vezes, não são naturais. Vemos casos, como os recentes em São Paulo, onde focos de incêndio surgiram quase simultaneamente em diferentes regiões. Isso não acontece naturalmente; precisa ser provocado”, destacou. Segundo Aguilar, grande parte dessas ações é intencional, frequentemente motivada pelo desejo de expandir áreas para cultivo.
Além disso, há uma dimensão política subjacente. O avanço de queimadas em áreas como o Cerrado e a Amazônia tem sido associado a pressões econômicas e disputas pelo uso da terra. Para o especialista, reconhecer essa interação entre o fenômeno climático La Niña e a intervenção humana é crucial para criar estratégias eficazes. Ele ressalta a necessidade de políticas públicas que combinem a gestão do clima com ações preventivas rigorosas contra as queimadas provocadas.
Ele alerta: fenômenos como a La Niña são inevitáveis, mas suas consequências podem ser agravadas ou mitigadas dependendo da atuação humana. Enquanto a natureza segue seu curso, cabe à sociedade encontrar meios de impedir que condições climáticas adversas sejam usadas como justificativa para a destruição de ecossistemas vitais e buscar aperfeiçoamento no combate às queimadas.
Em entrevista à repórter Luiza Rodrigues, o geólogo Rodrigo Aguilhar explica a transição do fenômeno El Niño para a La Niña.
Rafael Seidel, na intenção de se aperfeiçoar em incêndios florestais, realizou o curso na área, um tempo antes do Corpo de Bombeiros de Santa Catarina (CBMSC) solicitar voluntários para o combate às queimadas no Mato Grosso do Sul. “Eu não pensei duas vezes ao me voluntariar”, relembra. Em Santa Catarina é comum o CBMSC mandar força-tarefa para missões extras.
Seidel lembra que tanto a missão quanto os incêndios surgiram de forma inesperada. Saindo de Rio Negrinho, no Planalto Norte do estado, após percorrer pouco mais de 1 mil quilômetros ou, em média, 14 horas de viagem, chegou a um bioma diferente do que estava acostumado, e em uma situação extrema. No fim de agosto e início de setembro, as temperaturas em Rio Negrinho estavam entre os 12 e 20 graus Celsius. Lá, a situação estava bem acima da média. “O nosso principal desafio foi se adequar ao clima do local”, complementando que a temperatura chegou aos 40 graus.
Embora o cenário tenha mudado, algumas situações permanecem as mesmas. Na corporação em Rio Negrinho e no Mato Grosso do Sul, a rotina dos bombeiros segue sem uma ordem fixa de trabalho. Eles são acionados conforme a demanda e, frequentemente, precisam trocar o dia pela noite para combater as chamas.
Entre a rotina de trabalho, os bombeiros também mantinham contato com a população local. Por meio das conversas, começaram a entender mais a cultura do local, e a preocupação da comunidade, principalmente com os indígenas da cidade de Miranda. Seidel citou que eles pareciam meio aborrecidos, e não é para menos, afinal se, em 15 dias, o bombeiro viu carcaça de animal, plantações e pessoas pedindo ajuda, imagine o que aquelas pessoas não enxergavam diariamente.
“Eles já conheciam o poder do fogo na região e falavam que o fogo iria passar. Estavam com medo que acabasse com a aldeia deles”, relembra, e completa: “por sorte conseguimos controlar e não chegou na aldeia”. O bombeiro ainda esclarece que se até para os profissionais da região era difícil controlar o incêndio, para quem era de fora, era pior ainda. “Nos incêndios florestais aqui, a gente vai lá e apaga. Realmente apaga. No Pantanal, o fogo volta. Você apaga, o fogo volta. É diferente, é um trabalho difícil”, esclarece.
Uma das técnicas mais utilizada foi o fogo contra fogo (veja o vídeo a seguir), que consiste em atear fogo de forma controlada em um trecho de vegetação para impedir que o fogo se espalhe de maneira descontrolada. Além disso, a tecnologia foi usada ao favor e através de drones eles conseguiram analisar a área e visualizar de onde o fogo estava vindo.
O bombeiro militar, assim como os indígenas que conversou, também acredita que a crise climática pode impactar ainda mais em desastres naturais, não só no Brasil e não só envolvendo as queimadas. Ele também estava no Rio Grande do Sul quando o estado gaúcho se viu em estado de emergência nas enchentes que começaram em maio.
As duas catástrofes onde atuou trouxeram momentos de tensão e desgaste tanto físico quanto mental. Afinal, não é nada fácil ser pego de surpresa no horário de almoço, com um incêndio se alastrando. Relata uma situação em que o fogo parecia controlado, e separado por um rio, onde se achava que este o barraria. Ao voltarem do almoço, porém, viram que a situação tomou outras dimensões, por conta dos ventos.
O local em questão era uma área de preservação, do Projeto Salobra. “Aumentou o vento, e ele mandou brasas para o outro lado do rio e começou a incendiar pontos ali onde a gente não queria que passasse”, recorda. E assim começou a saga para impedir que se espalhasse ainda mais.
“Começamos a apagar e nisso o vento trazia mais pontos, iniciavam outros pontos na nossa retaguarda e fez com que a gente tivesse que retornar para o local de segurança”. Segundo Seidel, esse foi um dos pontos de maior dificuldade durante o voluntariado, pois os ventos não estavam ao favor do combate.
No norte do Brasil, o trabalho voluntário também não parou. Luciana Rodrigues Gonçalves tem 41 anos, é pastora e trabalha há oito anos com missões de solidariedade. Ela estava atuando na linha de frente do apoio humanitário das queimadas, e umas das suas últimas ações foi levar alimentos e água potável para a comunidade ribeirinha Novo Remanso, no estado do Amazonas. Luciana conta que cerca da metade da população da comunidade é composta por indígenas e que as queimadas viraram a vida dos ribeirinhos de cabeça para baixo.
Segundo relatos, Luciana viu muitos problemas em decorrência da inalação da fumaça, tanto onde atuou, quanto em outras comunidades por onde passou. “Muitas crianças de São Sebastião (comunidade no Amazonas) vieram para Manaus por estarem com dificuldade para respirar. Gente com idade avançada, com problema na visão. Estavam reclamando que estava ardendo os olhos”, diz. Também conta que o ar de desesperança era grande, pois não havia muito a ser feito.
A pastora relata que a situação da comunidade era de estabilidade até antes do mês de agosto: “Depois, com o que aconteceu, o período da queimada foi um surto também, porque teve seca. Então tudo prejudicou eles.”
Luciana também conta que houve muitos obstáculos em sua jornada humanitária. Ela diz que outra questão crítica da comunidade era a falta de água potável na região. Segundo ela, toda a água era fornecida pela missão e, por isso, seus membros teriam apenas dois litros de água disponíveis. “Era assim que eles estavam vivendo, e a água que a gente levou para dar para a comunidade, a gente também teve que economizar o máximo possível para deixar a quantidade de água para eles lá, porque eles estavam precisando.”
Ainda comenta que viver uma vida normal naquela altura era praticamente impossível. Os rios estavam mortos, os animais carbonizados e todos os residentes respiravam fuligem e fumaça tóxica. Uma súplica foi feita a missionária e sua equipe, um pedido de máscaras fora expedido pela comunidade, já que era o único jeito de aguentar respirar o ar peçonhento que os cercava. “Foi a forma que a gente achou para socorrer eles, levando máscara, soro fisiológico e rancho [compras], porque a plantação que eles tinham lá morreu, queimou. Então, tudo que eles plantaram ali para consumir, o fogo acabou com tudo.”
Estima-se que Luciana e sua equipe puderam ajudar 150 pessoas, com a doação de 150 caixas de máscaras e alimentos variados. Entretanto, sua estadia curta de três dias foi insuficiente para ajudar mais. “A gente não consegue ficar lá muito tempo, devido à alimentação, devido à nossa saúde mesmo, né? E devido também a gente não ter muito recurso para ajudar lá.”
O sentimento de tristeza e impotência eram grandes durante toda a expedição. “Senti muita tristeza por não poder fazer nada no momento. O que a gente pôde fazer, a gente levou, mas é muito triste, muito, muito triste porque os órgãos competentes poderiam fazer algo mais e uma simples missão voluntária foi para lá tentar socorrer”, cobra a pastora.
A repórter Larissa Hirt conversou com a pastora. Você pode conferir no áudio a seguir.
Diferente dos atendidos pela pastora Luciana, o bombeiro não sofreu problemas de saúde durante a missão extra. Mas algo que buscou deixar claro é que o trabalho no combate ao fogo exige muito o físico. O militar ainda brincou que o único problema que teve, e por desatenção, foi um corte no dedo, feito por facão.
No entanto, segundo ele, colegas ao redor chegaram a passar mal por causa da desidratação e mudança do tempo, vomitaram e tiveram diarreia. Eles se medicaram, conseguiram curativos no local onde estavam abrigados e, ainda conforme o entrevistado, ficaram bem.
Em depoimento (que pode ser acessado no áudio abaixo), Seidel também avaliou as diferenças de trabalhar nas enchentes, que exige muito mais o psicológico. “Você vê ali a pessoa perdendo tudo e tem que pensar exatamente o que fazer corretamente para tirar esta pessoa da casa”, cita, afirmando que, claro, a exigência física está presente, mas, em menor proporção.
Além dos cuidados com a saúde, o debate sobre as leis ambientais e a crise climática tomou proporções nacionais e internacionais, com a população brasileira constantemente questionando punições e novas ações do governo federal.
Especialistas na área de direito também apontam falhas na aplicação das punições já existentes no país em relação ao combate de crimes ambientais. Para a advogada Carolina Gonçalves Mota, especialista em direito ambiental, as legislações em vigor são consideravelmente boas e induzem a condutas mais responsivas. Destaca que em setembro deste ano surgiram novas atualizações para autorização de multas às práticas de queimadas ilegais, mas que ainda assim, existe um desafio grande em fazer com que essas sanções sejam executadas.
No entanto, Carolina reconhece que as punições precisam ser mais severas no aspecto ambiental, e que o país necessita trabalhar com mais ações preventivas. Embora também ressalta que nessa situação tão urgente e em constante avanço, existe o reflexo de uma combinação de fatores como a crise hídrica, fator natural que resulta na secagem de lagos e áreas florestais e o fator das ações humanas, incluindo neste a destruição de biomas pelas queimadas.
“O enfraquecimento das normas e também do administrativo para cuidar dessa parte de fiscalização, também é um fator que na minha percepção contribui para aumento de queimadas, queimadas ilegais e de forma descontrolada e por fim é a falta de investimento no preventivo”, esclarece.
Carolina aponta também a lentidão nos processos administrativos e judiciais como uma das causas que favorecem a sensação de impunidade. A demora na apuração dos autos de infração desestimula o cumprimento de boas práticas ambientais pela população de forma geral. Além disso, muitos municípios carecem de órgãos especializados ou de servidores capacitados para lidar com essas questões.
A especialista ressalta que a falta de recursos e investimentos em modelos de prevenção contribui diretamente para o agravamento das queimadas. Entre os afetados nos orçamentos, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foi um dos grandes impactados mesmo diante de tantos avisos prévios sobre a piora da situação climática. Em 2023, haviam solicitado um aporte de R$ 120 milhões, considerando equipamentos, treinamento de profissionais e brigadistas, mas receberam a aprovação de um orçamento de apenas R$ 62 milhões. “Liberar recursos apenas depois que a floresta já foi tomada pelo fogo, que as chamas estão chegando às casas das pessoas e que animais já foram afetados, acaba não sendo tão eficaz”, explica.
Este cenário de crise climática tornou-se uma das pautas principais por líderes mundiais na última reunião do G20 (grupo de desenvolvimento financeiro em escala global) que foi realizado em novembro deste ano no Rio de Janeiro. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante a 3ª sessão da Cúpula com o tema “Desenvolvimento Sustentável e Transição Energética” pediu aos líderes mundiais que antecipem as normas e metas globais de combate à crise climática. Ele ainda incluiu que urge a necessidade dos países entenderem o papel desempenhado pelas florestas e a valorização dos povos indígenas.
Com relação às atualizações nas legislações aplicadas em 2024, encontram-se algumas das seguintes mudanças pautadas na agenda climática.
No que diz respeito a mobilização popular, pequenas ações individuais, como o uso de sacolas reutilizáveis e coletivas, a participação em conselhos ambientais na fiscalização de políticas públicas, no voluntariado e conhecendo os papéis dos órgãos municipais, são ações consideráveis para combater a crise e entender quem cuida da mudança climática na cidade. O combate ao fogo abrange além de uma discussão ambiental, envolvendo também áreas sociais e econômicas que afetam a saúde, os recursos naturais e o dia a dia da população.
A repórter Camila Bosco conversou com a advogada especializada em Gestão Ambiental Carolina Gonçalves Mota. Confira.
As queimadas também trouxeram efeitos para diversos setores da economia brasileira, impactando diretamente áreas como agricultura, pecuária e turismo, gerando consequências indiretas como inflação e desemprego. A economista Anemarie Dalchau explica que os incêndios florestais afetam os fatores de produção como: terra, capital, trabalho, tecnologia e capacidade empresarial, e comprometem a organização da economia por agentes como famílias, empresas e governo.
Os dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) confirmam a gravidade da situação. Em 2024, os prejuízos das queimadas somaram R$ 1,1 bilhão até setembro e o número de municípios em estado de emergência também aumentou, passando de 23 em 2023 para 538 em 2024. “No setor primário, mais atingido, a perda da vegetação afeta diretamente a produtividade agrícola e pecuária, gerando um efeito em cascata que alcança desde a cadeia de suprimentos até o consumidor final”, afirma Anemarie.
Outro impacto está no aumento dos preços de alimentos, como arroz, feijão, carne e leite. Em 2023, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) — principal indicador da inflação no Brasil — registrou alta de 4,62%. Para 2024, a projeção é de 4,64%, reflexo de fatores como as queimadas, que contribuem para a escassez de alimentos. O IPCA mede a variação de preços de mais de 450 itens em categorias como alimentação, habitação, transportes, saúde, vestuário e educação.
Além disso, os gastos governamentais em ações emergenciais aumentaram, tanto para combater os incêndios quanto para atender as populações atingidas com medidas como seguro-desemprego e benefícios sociais. “O redirecionamento de recursos de outras áreas para lidar com desastres ambientais demonstra a necessidade de uma política pública permanente que preveja contingências e minimize os prejuízos”, alerta.
As áreas, conhecidas pelo turismo sustentável, como a Amazônia, o Pantanal, Mato Grosso e Tocantins enfrentaram redução no fluxo de visitantes, afetando diretamente o setor de serviços e comércio local, resultando em desemprego e menor arrecadação municipal. Outros principais destinos naturais no Brasil, como o Jalapão, a Chapada dos Veadeiros e as Serras do Cipó e do Caraça, por exemplo, também foram atingidos por queimadas neste ano, impactando o ecoturismo.
A economista explica sobre a necessidade de ações efetivas para mitigar os impactos futuros das queimadas. “O Projeto de Lei 11276/18, que propõe uma política nacional de redução de incêndios florestais, ainda está em tramitação. Tornar o planejamento de manejo ambiental mais claro e viável é importante para evitar que a imagem do Brasil seja prejudicada internacionalmente e para proteger nossa economia”, conclui.
O fato é que as queimadas atingiram diversas faces do Brasil. Claro, que em dimensões distintas. Casas, trabalhos e até vidas foram afetadas ao redor do país. Pessoas sentiram o peso na hora de fazer as compras do mês, abastecer o carro ou até adoçar o café. A questão é que, enquanto novas políticas públicas não forem criadas, o brasileiro continuará vendo as matas em chamas, e voluntários atuando para minimizar a situação.
Eu sou a dona do mundo; tudo me é dado, e tudo me pertence. O mar, o céu e a terra são meus domínios, e neles reino com sabedoria. Sou filha, mãe, avó e bisavó. Meu reinado é eterno, e sinto pena de quem acredita que estou morrendo. Para mim, a morte é apenas uma passagem, uma fase temporária que mal percebo passar.
Mas agora, eu queimo. Estou sendo consumida pelas chamas da ganância do chamado bicho-homem. Digo “bicho” porque ele também veio de mim, das minhas vísceras, e em meu útero habitou por muito tempo. Então, um dia, ele saiu, foi fazer história, e agora me maltrata, me corta, me queima, me envenena — tudo isso em nome do tão amado progresso.
Pena que o bicho-homem ainda não percebeu que nunca realmente saiu e jamais sairá do meu útero. Ele arranca minhas raízes, mas se esquece de que ali está seu lar, suas próprias raízes. Cortar-me e queimar-me não mudará o fato de que sua carne e seu sangue foram gerados em mim, e que sua passagem pelo meu domínio é apenas um sopro temporário.
Pois, como a rainha que sou, serei justa e lançarei toda a minha ira sobre os filhos desobedientes. Acho que vocês já entenderam o que acontece quando se afasta do colo de sua amada mãe: morte.
Sou firme, poderosa, e minhas raízes se estendem por toda a terra. Ao me destruir, você, bicho-homem, destrói a si próprio. Esqueça sua avareza e, por um momento, reflita sobre quem realmente é mais forte: uma rainha sábia, justa e imortal ou o fruto que insiste em ser árvore?
Agora ardo em chamas, num inferno de fuligem, mas isso é temporário. Vou me reerguer, de um jeito ou de outro, e o bicho-homem terá de aprender a ser um filho e um integrante melhor.
Primeira Pauta é o jornal-laboratório produzido pelos estudantes do curso de Jornalismo da Faculdade Ielusc.
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