"Quando eu disse que estava fazendo a reportagem, minha vó disse: 'Que bom minha filha, capricha!'"
Ana Júlia Zanotto, 20 anos
REPÓRTER E NETA
Alzheimer afeta 1,2 milhão de brasileiros. Nesta reportagem, você vai conhecer desafios e implicações da doença no cotidiano, além da escassez de políticas públicas em Joinville, onde estima-se que pelo menos 6,3 mil pessoas sofram de algum tipo de demência
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14 DE DEZEMBRO DE 2024
14 DE DEZEMBRO DE 2024
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Alzheimer, uma das principais causas de demência no mundo, desafia não apenas os pacientes, mas também aqueles que dedicam suas vidas a cuidar deles. Em Joinville, a cidade mais populosa de Santa Catarina, o envelhecimento acelerado da população evidencia a urgência de políticas públicas e redes de apoio voltadas a quem enfrenta essa jornada.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tinha cerca de 34 milhões de pessoas com 60 anos ou mais em 2020, número que deve dobrar até 2060. Acompanhando esse envelhecimento, a doença de Alzheimer já afeta mais de 1,2 milhão de brasileiros, com prevalência de até 30% entre os idosos com mais de 85 anos. Joinville não é exceção a essa realidade, e histórias como a de Hilda Dagnoni, a dona Hilda, falecida no último sábado (7), aos 90 anos, revelam os impactos humanos por trás dessas estatísticas.
Dona Hilda nasceu em uma época em que a vida rural era a norma para muitas famílias. Entre as memórias de infância vividas em um sítio e as lembranças nebulosas do presente, ela luta contra o Alzheimer há cinco anos. Sua filha Vilma Dagnoni, cuidadora principal, descreve a rotina como um ato de amor repleto de desafios.
“É cansativo. Às vezes, ela me pergunta onde está meu pai, que faleceu há mais de 20 anos. Você responde como se fosse a primeira vez, tentando não deixar a dor transparecer”, relata. Essa dedicação é compartilhada por milhares de familiares que enfrentam o desgaste físico e emocional de cuidar de um ente querido com Alzheimer.
Especialistas alertam que o sistema público de saúde ainda não está preparado para lidar com o crescimento da população idosa com Alzheimer. Scarlet Murara, coordenadora da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz) em Joinville, destaca que o diagnóstico precoce e o suporte emocional aos cuidadores são essenciais.
“É fundamental que as famílias saibam que não estão sozinhas. A ABRAz oferece grupos de apoio e orientação, mas precisamos de mais políticas públicas para suprir a demanda crescente”, explica.
Enquanto algumas cidades oferecem serviços especializados, como equipes de cuidados paliativos, ainda há uma grande desigualdade no acesso. Em muitas regiões, a espera por uma consulta especializada pode levar meses.
Segundo dados recentes, entre 60% e 70% dos cuidadores de pacientes com Alzheimer são mulheres, muitas vezes filhas ou esposas dos pacientes. Além do desgaste físico, essas mulheres frequentemente enfrentam dificuldades financeiras e negligenciam sua própria saúde mental.
“A gente deixa de viver a nossa vida para viver a deles. É muito amor, mas também muito sofrimento”, diz Maria Clara, uma cuidadora que participa dos grupos de apoio em Joinville. Relatos como o dela reforçam a necessidade de programas de suporte psicológico e capacitação.
O psiquiatra Leandro Prates de Lima destaca que o impacto emocional e físico em quem cuida de pessoas com Alzheimer é imenso. Para evitar que cuidadores adoeçam, ele sugere atividades como:
Psicoterapia de apoio: ajuda a cuidadora a lidar com o desgaste emocional e a culpa, comuns nessa função.
Orientação contínua: informação sobre a evolução da doença e manejo de sintomas comportamentais auxilia no planejamento e reduz a sensação de sobrecarga.
Além do suporte emocional, os cuidadores necessitam de:
Atuação interdisciplinar: profissionais da saúde, como médicos, psicólogos e terapeutas ocupacionais podem orientar sobre práticas adequadas de cuidado.
Rede de apoio comunitária: grupos de apoio oferecem um espaço para compartilhar experiências e aprender estratégias práticas de cuidado.
Em Joinville, projetos liderados por ONGs têm desempenhado um papel crucial. Grupos de apoio, eventos de conscientização e campanhas de arrecadação ajudam a aliviar a carga das famílias. Entretanto, especialistas destacam que a solução definitiva passa por políticas públicas robustas.
Entre as propostas estão a ampliação de equipes de cuidados paliativos, a capacitação de profissionais da saúde e o incentivo à criação de redes comunitárias de suporte. Além disso, é essencial desmistificar o Alzheimer, promovendo a empatia e o engajamento social.
A história de Dona Hilda, de Vilma e de tantos outros que enfrentam o Alzheimer diariamente remontam ao fato de que, apesar da perda de memória, o amor e o cuidado são eternos.
Cada um pode contribuir para que pacientes e cuidadores tenham acesso a uma vida digna, seja participando de grupos de apoio, doando para organizações que promovem a conscientização ou simplesmente acolhendo as histórias dessas famílias.
A doença de Alzheimer é uma condição neurodegenerativa progressiva que provoca a morte de células cerebrais, afetando gravemente funções cognitivas, como memória, linguagem, planejamento e percepção espacial. Segundo o Ministério da Saúde, o principal sintoma inicial é a perda de memória recente, acompanhada de esquecimentos frequentes e repetição de histórias. Com a progressão da doença, surgem dificuldades de orientação, comunicação e execução de tarefas simples do cotidiano. Nos casos avançados, o paciente pode perder completamente a autonomia.
Ainda de acordo com o Ministério da Saúde, o impacto emocional e funcional é significativo não apenas para o paciente, mas também para a família. Alterações comportamentais, como irritabilidade e apatia, são comuns e agravam os desafios do cuidado. Estima-se que, no Brasil, 1,2 milhão de pessoas convivam com a doença, e cerca de 100 mil novos casos sejam diagnosticados anualmente.
A identificação precoce é essencial para retardar a progressão dos sintomas. Terapias ocupacionais, atividades físicas e suporte multiprofissional são intervenções eficazes e estão disponíveis gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Essas ações, conforme destaca o Ministério, ajudam a preservar a qualidade de vida do paciente e de seus cuidadores.
No gráfico a seguir, você entenderá como o Alzheimer impacta o cérebro e quais são os principais sintomas dessa doença neurodegenerativa.
Joinville, maior cidade de Santa Catarina, enfrenta desafios crescentes relacionados ao envelhecimento populacional. De acordo com o Censo 2022 do IBGE, 13,9% dos habitantes têm 60 anos ou mais, totalizando 85.925 pessoas. Esse número representa um aumento expressivo em relação a 2010, quando a população idosa era de 45.404. Com a expansão dessa faixa etária, surgem questões cruciais sobre saúde, bem-estar e estruturas de cuidado na cidade.
O envelhecimento da população joinvilense reflete uma tendência nacional: entre 2010 e 2022, a população idosa brasileira cresceu 56%. Em Joinville, esse aumento trouxe consigo desafios, como o impacto das demências, incluindo Alzheimer. Dados nacionais estimam que 8,5% da população idosa brasileira convivam nessas condições, com taxas ligeiramente menores no Sul (7,3%). Isso significa que, aproximadamente 6,3 mil idosos em Joinville podem enfrentar algum tipo de demência, exigindo cuidados especializados e suporte adequado.
Em termos de infraestrutura, Joinville possui limitações significativas. Não há lares de idosos inteiramente públicos. O Lar Betânia, que funciona em parceria público-privada, atende cerca de 50 idosos, mas é insuficiente diante da crescente demanda. Além disso, a cidade conta com uma rede de instituições privadas, como o Residencial Terça da Serra e o Lar Aconchego, que oferecem serviços especializados, mas com custos elevados. Esses desafios colocam em evidência a necessidade de ampliar tanto os serviços públicos quanto as políticas de apoio às famílias e cuidadores.
Os custos e a sobrecarga dos cuidadores são problemas amplamente discutidos em estudos nacionais. Em média, cuidadores familiares, em sua maioria mulheres, dedicam 10 horas diárias a essas funções, frequentemente sem remuneração e enfrentando sintomas de ansiedade e depressão. Além disso, os gastos médios mensais associados a demências podem ultrapassar R$ 3,8 mil por pessoa, com a maior parte desses custos recaindo sobre as famílias. A situação em Joinville reflete essas dificuldades e aponta para a necessidade de iniciativas como centros-dia e suporte psicológico para cuidadores.
Para aprofundar o tema, documentos como o Relatório Nacional sobre Demência no Brasil destacam propostas que podem ser adaptadas à realidade local. Entre elas, estão o reconhecimento do tempo de cuidado para a aposentadoria e o incentivo a pesquisas regionais que considerem as especificidades de cada área. Em Joinville, a busca por soluções inovadoras e sustentáveis será essencial para enfrentar os impactos do envelhecimento e garantir um futuro mais digno para os idosos e suas famílias.
Atualmente, não existem dados exatos sobre o número de pessoas com Alzheimer em Joinville. No entanto, de acordo com estimativas nacionais, cerca de 8,5% da população idosa no Brasil vive com alguma forma de demência, sendo o Alzheimer a mais comum. No Sul do país, a prevalência é um pouco menor, em torno de 7,3% da população idosa.
Com base na projeção de que Joinville tem aproximadamente 93 mil idosos (pessoas com 60 anos ou mais), o número estimado de pessoas vivendo com demência na cidade pode variar entre 6,8 mil e 7,9 mil. Essa estimativa inclui Alzheimer e outras formas de demência.
Essa projeção foi baseada nos dados do Censo 2022 do IBGE, que apontam que 13,9% da população de Joinville (616.317 habitantes em 2022) são idosos (60 anos ou mais). Isso equivale a 85,8 mil idosos na cidade. Para 2024, com uma estimativa populacional de 654.888 habitantes, o número de idosos poderia ser projetado para cerca de 93 mil, considerando o aumento proporcional da população e a tendência de envelhecimento demográfico. Quanto à prevalência de Alzheimer e outras demências, foi usada a estimativa nacional da Organização Mundial da Saúde e do Ministério da Saúde, que indica que entre 7,3% (região Sul) e 8,5% (média nacional) da população idosa vive com alguma forma de demência.
Enquanto o Brasil se adapta a essa nova realidade, relatos como o de Rodrigo Nickel, curitibano que cuidou de sua mãe, Doly Heckert Vaz, diagnosticada com Alzheimer, ajudam a lançar luz sobre as dificuldades e necessidades desses cuidadores.
Rodrigo compartilha que o cuidado diário exige paciência, compreensão e compaixão. “Não existe uma cartilha para cuidar de alguém com Alzheimer, especialmente para quem não tem formação médica”, explica. Entre os desafios enfrentados estão a aceitação do idoso sobre os cuidados, questões de segurança, como evitar que a pessoa saia de casa sozinha, e adaptações simples, como esconder remédios ou o botijão de gás. “Minha mãe relutava muito no início, especialmente na hora do banho, chegando a ficar agressiva. Tive que aprender a me adaptar às necessidades dela e às mudanças progressivas da doença”, relembra.
Doly Heckert Vaz nasceu em 1939 e começou a apresentar sinais de esclerose nos anos 1980, mas o diagnóstico de Alzheimer só foi confirmado em 2010, quando tinha 71 anos. Ela faleceu aos 79, após quase uma década convivendo com a doença. Rodrigo destaca que estimular a memória foi fundamental: “Eu usava álbuns de fotos da família, incentivava ela a pintar e a contar histórias da vida dela, sempre que possível. Quando perdeu a coordenação motora, introduzimos fisioterapia”.
O relato de Rodrigo ilustra os desafios enfrentados por milhares de famílias em Joinville. Com 6,3 mil idosos possivelmente convivendo com demências, incluindo Alzheimer, a cidade ainda carece de estruturas públicas específicas, como lares de idosos totalmente financiados pelo município. O Lar Betânia, por exemplo, atende apenas 50 idosos em uma parceria público-privada, enquanto as instituições particulares representam uma alternativa de alto custo.
Rodrigo acredita que a saúde emocional dos cuidadores é essencial: “Somos humanos e o emocional fica abalado. Ver o outro tão frágil nos faz refletir sobre nossa própria vulnerabilidade”. Ele sugere a criação de serviços de suporte psicológico e mais oportunidades de compartilhar conhecimentos atualizados sobre a doença.
O impacto financeiro também é expressivo. Nacionalmente, o custo mensal de cuidar de um paciente com Alzheimer pode ultrapassar R$ 3,8 mil. Para muitas famílias joinvilenses, isso é um fardo insustentável, somado ao fato de que os cuidadores, em sua maioria mulheres, dedicam até 10 horas diárias ao cuidado, muitas vezes sem qualquer suporte formal.
Histórias como a de Rodrigo e Doly são um lembrete poderoso da necessidade de políticas públicas eficazes. Investir em serviços especializados, como centros-dia, suporte psicológico e pesquisas regionais, pode transformar a maneira como Joinville enfrenta o envelhecimento de sua população. “A demência exige mais do que cuidados médicos; ela exige empatia e suporte para todos os envolvidos”, conclui Rodrigo.
Primeira Pauta é o jornal-laboratório produzido pelos estudantes do curso de Jornalismo da Faculdade Ielusc.
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