Caminhoneiros paralisados em Joinville avaliam conquistas da greve
No quilômetro 25 da BR-101, próximo ao Posto Rudnick, em Joinville, faixas em postes, uma longa tenda branca, pessoas reunidas e caminhões parados: ponto de greve dos caminhoneiros. Mobilizados nacionalmente, trabalhadores do transporte paralisaram os serviços para reivindicar pautas referentes ao diesel, pedágio, frete, entre outros temas. Homens de diferentes cidades, ao redor de seus veículos, explicam porque optaram pela paralisação, como se organizaram, a rotina grevista e o resultado da mobilização.
O caminhoneiro autônomo Paulo Cezar Ritter, joinvilense, 46 anos, diz que carrega todo o tipo de transporte em seu veículo e conta que entrou na greve por causa do preço dos combustíveis. Além disso, a pauta do frete também é motivo de reivindicação para ele. “Hoje, saio do local com um preço de combustível e ao chegar no destino, após até quatro ou cinco dias na estrada, o óleo já subiu quatro vezes. Tem viagem que quase fico no prejuízo”, desabafa.
Já o caminhoneiro Anselmo Pereira, 38 anos, transporta embalagens e é funcionário de empresa privada. Aderiu a greve pela pauta inicial: os altos preços do diesel. Paulista, passou dez dias na greve. Emocionado e com semblante exausto, diz que apesar do apoio, sua esposa e filhos estão em São Paulo chorando de saudades e preocupação. Morador de Joinville durante a paralisação, conta que a recepção em terras catarinenses foi positiva. “Para mim, que sou de outra cidade, encontrei pessoas muito receptivas, os caminhoneiros, famílias, apoiadores… o que vi aqui foi impressionante”, destaca. A empresa que Anselmo trabalha não sabia que ele estava participando da paralisação. Quando soube, apoiou. Porém, no décimo dia ordenou que voltasse. “Era para eu ir ter ido embora hoje (30), se eu não for com o caminhão, eles vão pagar uma passagem de ônibus pra mim amanhã (31). O dono da empresa não quer que eu fique mais”, explica.
Os dois afirmam que nenhum grupo político participa da greve e que a maioria dos grevistas são trabalhadores autônomos. “Não existe líder, se chegar alguém aqui, nos reunimos e todos decidem. Também não tem grupos políticos e nem políticos. Falam que tem empresa por trás, mas não tem”, exclamam. Cleiton Vargas*, de Joinville, 40 anos, sendo 23 anos vividos como caminhoneiro autônomo, estava na greve e explica que, em cada região de Santa Catarina, quatro ou cinco caminhoneiros autônomos foram se comunicando sobre a greve. Em Joinville, os grevistas tinham diálogo com Barra Velha, Guaramirim, Mafra, alguns locais do Rio Grande do Sul e Paraná.
Ele afirma que há três meses o governo federal recebeu documentos com as reivindicações, que a princípio envolviam o congelamento do preço do diesel por, no mínimo, de seis meses a um ano, uma tabela de pedágio do eixo suspenso com o veículo sem carga e uma tabela mínima de frete. Porém, sem resposta. Em abril, a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) enviou outra carta, mas novamente não foram atendidos. No dia 21 de maio, era iniciada a greve em Joinville. Cleiton critica a postura do presidente Michel Temer ao falar que na reunião com os sindicatos do transporte, o “Chorão”, porta- -voz dos caminhoneiros autô- nomos, não foi convidado.
Para ele, a mobilização foi além do esperado. “A nossa ideia era que na quinta (23) ou sexta-feira (24), o governo aceitasse nossas pautas e a paralisação acabasse. A greve tomou uma proporção que nós não imaginávamos”, revela. O apoio da população foi visto como surpresa, “A popula- ção nunca tinha nos apoiado”, conta. Durante os dez dias de paralisação, os caminhoneiros foram apoiados por diferentes grupos e pessoas. Paulo e Anselmo destacam que receberam alimentos e mantimentos da população. No local, havia cozinha e churrasqueira para preparar o café da manhã, almoço e janta. Todos os dias os grevistas receberam doações. “Temos um caminhão cheio de alimentos que foram doados”, falam apontando para os veículos que estão próxima de onde os familiares estão acampados. Entre os apoiadores, os gerentes-gerais do posto Rudnick. Para Paulo, o apoio da empresa foi “cem por cento”. “Ajudaram muito. Nos deixaram usar o banheiro, doaram comidas e até os funcionários do posto recolheram nossos lixos”, conta.
Mobilização popular trouxe nova agenda de reivindicações e desviou foco
O apoio popular trouxe novas pautas aos grevistas. “Nós, caminhoneiros, nunca falamos em ‘Fora, Temer’ ou ‘intervenção militar’. Só que entraram pessoas no meio pedindo isso e a população foi abraçando outras coisas”, lamenta um deles. Os temas não eram consenso nem entre os caminhoneiros. Para Cleiton, essas pautas foram colocadas por pessoas que não estavam na greve. “Os objetivos dos caminhoneiros autônomos nunca foram esses. Não estamos nem aí para isso”, afirma.
Já para Paulo e Anselmo, só o Exército pode salvar o país. Segundo eles, a população não aguenta mais o governo de Michel Temer e vê a intervenção militar como saída. Os dois viram com bons olhos o apoio dos intervencionistas no local. “Nós não vemos a intervenção militar como pauta política, é o povo que tá pedindo”, dizem. Já Cleiton, diz que a maioria dos caminhoneiros não concorda com a pauta dos militares no poder. “De 100% dos motoristas autônomos que estavam aqui, 20% ou 30% compraram essa ideia. Alguns foram nos atos em apoio aos caminhoneiros, viram as faixas de intervenção militar e se deixaram levar”, acredita.
Porém, entre os grevistas, há um consenso: a negação a sindicatos, grupos e partidos políticos de esquerda. Cleiton é direto, pensa que há razões para os grupos que defendem a volta dos anos de chumbo terem mais aceitação. “Os movimentos sociais ou sindicatos levantam bandeiras de partido, a intervenção militar veio pela população”, fala. Já Paulo, acredita que “sindicatos só querem saber de lucro e que nos pontos de greve só tinham bandeira do Brasil, não de políticos. Se tivesse, seria arrancado e jogado fora”, exclama.
No dia 30 de maio, quando os noticiários indicavam que a greve dos caminhoneiros estava prestes a acabar, o jovem Bruno Tamanini, de 23 anos, defendia a resistência. Caminhoneiro como o pai, ele participou da greve desde o primeiro dia “sem arredar o pé” do ponto de paralisação da BR-101, em Joinville. Bruno disse que as entidades que firmaram acordo com o governo federal não representavam sua classe. “O único que está representando mesmo é um caminhoneiro, que é o tal do Chorão. O resto não é representante, é só sindicato vendido”, afirmou. Ele explica que a greve foi organizada pelo WhatsApp e que os caminhoneiros fizeram um trabalho de convencimento nas rodovias. “Muitos não queriam ficar por causa da saudade da família. Fomos lá e conversamos. Infelizmente, nosso país está muito mal governado. Não tem mais condição”, desabafou o caminhoneiro.
Na profissão há quatro anos, Bruno diz que só não conheceu ainda Amazonas, Roraima e o Acre. O bom de ser caminhoneiro, conta ele, são as viagens, as novas amizades e o companheirismo entre os trabalhadores. “É óleo diesel na veia”, diz Bruno, sobre sua paixão pela profissão. O ofício, no entanto, tem seus percalços. A saudade da família pesa. Ele conta que chega a ficar 40 dias longe de casa. Tanto tempo assim na estrada fica mais difícil quando as condições nos postos que recebem os caminhoneiros não são boas. Ele também cita o risco que caminhoneiros têm de serem assaltados.
Sobre a greve, Bruno criticou a cobertura da imprensa. Disse que só uma emissora de televisão esteve no local conversando com os manifestantes. “Não tiveram partidos aqui no meio. Isso aqui é um movimento dos caminhoneiros”, explica. Bruno é a favor de uma intervenção militar para fazer “uma limpa no Congresso”.
Intervenção militar
Os pedidos de intervenção militar durante a greve dos caminhoneiros trouxe diferentes visões sobre o período ditatorial que aconteceu entre 1964 e 1985. A pauta era apoiada pelo caminhoneiro Juliano da Silva, 30 anos, dono de uma transportadora. A reputação dos militares com os caminhoneiros grevistas, no entanto, já não era a mesma depois de alguns dias de paralisação e pedidos de intervenção. “Agora eu vi que o Exército só serve para a marcha de sete de setembro mesmo”, disse Juliano. Para ele, os militares deveriam apoiar a população e não o governo. Joinvilense, Juliano começou na profissão de caminhoneiro há oito anos, mas atualmente dedica a maior parte do tempo fora da estrada, administrando sua empresa que conta com van, caminhão e funcioná- rios terceirizados.
No final da tarde de quarta-feira, 30, após o Exército e a Polícia Federal (PF) irem dois dias seguidos desmobilizar a paralisação, poucos caminhões e pessoas ainda permaneciam no ponto de greve. Entre tudo que aconteceu nesta greve, nada parecia irritar mais os caminhoneiros que as filas nos postos. Os grevistas acreditam que o movimento perdeu força com a população formando grandes filas assim que a greve iniciou e sempre que um posto de combustível era reabastecido. Cansados, os caminhoneiros lamentaram que a vitória não foi completa. “O resultado da luta não foi o que nós esperávamos”, lamenta Anselmo. Cleiton pensa parecido. “Nossa parte nós já conseguimos. Não foi satisfatória, mas conseguimos”, diz. Para ele, porém, o sentimento é também de orgulho. “Saímos de cabeça de erguida. Agora meu filho pode falar que tem pai caminhoneiro e se orgulhar disso”, finaliza.
Reportagem: Alex Sander Magdyel e Lucas Koehler
Foto: Alex Sander Magdyel
Conteúdo original do Primeira Pauta Impresso, Edição 139